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Proposta de Novo Código de Mineração já nasce arcaica

Proposta de Novo Código de Mineração já nasce arcaica

Novo Código de Mineração – Proposta em análise na Câmara afronta a Constituição de 1988, além de acabar com mecanismos de controle e fiscalização.

Por ecodebate.com.br – Solange A. Barreira, Observatório do Clima

Inconsistente, irresponsável e inconstitucional: é assim que organizações da sociedade civil se referem à base do novo Código de Mineração, elaborada por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados. Especialistas analisaram o relatório final da deputada Greyce Elias (Avante-MG) em vias de ser votado, e emitiram nesta terça-feira (15/12) uma nota com as principais arbitrariedades do texto. Se aprovado no GT, ele abrirá caminho para a tramitação da nova legislação na Casa.

A proposta — defendida pelo governo Bolsonaro — bebeu na fonte do código em vigor, um decreto-lei editado pelo ditador Artur da Costa e Silva 21 anos antes da Constituição de 1988. Mais de meio século depois, o “remake” da lei não disciplina o licenciamento dos empreendimentos perante o órgão competente do Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente) mas, contraditoriamente, prevê dispensa da licença ambiental nas situações em que não se exige Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), ou seja, praticamente a totalidade das pesquisas minerais, fase que antecede a exploração.

Além disso, o texto garante direito de exploração mesmo que o requerente não demonstre capacidade financeira de realizar o empreendimento — o que afetará a implementação das condicionantes das licenças ambientais, entre outros problemas. Também não menciona expressamente os danos ambientais entre as responsabilidades do titular da autorização de pesquisa, limitando-se a citar danos a terceiros.

Entre os conflitos constitucionais está o fato de não haver restrições à pesquisa minerária em Terra Indígena ou Unidade de Conservação, colocando em risco direitos socioambientais importantes assegurados expressamente pela Carta de 1988.

Assinam a nota: Observatório do Clima, Conectas Direitos Humanos, Greenpeace Brasil, Inesc, ISPN, ISA, NOSSAS, SOS Mata Atlântica e WWF-Brasil. Leia a íntegra aqui.

Declarações
“É uma tentativa explícita de flexibilizar o atual Código de Mineração, colocando os interesses privados do setor mineral e dos garimpeiros acima dos interesses de toda a sociedade brasileira. Trata-se de um setor estratégico, de alto impacto ambiental e social. A reforma do código de 1967 não pode ser feita assim, no apagar das luzes das atividades do Congresso Nacional e por um grupo de parlamentares que representa de forma acintosa os interesses do setor.” Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

“O relatório não se compromete com avanços na legislação, muito pelo contrário: recua e fere a Constituição Federal. Os territórios a serem minerados, o meio ambiente, as comunidades de entorno e toda a sociedade brasileira pagarão um preço alto pela irresponsabilidade do texto apresentado. Contamos com a mobilização da sociedade civil e o compromisso dos parlamentares com o desenvolvimento sustentável para barrar mais este retrocesso.” Cledisson Junior, estrategista do NOSSAS.

“O relatório contém retrocessos socioambientais inaceitáveis e inconstitucionais, como a liberação automática de empreendimentos de alto impacto por decurso de prazo. Depois de Mariana e Brumadinho o Congresso deveria estar preocupado em fortalecer os instrumentos de controle e segurança das mineradoras. Não é o caso. A proposta é irresponsável e colocará toda a coletividade em risco.” Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

“O texto desrespeita princípios constitucionais, ameaça a gestão da água, potencializa riscos de danos ambientais e não leva em consideração as tragédias decorrentes de atividades minerarias, que afetaram bacias hidrográficas inteiras, ceifaram vidas, deixaram sequelas de saúde irreversíveis e contaminação. A proposta afeta áreas protegidas e desrespeita políticas públicas vigentes. Esse é um tema que requer debate com a sociedade e transparência.” Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

“É urgente que o Brasil lide melhor com o seu patrimônio ambiental, mas Governo e Congresso têm pressa em avançar medidas que incentivam um modelo minerário que destrói florestas e a saúde das pessoas. O atropelo do debate imposto na proposta em discussão só evidencia a falta de consenso a esse modelo de exploração desastroso que beneficia poucos e prejudica muitos.” Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil.

“A exigência de oitiva do Ministério de Minas e Energia sobre demarcações é inconstitucional. O direito ao território indígena é anterior às minas e à energia. A criação de Unidades de Conservação também é dever do Estado, não depende e não tem que depender de aval do MME considerando interesse minerário. Em resumo, o texto da minuta do novo Código de Mineração representa risco aos modos de vida dos povos indígenas e das demais comunidades tradicionais. Se for aprovado, enfrentaremos uma crise humanitária, um genocídio, com certeza. É muita gente que morre com a entrada do garimpo.” Patrícia da Silva, assessora de políticas públicas do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza).

“Não há condições mínimas de essa proposta tramitar como projeto de lei. Ela é uma releitura de um texto arcaico e autoritário do regime militar. Os ajustes realizados mantêm o centralismo excessivo no governo federal, inclusive nas atividades de fiscalização e aplicação de sanções e, mais importante, ignoram direitos fundamentais no campo socioambiental assegurados explicitamente pela Constituição de 1988. Meio ambiente, populações indígenas, patrimônio cultural e até mesmo o direito à cidade são colocados de forma subordinada aos interesses minerários. Se é que precisamos aprovar um novo Código de Mineração, ainda falta muito para termos uma base consistente para tanto”. Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

“O conteúdo apresentado coloca os interesses do setor privado e dos pequenos garimpeiros ilegais acima das necessidades e interesses da sociedade como um todo. Sem debates públicos, viola direitos fundamentais de povos indígenas e comunidades tradicionais, viabiliza o avanço do trabalho escravo e precarizado e retira o papel já deficitário do Estado de regular e fiscalizar essas atividades de alto impacto. Tal estratégia acaba por potencializar riscos de danos socioambientais catastróficos como os de Mariana e Brumadinho, até hoje sem a devida responsabilização e reparação às populações atingidas. Ou seja, temos um parlamento desconectado das realidades dos territórios do país.” Julia Mello Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos.

Entidades entregam à Alesc denúncia sobre Jorge Lacerda e pedem revisão de PL da transição energética

Entidades entregam à Alesc denúncia sobre Jorge Lacerda e pedem revisão de PL da transição energética

A Arayara, o Observatório do Carvão Mineral e a Coal Watch levaram nesta quinta (18) ofício aos/às 40 parlamentares mostrando que não há sustentabilidade ambiental na mineração

Representantes do Instituto Internacional Arayara, do Observatório do Carvão Mineral  (OCM) e do COALWATCH.ORG entregaram na tarde desta quinta-feira (18) ofício aos/às parlamentares da Assembléia Estadual de Santa Catarina (Alesc) solicitando revisão do Projeto de Lei (PL) 0270/2021, que trata da Política Estadual de Transição Energética Justa e o Polo de Transição Energética Justa do Sul de Santa Catarina.

“O texto apresentado do PL n° 0270.0/2021 tem um conceito errôneo sobre o carvão mineral, o que inclui a afirmação de que o mesmo é sustentável. (…) não há sustentabilidade ambiental nas atividades decorrentes da mineração do carvão”, apontam as três entidades no documento.

As organizações afirmam que “se baseiam nos inúmeros passivos ambientais levantados e atualizados pelas equipes de técnicos e especialistas que conduzem há nove meses uma agigantada pesquisa da Região Carbonífera e da Termoelétrica de Jorge Lacerda”.

O ofício também solicita a realização de audiências públicas e a criação de um novo GT – Grupo de Trabalho.  Junto com o documento foram entregues aos/às parlamentares cópias do diagnóstico técnico “O legado tóxico da Engie – Diamante – Fram Capital no Brasil: Mapa da Contaminação e Destruição Geradas pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda e pelas Minas de Carvão que o Abastecem”

O relatório (que pode ser baixado em português, inglês e francês em www.coalwatch.org) resume a investigação técnica realizada pelo Instituto Internacional Arayara e outras organizações em 41 municípios de todas as bacias hidrográficas afetadas pela exploração do carvão mineral, e especialmente aqueles que recebem contaminantes advindos da usina termelétrica do Complexo de Jorge Lacerda, localizada no município de  Capivari de Baixo (SC).  

Os danos da indústria do carvão, diz o relatório, atingem quase um milhão de catarinenses e causam prejuízos de R$ 6 bilhões de reais em impactos ambientais, econômicos, sociais e da saúde pública.

No documento entregue aos/às parlamentares, as três entidades solicitaram:

1- A suspensão do processo de aprovação do Projeto de Lei do n° 0270.0/2021, a fim de revisar e adequar as realidades, aos quais nossos estudos e pesquisas apresentam, buscando assim reformular o PL da Política Estadual de Transição Energética Justa e o Polo de Transição Energética Justa¨ do Sul de Santa Catarina.

2- A realização de audiências públicas estaduais e municipais , visando apresentar as realidades, dados, fatos e os caminhos possíveis para uma efetiva política de transição energética justa e inclusiva, tema de suma importância para a sociedade catarinense.

3 – Propor a criação de um novo Grupo de Trabalho junto a esta casa legislativa, que conte com o assessoramento da Academia Científica de Santa Catarina e outras universidades públicas, bem como das organizações da sociedade civil especializadas em Energia, Clima e Meio Ambiente (Arayara, OCM, CoalWatch, ICs), bem como o Ministério Público Federal, visando a ampliar os conhecimentos que possam balizar e dar maior amplitude na tomada de decisão da ALESC e da sociedade catarinense.

O projeto de lei n° 0270.0/2021 está tramitando na ALESC e já passou por duas comissões Constituição e Justiça e Finanças e Tributação, está no momento na comissão do Trabalho, Administração e Serviço Público, com vistas coletivas. A PL ainda passará pela comissão de Economia, Ciência, Tecnologia, Minas e Energia. Por solicitações ainda passará também pela comissão de Turismo e Meio Ambiente.

Será muito importante que essa lei seja revista com toda a sociedade, para que seja uma lei que realmente vise uma transição energética justa.

#Arayara #ObsdoCarvão #EmDefesadaVida #TransiçãoJusta #JustTransition #ToxicEngie #EngieToxicLegacy #coalwatch

COP26: Arayara lança nesta quinta (4) relatório sobre legado tóxico da usina termelétrica Jorge Lacerda em Santa Catarina

COP26: Arayara lança nesta quinta (4) relatório sobre legado tóxico da usina termelétrica Jorge Lacerda em Santa Catarina

Será divulgado o mapa da contaminação sobre cerca de um milhão de pessoas que são impactadas pela indústria do carvão no Estado; o governador do RS, Eduardo Leite, participará do debate de lançamento

O Instituto Internacional Arayara, o Observatório do Carvão, o Instituto Clima e Sociedade – iCS e a organização Coal Watch lançam nesta quinta-feira (4), durante a COP26 em Glasgow (Escócia), o relatório técnico “O legado tóxico da Engie-Diamante-Fram Capital no Brasil: Mapa da Contaminação e Destruição Geradas pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda e pelas Minas de Carvão que o Abastecem”.

O debate, que será transmitido em português e inglês pela internet,  terá as presenças de Eduardo Leite (Governador do RS), Nicole Oliveira (diretora do Instituto Arayara e do Observatório do Carvão Mineral),  Roberto Kishinami (Instituto Clima e Sociedade, iCS), Ricardo Baitelo, (Instituto de Energia e Meio Ambiente, IEMA) e Lucie Pinson (Reclaim Finance, TBC).

O governador Eduardo Leite abordará os problemas relacionados ao projeto da Mina Guaíba, a maior mina de carvão a céu aberto da América Latina, localizada no RS. O projeto só não foi implementado devido à Ação Civil Pública protocolada na justiça federal em outubro de 2019 pelo Instituto Internacional Arayara. Espera-se que durante o evento o governador gaúcho anuncie uma nova política estadual gaúcha para o carvão mineral.

O legado tóxico da Engie em SC

No debate, será analisada a atuação da empresa Engie no Brasil, proprietária até há pouco do Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda. Desde março de 2021, técnicos do Instituto Internacional Arayara vêm realizando coletas recorrentes de sedimentos, de água e de amostras do solo no entorno da Termelétrica Jorge Lacerda e das minas que a abastecem.

Os resultados da análise destes materiais confirmam que estão contaminadas áreas residenciais e agrícolas, expondo uma população de mais de um milhão de pessoas a severos riscos à saúde. Estima-se que os custos para a recuperação ambiental e reparação dos danos causados à saúde da população ultrapassem em muito os R$1,5 bilhão que já foram contemplados em Ações Civis Públicas em andamento ou em execução.

Dia: 04/11/2021

Horário: 7:00 as 8:00 horário de Brasília 

O debate será transmitido em português e inglês na página do Brazil Climate Hub

https://auditoriobrazilclimatehub.nerdetcetera.com/

e o chat estará aberto para perguntas.

Local do debate em Glasgow: Brazil Climate Action Hub – COP26, Blue Zone, Hall 4, entrada 4B – Pavilhão 47

Organizadores:

Arayara.org

Observatório do Carvão Mineral

Instituto Clima e Sociedade

ClimaInfo

Mais informações:

Na COP26: Nicole Figueiredo de Oliveira (nicole@arayara.org)

No Brasil: Assessoria de imprensa Carlos Tautz (carlos.tautz@arayara.org e 21-99658-8835)

A receita neoliberal para privatizar florestas

A receita neoliberal para privatizar florestas

Foto: Floresta Nacional de Chapecó (ICMBio)

O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo brasileiro foi autorizado hoje a licitar a concessão de exploração das Florestas Nacionais de Três Barras e Chapecó, no Estado do Santa Catarina, e a Floresta Nacional de Irati, localizada no Estado do Paraná. O decreto que autoriza a operação foi publicado no Diário Oficial nesta terça-feira (29/6).

A licitação deve ocorrer no primeiro trimestre de 2022.

Os três novos projetos oferecerão cerca de 9,7 mil hectares de área de manejo, que se somarão aos 2,5 milhões de hectares das áreas dos projetos já qualificados, informou o PPI. Os vencedores das licitações poderão explorar os recursos de cada unidade de conservação (UC) dentro de acordo com o plano de manejo da unidade e a legislação vigente, sob a fiscalização do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Com a concessão, o SFB planeja elevar o nível da atividade econômica nos municípios e estados onde estão presentes.

Os projetos de licitação estão sendo modelados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que divide com o PPI o papel institucional de agência de privatizações, concessões e parcerias público-privadas (PPP) do governo federal e dos governos estaduais que estão privatizando vários ativos, como empresas de saneamento, aeroportos, rodovias e outros.

O BNDES avalia que a privatização da gestão das florestas vai garantir o aumento da biodiversidade da floresta por meio da substituição das espécies exóticas por nativas; a proteção de espécies ameaçadas por meio da instalação de bancos de sementes; e um modelo de concessão que concilie a atratividade comercial com a garantia da recomposição da vegetação nativa, reduzindo os impactos à fauna local.

Esse é discurso neoliberal sobre a natureza. A forma de Primeiro, exime-se o Estado de se dedicar à proteção, regulação e aproveitamento economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente equilibrado – tudo que ecologistas dizem há décadas.

Depois relega-se o patrimônio público ao abandono e, no caso de unidades de conservação, como as florestas nacionais, deixando-as à indigência e colocando em risco a vida de seres humanos que nelas ou em seu entorno vivem, além de empurrar várias espécies à indigência – algumas, à extinção.

Por fim, voilá – a saída neoliberal para todos os males: entregar o bem comum os apaniguados do poder, sob o argumento de que eles seriam melhores “gestores” do que o Estado.

De quebra, ainda se coloca um agente financeiro público – o BNDES – para modelar essa destruição e presentear os vencedores das licitações com as mais baixas taxas do mercado, com as quais eles poderão auferir lucros altíssimos.

Está assim completa a receita neoliberal, da qual esse governo se alimenta.

A seguir, as características de cada floresta.

Floresta Nacional de Três Barras – Com área de 4,3 mil hectares, está localizada no município de Três Barras, em Santa Catarina, e apresenta característica da “mata de araucárias”, com potencial de produção de produtos não madeireiros, tais como o pinhão e a erva-mate, além de possuir plantios de Pinus e Araucária.

Floresta Nacional de Chapecó – Também em Santa Catarina, nos municípios de Guatambu e Chapecó, tem área aproximada de 1,6 mil hectares. Além dos plantios de Araucária, Pinus e Eucalyptus, apresenta potencial para a produção de produtos não madeireiros, como pinhão, erva-mate e sementes.

Floresta Nacional de Irati – Localizada entre os municípios de Fernandes Pinheiro, Imbituva e Teixeira Soares, no Estado do Paraná. Tem área de 3,8 mil hectares e é coberta com reflorestamento de Araucária, Pinus e Eucalyptus.

Leis estaduais pró-energia atômica são questionadas no STF

Leis estaduais pró-energia atômica são questionadas no STF

Crédito: USP |

Demorou, mas finalmente o Procurador-Geral da República resolveu cumprir seu papel como define a Constituição Brasileira.

Na quinta (17), Augusto Aras, que tem se omitido em denunciar Jair Bolsonaro pelo cometimento de dezenas de crimes de responsabilidade, finalmente puxou para si a responsabilidade institucional de coibir dezenas de abusos cometidos por parlamentos e governos estaduais no campo da energia atômica.

Aras ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) 19 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI). As ADI requerem a anulação de dispositivos das Constituições de 18 estados e da Lei Orgânica do Distrito Federal que de alguma forma permitam ou sejam lenientes com a implantação de usinas nucleares, o tratamento de material radioativo ou a construção de depósitos de lixo atômico em seus territórios.

É um passo e tanto para coibir essa série de ilegalidades que há décadas vêm sendo cometidas por vários entes federativos. A última palavra agora cabe ao STF, que por sua vez também tem demonstrado alternâncias na avaliação de questões estruturantes, como as ações contra a Covid-19 em populações indígenas e outras.

A argumentação constante em todas as ADI é a de que somente o governo federal – a União – tem competência legal para editar leis sobre atividades nucleares de qualquer natureza, transporte e utilização de materiais radioativos e localização de usinas nucleares.

O impacto da decisão do STF é enorme. Afinal, somente nos estados e no Distrito Federal acionados vivem perto de 146 milhões de brasileiros, que estão mais diretamente expostos a toda cadeia de produção e utilização de artefatos nucleares – sem contar as demais pessoas, que acabam atingidas em desastres com esse tipo de material.

O procurador-geral aponta a Lei federal 4.118/1962, que instituiu a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a Lei federal 6.189/1974, que regula as normas sobre instalações nucleares e transporte de material nuclear, e a Lei 10.308/2001, que regula aspectos relacionados aos depósitos de rejeitos radioativos e à seleção dos locais de armazenamento.

Para o diretor do Instituto Arayara, Juliano Bueno, efetivamente, “há um conflito de interesses públicos nas casas legislativas estaduais que têm o contato direto com as populações e que proibiram dezenas de estados brasileiros nas suas constituições estaduais proibindo a instalação de usinas nucleares nos Estados. A população orientou os seus deputados, dizendo: ´olha, não aceitamos usinas nucleares, não aceitamos depósitos de lixo radioativo e não confiamos nessa tecnologia”.

A entrevista completa de Juliano Bueno está aqui.

O biogás está pronto para ser produzido pelo setor de saneamento, mas decisão não é fácil, dizem especialistas

O biogás está pronto para ser produzido pelo setor de saneamento, mas decisão não é fácil, dizem especialistas

Produzido espontaneamente pela decomposição natural de matéria orgânica em aterros sanitários e processos de saneamento ambiental, o biogás e o seu refinamento, o biometano, já alcançaram no Brasil todas as condições de regulação e qualificação técnicas.

Entretanto, para que os projetos saia das pranchetas e se transformem em obras e instalações que joguem na atmosfera menos gases do Efeito Estufa, ainda é necessário que os atores determinantes dessa área, as empresas, decidam investir nesse produto.

“Não falta nada. Todo o marco regulatório já está pronto. Essa agora é uma questão de decisão individual de cada empresa”, diz o administrador de empresas e vice-presidente da Associação Brasileira de Biogás (Abiogas), Gabriel Kropsch.

O cenário geral é favorável, acrescenta Kropsh. Hoje ocorrem simultaneamente a transição energética para uma matriz menos poluente e as privatizações dos setores como saneamento e aterros sanitários, grandes produtores de metano. Os dois processos podem fazer o deslanchar a utilização em larga escala de biogás para gerar eletricidade e combustível veicular.

A Abiogas estima que os agentes econômicos atualmente aproveitem menos de 2% do potencial de 120 milhões de metros cúbicos de biogás, que poderiam ser gerados diariamente no Brasil.

Somente no setor de saneamento, diz a Abiogas, as estações de tratamento de esgotos (ETE) teriam capacidade para produzir diariamente 1,5 milhões de m3 por dia – o suficiente para movimentar 80 mil veículos que hoje utilizam gás natural.

“Se levarmos em consideração que apenas metade do Brasil tem acesso a esgotamento sanitário, poderíamos estimar que essas quantidades dobrariam imediatamente após o Brasil alcançar o tratamento de 100% do esgoto que produz”, disse Kropsh.

Uma etapa importante no processo de produção é a retirada de impurezas do biogás produzido e a sua transformação naquilo que os técnicos chamam de biometano – este um combustível limpo. O produto livre de impurezas pode ser utilizado para acionar geradores que produzem energia elétrica, servirem de combustível para veículos de pequeno e grande porte ou terem ainda outras aplicações industriais.

Dessa forma, o gás que naturalmente é produzido em aterros sanitários ou em ETE deixa de ser lançado para a atmosfera, onde destrói a Camada de Ozônio que cerca o planeta e causa o Efeito Estufa de aumento da temperatura da Terra e mudança do clima do globo.

Por essa razão, os biogases – incluindo o biometano – são utilizados naquilo que os especialistas chamam de transição energética, ou seja, a substituição de combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural, cuja queima produz gás carbônico que ajuda a destruir a Camada de Ozônio, por biometano, cuja queima poliu muito menos.

A Associação de Kropsh (que tem entre seus membros gigantes como a Sabesp e a Raizen) tem como meta estimular que, até 2030, as ETEs instaladas no Brasil passem a gerar 30 milhões de m3 por dia de biogás.

“Atualmente, o Brasil apresenta o maior potencial energético do mundo: 43,2 bilhões m³/ano entre resíduos do setor sucroenergético (48,9%), proteína animal (29,8%), produção agrícola (15,3%) e saneamento (6%). Esse potencial tem capacidade de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo de brasileiro de diesel”, diz a associação em seu site na internet.

Mas, na prática, há ainda mais obstáculos a vencer.

“Entre algumas das principais questões que se colocam para nós, na Sabesp, estão os restritivos padrões de produção e utilização o biogás. A Agência Nacional do Petróleo exige que os padrões brasileiros sejam mais restritos do que os padrões da Alemanha, que possui 178 plantas importantes de biometano”, comentou a engenheira civil Cristina Vuffo, superintendente de pesquisa, desenvolvimento e inovação na Sabesp, a maior empresa de saneamento do Brasil, que pertence ao governo do Estado de São Paulo.

A Sabesp tem uma função importante no debate do biogás no Brasil. A empresa, que devido à sua saúde financeira e escala de serviços é considerada a joia da coroa no setor de saneamento, é uma das poucas empresas públicas de sua área que é autossustentável e produz biogás e biometano.

“Outra questão importante é: qual uso vamos fazer do biometano que produzimos? Vamos utilizar para gerar energia elétrica, usar nas nossas próprias instalações e diminuir a nossa conta anual de energia elétrica, que chega a 1,2 b de reais? Ou vamos produzir biogás e vender para outras concessionárias? O problema é que, devido à dimensão dos nossos processos, temos de fazer contratos de fornecimento de 30 anos ou mais”, projeta Vuffo. “Não podemos nos dar ao luxo de errar em nossas decisões porque elas terão consequências durante décadas”, explica.

A decisão sobre qual uso será dado ao biometano que a Sabesp já produz e principalmente ao que a empresa tem capacidade de produzir vai ser tomada em no máximo 24 meses. “Temos consultores nacionais e internacionais estudando isso nesse momento”, informou a engenheira Vuffo.

Hoje, a Sabesp, que é uma espécie de benchmark para várias empresas do setor de saneamento. A empresa produz na ETE localizada na cidade de Franca cerca de 2,5 mil m3 de biometano. Essa quantidade seria suficiente para abastecer cerca de 400 automóveis, mas a empresa só fornece biometano a 50 de seus veículos próprios. A maior parte do biometano gerado é simplesmente queimada e outra pequena parte, armazenada.

Vuffo calcula que, somente sete grandes ETE entre as dezenas de estações desse tipo na Sabesp poderiam gerar diariamente de 120 mil a 156 mil m3 de biometano, caso todas as estações de tratamento já estivessem adaptadas para produzir esse gás.

Kropsh, da Abiogas, estima que, além das quase 600 pequenas unidades de produção de biogás, já instaladas no Brasil, outro campo promissor para a produção dos biogases são os aterros sanitários que coletam resíduos sólidos urbanos e os transformam em biometano.

Esse é o caso dos aterros sanitários em Caucaia (Estado do Ceará), Sapopemba (localizado na região oeste da cidade de São Paulo), além de Seropédica, perto da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e de São Pedro d´Aldeia, balneário turístico localizado no Estado do Rio.

“É esse o momento. No contexto da transição energética, o aproveitamento econômico do Biogás pode ser um incentivo para atração de capital privado a atividades tradicionalmente geridos pelo setor público, particularmente o saneamento”, afirma o vice-presidente da Abiogás. “O aproveitamento do biogás para geração de energia ou combustível pode ser uma linha adicional de receita complementar ao negócio principal”.

Entretanto, ele também admite que a tomada de decisão nesse sentido não é fácil. “Ser um serviço regulado, um concessionário do serviço público, é muito complexo. Principalmente fazer um investimento em um projeto que teoricamente não faria parte do seu objeto social. Mas, a expectativa é que o capital privado tenha mais agilidade”, diz, referindo-se à privatização e parcerias público privadas que vem ocorrendo no setor de saneamento no Brasil.