Não é nenhuma novidade que a gestão Bolsonaro tem criado cada vez mais formas para impedir que as organizações socioambientais cumpram o papel de fiscalizar e cobrar ações responsáveis do governo.
Nos deparamos, agora, com mais uma tentativa de calar os movimentos.
Segundo documentos obtidos pelo jornal Estadão, consta, entre as metas do Conselho Nacional da Amazônia Legal, “obter o controle de 100% das ONGs que atuam na Região Amazônica, até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam aos interesses nacionais”.
Enquanto associam o “interesse nacional” à extinção da autonomia das ONGs — que há décadas protegem o território amazônico e exigem responsabilidade dos governos — o Brasil é confrontado com estatísticas preocupantes.
O desmatamento da Amazônia no mês passado foi recorde, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que apontou um crescimento de 37% em relação a outubro de 2019.
Houve um aumento de 9.6% nas emissões de carbono em 2019 em comparação com o ano anterior.
De acordo com este novo estudo do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), divulgado pelo Observatório do Clima do Brasil, o aumento está diretamente relacionado aos esforços de desmatamento na Amazônia.
O país lançou na atmosfera, no último ano, 2,17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono.
Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro, que assumiu o cargo em janeiro de 2019, ignora os números e reduz drasticamente as proteções ambientais e outras regulamentações destinadas a conter a destruição da Amazônia.
Por isso, uma carta aberta foi assinada por mais de 100 entidades ligadas ao meio ambiente rejeitando o conceito de controle das ONGs na Amazônia.
A Arayara, como uma organização que trabalha há mais de 25 anos em prol de iniciativas de proteção ao meio ambiente e às populações em risco, assina a carta e reforça a importância de combater as constantes tentativas de calar as organizações.
Ressaltamos que “a atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição”.
Um estudo divulgado pela revista Science nesta quinta-feira (16) afirma que até 22% da soja e pelo menos 17% da carne bovina produzidas na Amazônia e no Cerrado e exportadas para a União Europeia podem ter rastros de desmatamento ilegal.
Na quarta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão, chefe do Comitê da Amazônia, disse que o governo “perdeu o controle da narrativa” e está na “defensiva” quanto às questões ambientais e à alta do desmatamento registrado na Floresta Amazônica.
O artigo intitulado “As maçãs podres do agronegócio brasileiro” foi escrito pelo pesquisador brasileiro Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contou com 12 pesquisadores de Brasil, Alemanha e Estados Unidos.
Veja principais pontos do estudo:
Apenas 2% das propriedades localizadas nesses biomas, os mais desmatados do Brasil, são responsáveis por 62% do desmatamento ilegal nessas regiões;
No caso da soja, os agricultores usariam terras desmatadas ilegalmente para produzir outras culturas, utilizando as áreas regulares para cultivo do grão e, assim, escapar de embargos;
Na carne bovina, o problema envolveria os fornecedores indiretos, que são aqueles que vendem bezerros e boi magro para engordar em fazendas regulares e que não são fiscalizados por governos e empresas;
Cerca de 45% das propriedades na Amazônia e 48% no Cerrado que fornecem soja e carne para exportação ainda não estão cumprindo as medidas de reflorestamento e preservação do Código Florestal
O Ministério da Agricultura elogiou a pesquisa, dizendo que ela “contém informações importantes sobre o período 2008-2018” e mostra que “mais de 90% dos produtores rurais não estiveram envolvidos com qualquer tipo de desmatamento ilegal”. Afirmou ainda que “irá convocar um grupo de cientistas para avaliar detalhadamente cada conclusão do artigo”.
A Abiove, associação que representa os exportadores de soja, criticou o estudo, dizendo que ele provoca uma visão distorcida, “pois não indica quanto das áreas identificadas com desmatamento ilegal já estão efetivamente embargadas pelas autoridades competentes”.
A associação dos exportadores de carne industrializada, Abiec, não quis comentar.
A pesquisa
Para chegar aos números apresentados, a equipe de pesquisadores analisou um conjunto de mapas sobre o uso da terra e o desmatamento no Brasil, chegando a cerca de 815 mil propriedades rurais.
“São poucos imóveis que estão causando esse problema para os outros produtores, por isso que são essas maçãs podres”, diz ao G1 Raoni Rajão, que afirma que é o primeiro estudo que conseguiu mapear toda uma cadeia de produção.
A análise foi baseada em imagens de satélite e documentos públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Guias de Trânsito Animal (GTA). Não são citadas empresas e nem pessoas.
Análise dos dados
A escolha pela Amazônia e Cerrado, justificam os pesquisadores, ocorre porque são os biomas brasileiros com grandes taxas de desmatamento. Já a opção pela análise das cadeias de soja e carne bovina ocorre porque são os principais produtos de exportação do agronegócio.
O estudo usou como parâmetro a legislação ambiental do país, o Código Florestal, de 2012. A lei deu anistia a quem desmatou antes do dia 22 de junho de 2008. Após essa data, qualquer derrubada de florestas, fora dos limites legais, deverá ser punida.
No caso da Amazônia, os agropecuaristas só podem produzir em 20% da área, os outros 80% devem ser preservados. Se a propriedade já tinha menos do que isso antes de junho de 2008, deverá aderir a um programa de regularização ambiental para reparar o que falta. Caso o desmatamento ocorra depois disso, o dono da terra deverá ser punido.
Para o Cerrado, a regra é que, se for em um estado da Amazônia Legal, o agropecuarista deve preservar 35% da área. Se a propriedade estiver em um estado fora dessa região, a preservação deverá ser de 20%.
Diante disso, o artigo publicado na Science conclui que 45% das propriedades rurais da Amazônia e 48% das do Cerrado que fornecem soja e carne para exportação não cumprem o Código Florestal brasileiro dentro desses limites de preservação.
Porém, o agropecuarista tem até este ano para entrar nos programas de regularização ambiental, que dão 20 anos para que esses produtores recuperem as áreas a mais que foram desmatadas até 22 de junho de 2008.
“Enquanto a maioria das exportações agrícolas do Brasil é livre de desmatamento, uma parcela pequena, mas muito destrutiva do setor ameaça minar o futuro econômico do agronegócio do país, além de contribuir para a crescente crise ambiental e climática regional e global”, dizem os autores.
Rastro da soja
O artigo diz que, das 53 mil propriedades produtoras de soja nos dois biomas, 20% cultivaram o grão em terras desmatadas após 2008. Os autores estimam que metade dessa soja foi produzida em terras recentemente desmatadas de maneira ilegal.
Cerca de 69% da soja brasileira exportada para a União Europeia é proveniente da Amazônia e do Cerrado.
Segundo o estudo, aproximadamente dois milhões de toneladas de soja cultivadas em propriedades com desmatamento ilegal podem ter atingido os mercados da UE, sendo 500 mil toneladas vindas do bioma amazônico.
Na maioria dos casos, as áreas recentemente desmatadas não são usadas para cultivar soja, já que existe uma moratória para a compra desse grão na Amazônia.
Ou seja, a soja não foi produzida em área desmatada ilegalmente, escapando do embargo. Porém, a pesquisa afirma que essas fazendas liberaram ilegalmente suas terras para pastagens e outras culturas que não sofrem moratória.
Sobre este ponto, a Abiove afirma que a fiscalização de manobras para escapar do embargo cabem ao poder público.
“A responsabilidade sobre fiscalização das áreas sem soja não pode ser transferida para a indústria. Se a tecnologia para esse monitoramento já está disponível e os dados do CAR comprovam de forma objetiva que há desmatamento ilegal nas áreas que não fazem parte da cadeia da soja, cabe aos órgãos competentes a notificação e embargo das propriedades.”
Fluxo da carne bovina
No que diz respeito à carne bovina, a UE importa cerca de 189 mil toneladas por ano. Os autores descobriram que, de um total de 4,1 milhões de cabeças negociadas em frigoríficos, pelo menos 500 mil cabeças vêm diretamente de propriedades que podem ter desmatamento ilegal.
Isso representa 2% da carne produzida na Amazônia e 13% no Cerrado. Mas o maior problema, diz o estudo, está nos fornecedores indiretos de gado, que vendem bois magros para as operações de engorda e que não estão sendo monitorados pelas empresas e nem pelo governo.
Ao analisar os fluxos de gado entre fazendas no Pará e em Mato Grosso (dois dois maiores produtores do país), o estudo estima que cerca de 60% de todas as cabeças abatidas estão potencialmente contaminadas com o desmatamento ilegal em algum ponto da cadeia de suprimentos.
Pressão de outros países
Para os pesquisadores, é importante que os grandes parceiros comerciais se mobilizem para pressionar o Brasil a preservar o meio ambiente.
Um dos exemplos citados é que a União Europeia use o acordo comercial com o Mercosul para exigir salvaguardas ambientais, como o cumprimento à risca do Código Florestal.
“Inegavelmente, todos os parceiros econômicos do Brasil devem compartilhar a culpa por promover indiretamente o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa, não impedindo as importações e consumindo produtos agrícolas contaminados com o desmatamento, ilegais ou não”, escrevem os autores.
Problemas e soluções
“O estudo tem dois grandes resultados: ele apresenta o problema e, pela primeira vez, mostra o tamanho do problema da contaminação do desmatamento ilegal na cadeia produtiva, mas também mostra a solução”, explica Rajão.
Os pesquisadores desenvolveram um software gratuito para que empresas, governos e outros pesquisadores também possam fazer a análise dos dados.
“O software foi desenvolvido para fazer esses cruzamentos de centenas de milhares de imóveis ligadas a produção e exportação, e esse sistema pode ser utilizado para melhorar o monitoramento da própria cadeia. Então essa é uma de nossas soluções para o problema.”
A Amazônia registrou 1.034,4 km² de área sob alerta de desmatamento em junho, recorde para o mês em toda a série história iniciada em 2015. No acumulado do semestre, os alertas indicam devastação em 3.069,57 km² da Amazônia, aumento de 25% em comparação ao primeiro semestre de 2019.
Outro lado
Nota do Ministério da Agricultura:
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) considera que o artigo científico publicado na revista Science nesta quinta-feira (16/7) contém informações importantes sobre o período 2008 – 2018.
Assim como o título do artigo induz e os dados demonstram, mais de 90% dos produtores rurais não estiveram envolvidos com qualquer tipo de desmatamento ilegal, com base na amostra de dados do estudo. Dessa forma, não podemos vilanizar a agropecuária.
O Mapa entende que o combate à ilegalidade deve ser atacado. O estudo também traz luz a importantes estratégias, como o avanço nas agendas da regularização fundiária e ambiental, bem como os incentivos à agricultura sustentável, com tecnologias de baixa emissão de carbono e agregação de valor nas cadeias da biodiversidade. Estas que já são agendas prioritárias do Ministério da Agricultura.
Por meio de tecnologias de intensificação sustentável e com regularização fundiária e ambiental, além do combate a ilegalidades, o Brasil pode aumentar a produção de alimentos sem o desmatamento ilegal dos biomas.
O Mapa irá convocar um grupo de cientistas para avaliar detalhadamente cada conclusão do artigo.
Nota da Abiove, que representa os exportadores de soja:
A Abiove e suas associadas têm liderado as discussões e os trabalhos para combater o desmatamento ilegal e promover o crescimento sustentável da soja. A soja produzida em áreas desmatadas ilegalmente, embargadas por órgãos de fiscalização ambiental e incluídas na lista de trabalho escravo não entra na cadeia produtiva do setor. Essa é a forma como os exportadores podem garantir a legalidade da origem da soja e o cumprimento da Moratória da Soja na Amazônia.
A Abiove ressalta que é responsabilidade da indústria verificar se a soja a ser originada foi produzida de acordo com a legislação vigente. O estudo provoca uma visão distorcida e gera um valor elevado de soja associada a desmatamento de forma equivocada, pois não indica quanto das áreas identificadas com desmatamento ilegal já estão efetivamente embargadas pelas autoridades competentes. Além disso, por ser um valor baixo, o estudo não demonstra as áreas de desmatamento legal e ilegal em que há produção de soja, optando por demonstrar o imóvel como um todo.
O rigor na execução da Moratória contribuiu para a queda do desmatamento da Amazônia associado à soja, uma vez que foram plantados apenas 80 mil hectares de soja em áreas desmatadas a partir de 2008, inclusive porque ao identificarmos soja plantada de forma irregular toda a propriedade é excluída da cadeia.
No entanto, a fiscalização e regularização das atividades do produtor nos imóveis rurais é responsabilidade das autoridades competentes, responsáveis pelo embargo da propriedade como um todo e disponibilização das listas oficiais de crime ambiental e trabalho escravo. Sempre que uma propriedade é embargada por irregularidades, as compras são automaticamente suspensas.
A responsabilidade sobre fiscalização das áreas sem soja não pode ser transferida para a indústria. Se a tecnologia para esse monitoramento já está disponível e os dados do CAR comprovam de forma objetiva que há desmatamento ilegal nas áreas que não fazem parte da cadeia da soja, cabe aos órgãos competentes a notificação e embargo das propriedades.
A mineração ilegal de ouro cresceu nitidamente nos últimos cinco anos na reserva indígena ianomâmi, no coração da floresta amazônica, mostra uma análise feita pela Reuters de dados exclusivos de imagens de satélite.
O povo ianomâmi é a maior da América do Sul que ainda permanece relativamente isolado do mundo externo. Mais de 26.700 pessoas vivem em uma reserva protegida, com tamanho equivalente ao território de Portugal, perto da fronteira com a Venezuela.
No entanto, o subterrâneo da floresta habitada por eles há séculos contém minerais valiosos, incluindo ouro.
O desejo pelo ouro atraiu garimpeiros ilegais que, nas últimas décadas, destruíram florestas, contaminaram rios e levaram doenças mortais para a etnia.
Atualmente, os ianomâmis e autoridades locais estimam que haja mais de 20.000 garimpeiros ilegais em suas terras. Dizem que o número cresceu desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro, que prometeu desenvolver economicamente a Amazônia e liberar a mineração.
O Palácio do Planalto não respondeu a um pedido de comentário.
Uma análise da Reuters de imagens de satélite da reserva ianomâmi mostra um aumento de 20 vezes da mineração ilegal nos últimos cinco anos, principalmente ao longo de dois rios, o Uraricoera e o Mucajaí. Somadas, as áreas de mineração cobrem oito quilômetros quadrados — o equivalente a 1.000 campos de futebol.
A Reuters trabalhou com a Earthrise Media, uma organização sem fins lucrativos que analisa imagens de satélite, para traçar a expansão.
Embora a mineração seja pequena em escala, é devastadora para o meio ambiente. Árvores e habitats locais são destruídos, e o mercúrio usado para separar o ouro da areia vai para os rios, contaminando a água e entrando na cadeia alimentar local por meio dos peixes.
Um estudo publicado pelo Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Publica em 2018 descobriu que, em algumas vilas ianomâmis, 92% dos moradores sofrem de contaminação por mercúrio, que pode danificar órgãos e causar problemas de desenvolvimento em crianças.
Os garimpeiros também levam doenças.
Na década de 1970, quando o governo militar construiu uma rodovia atravessando a floresta ao norte do rio Amazonas, duas comunidades ianomâmis foram exterminadas por epidemias de gripe e sarampo.
Uma corrida do ouro, uma década depois, levou malária e conflitos armados.
Atualmente, a pandemia de coronavírus ameaça os ianomâmis. Houve mais de 160 casos confirmados de Covid-19 e cinco mortes entre integrantes da etnia até esta semana, segundo uma rede de pesquisadores, antropólogos e médicos.
“O principal vetor do vírus são os garimpeiros. Estão levando a doença à Terra Indígena Ianomâmi, isso é fato,” diz Dario Yawarioma, vice presidente da Hutukara Associação Ianomâmi.
“São muitos garimpeiros e não sabemos se estão contaminados e doentes porque entram ilegalmente, de helicóptero, avião ou barco”, acrescentou, por telefone.
O vírus é particularmente perigoso para povos indígenas como os ianomâmis, que vivem em grandes habitações comunitárias, com até 300 pessoas debaixo de um único teto. Compartilhando tudo, de comida a utensílios e redes, seu estilo de vida coletivo torna o distanciamento social praticamente impossível.
Yawarioma disse que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não visita a reserva desde que o coronavírus se espalhou por lá. A Funai não respondeu a um pedido por comentários.
O Exército tentou impedir a entrada dos garimpeiros, disse Yawarioma, mas eles retornam assim que os soldados vão embora.
OURO PARA A ÍNDIA
O ouro se tornou um importante produto de exportação no Estado mais ao norte do Brasil, Roraima, segundo dados do governo. No entanto, não há operações legais de mineração em Roraima.
Quase toda a mineração no Estado é feita em áreas de conservação ou terras indígenas, como a dos ianomâmis, e, portanto, é extraída de forma ilegal, disse uma fonte da agência de mineração do governo.
Grande parte do ouro vai para a Índia. Estatísticas oficiais mostram que 486 quilos foram exportados de Roraima para a Índia em 2019, um enorme crescimento em relação aos 38 quilos em 2018.
Garimpeiros ilegais de ouro foram encorajados pela eleição de Bolsonaro, que deseja regulamentar a mineração na Amazônia. Ele também disse que a reserva ianomâmi que, com 9,6 milhões de hectares tem o dobro do tamanho da Suíça, é grande demais para sua população indígena.
“O presidente Bolsonaro ajuda projetos de mineração e a atividade de garimpo ilegal nas terras indígenas. Desde que ele apoia a legalização do garimpo ilegal nas terras indígenas, o garimpo aumentou bastante, entre 2019 e 2020, e ainda está aumentando em nossa terra indígena”, diz Yawarioma.
Imagens de satélite capturadas entre 2017 e 2019 mostram que o número de áreas identificadas como garimpos —que aparecem como manchas brilhantes de ouro e turquesa— cresceu para 207 locais ante ao menos 10 entre 2015 e 2016. A área de superfície extraída ou sendo extraída cresceu 32 vezes.
A água é um elemento chave no processo de mineração, pois os garimpeiros precisam dela para desfazer os sedimentos que contêm ouro, de modo que se concentram ao longo dos rios das reservas que desaguam no Amazonas.
“FORA GARIMPO, #FORA COVID”
A lei brasileira proíbe a mineração em terras indígenas. No entanto, o Greenpeace disse nesta semana que uma análise própria por satélite descobriu que 72% da mineração ilegal na Amazônia foi realizada em terras indígenas protegidas ou em áreas conservadas.
Os ianomâmis, cuja reserva foi homologada em 1992, depois de uma batalha de 20 anos pelos direitos da terra, imploraram para que o governo expulsasse os mineradores desde a chegada do coronavírus. Eles começaram uma petição “Fora Garimpo, #Fora Covid” para atrair atenção ao seu apelo.
A ajuda pode estar a caminho. Um tribunal federal ordenou, em 17 de junho, que a Funai reabrisse três Bases de Proteção Etnoambiebtal na terra indígena para ajudar a combater o surto de coronavírus e interromper a mineração ilegal de ouro.
Um dos postos é especialmente importante porque tem a missão de monitorar um grupo isolado de ianomâmis.
A reserva precisa ser monitorada com muito mais eficiência, e os invasores, expulsos, para que os ianomâmis sobrevivam, disse a organização de direitos indígenas Survival International.
“Os ianomâmis estão extremamente vulneráveis no momento, mas também são um povo resistente”, disse Fiona Watson, diretora de Advocacy da Survival International, que tem trabalhado com a etnia há três décadas.
“Eles nunca conseguem relaxar. Sempre há alguém apenas esperando para entrar em suas terras”.
Fonte: Reuters | Foto: Vilarejo ianomâmi na floresta amazônica em Roraima 18/04/2016 REUTERS/Bruno Kelly
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, determinaram em abril a exoneração de uma equipe de agentes do Ibama após a queima de máquinas de criminosos na Amazônia. O próprio governo, no entanto, tem usado os resultados dessa operação para turbinar sua investida militar na floresta. O trabalho das Forças Armadas na floresta começou só no mês seguinte.
O Estadão apurou que operação militar Verde Brasil 2, iniciada em 11 de maio pelo Conselho da Amazônia e liderada pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, incluiu em seu balanço de resultados as apreensões, multas e destruições de máquinas que o Ibama havia feito em uma megaoperação no Pará, entre os dias 4 e 16 de abril.
Enquanto isso, o crime avança na floresta. Os alertas do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, indicam a perda de 828,97 km² em maio, alta de 12,24% em relação ao mesmo mês de 2019. Em apenas um mês, foram derrubados na Amazônia o equivalente à metade da área da cidade de São Paulo. É o mês de maio com maior devastação desde 2015.
Em meio à pandemia de covid-19, grupos da sociedade civil e promotores públicos estão processando o governo Jair Bolsonaro por não proteger a Floresta Amazônica, aumentando a pressão sobre o presidente num momento em que ele é alvo de fortes críticas devido à maneira como vem respondendo ao avanço do coronavírus no país.
Processos judiciais ajuizados no início de junho pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), pelos partidos PSB, Psol, PT e Rede Sustentabilidade, pelo Greenpeace e pelo Instituto Socioambiental desafiam o governo em duas frentes: por enfraquecer as inspeções relacionadas à exportação de madeira e por cortar verbas destinadas à proteção climática.
Os processos fazem parte de uma série de ações ajuizadas no Brasil depois de um ano e meio tumultuado de Bolsonaro, marcado por um aumento do desmatamento, ataques aos direitos dos povos indígenas da Amazônia e a promoção do relaxamento de regras para impedir a extração ilegal de madeira, a prática ilegal da pecuária e a mineração.
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, Bolsonaro é um negacionista das mudanças climáticas que vê o meio ambiente como uma espécie de inimigo. O observatório forneceu a análise legal por trás dos recentes processos.
“É muito difícil acreditar que Bolsonaro mudará seu comportamento ou mentalidade. O que realmente precisamos fazer é neutralizar os ataques ao meio ambiente”, disse Astrini em entrevista à DW.
Nas últimas semanas, o governo brasileiro tem sido repreendido por outros governos, investidores e empresas estrangeiras por permitir o desmatamento, ao mesmo tempo em que é alvo da Justiça no próprio país por acusações de interferência política na Polícia Federal e por sua gestão da pandemia de coronavírus.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na segunda-feira da semana passada, que o governo voltasse a divulgar os números totais sobre a covid-19 no Brasil, depois que o site do Ministério da Saúde passou a informar somente os números de casos e mortes das 24 horas anteriores. O vírus já matou quase 44 mil pessoas no país, que tem o segundo maior número de casos de coronavírus do mundo, atrás apenas dos EUA.
Ao mesmo tempo, o desmatamento atingiu seu nível mais alto desde 2008. Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revisou para cima sua estimativa anterior, divulgada em novembro último, para a devastação ocorrida entre agosto de 2018 e julho de 2019. Usando dados de satélite, os cientistas calcularam que o desmatamento anual da Amazônia brasileira aumentou 34% em relação ao período anterior, atingindo uma área superior a 10 mil quilômetros quadrados ‒ tão grande quanto a da Jamaica.
Diante da alta, Georg Witschel, embaixador da Alemanha no Brasil, disse ao portal de notícias G1, na última quinta-feira (11/06), que o desmatamento torna “cada vez mais difícil” a ratificação do acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Para ter validade, o pacto, que foi assinado na cúpula do G20 em junho de 2019, tem que ser aprovado pelos parlamentos de todos os países de ambos os blocos.
Coronavírus e desmatamento
No Brasil, as crises ambiental e de saúde estão intimamente interligadas. Enquanto as autoridades e a população estão distraídas com a pandemia, invasores de terra aproveitam o momento para desmatar trechos de floresta. Agora, os incêndios que normalmente seguem a derrubada de árvores podem prejudicar ainda mais os sistemas de saúde.
“A expectativa, seguindo o padrão de longo prazo, é de que caso não haja uma intervenção incisiva do Estado para coibir os atos ilegais, essas queimadas induzirão o aumento do material particulado emitido para a atmosfera, degradando a qualidade do ar, e, consequentemente, aumentando a incidência de doenças respiratórias na população Amazônica”, escreveu o Inpe em relatório divulgado em maio.
“A preocupação conecta-se com a possibilidade de sobreposição entre as queimadas e a pandemia de covid-19, pois haverá uma maior demanda por tratamento em unidades de saúde, podendo acarretar um colapso desses sistemas nos estados amazônicos, que já operam no limite”, continuou o Inpe. “Avaliou-se que, caso o ponto de virada da curva epidemiológica de covid-19 não ocorra imediatamente, no mês de maio de 2020, certamente, haverá a sobreposição das queimadas com a pandemia.”
Isso pode significar um desastre para os povos indígenas, disse à DW Sarah Shenker, ativista da Survival International, ONG que defende os direitos dos povos indígenas pelo mundo. “No Brasil, existem mais de 100 tribos isoladas, e elas podem ser exterminadas se os invasores não forem removidos de seu território.”
Mesmo antes da atual crise do coronavírus, cientistas alertaram que a perda de área florestal torna a ocorrência de pandemias mais provável, pois torna maior as chances de doenças passarem de animais para humanos. Um estudo publicado na revista PNAS em outubro do ano passado constatou que o desmatamento da Amazônia aumenta significativamente a transmissão da malária.
Proteção do clima
A Floresta Amazônica ‒ 60% da qual se encontra no Brasil ‒ é um dos maiores sumidouros de CO2 do mundo. A preservação de suas árvores é crucial para atingir as metas internacionais que limitam o aumento da temperatura global a dois graus Celsius (2°C) acima dos níveis pré-industriais.
Processos judiciais que levam anos para serem concluídos não produzirão resultados com rapidez suficiente, disse Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe que foi demitido por Bolsonaro em agosto, em entrevista à DW.
Para conter o desmatamento na Amazônia, disse Galvão, as melhores ferramentas são “ações positivas que mostram que explorar a [biodiversidade] da floresta, em vez de destruí-la, gera retornos econômicos.” Por exemplo, organizações internacionais como a ONU poderiam certificar produtos de áreas florestais manejadas de forma sustentável e países poderiam reduzir os impostos de importação sobre esses produtos com “carimbo verde”.
O Brasil assumiu o compromisso legal, após a Conferência do Clima de Copenhague em 2009, a reduzir o desmatamento na Amazônia a no máximo 3.900 quilômetros quadrados por ano até 2020. Este compromisso está em conformidade com o decreto 9578/2018, consolidando os atos normativos dispostos no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.114/2009) e na Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009). Em 2012, as medidas para proteger a Amazônia reduziram o desmatamento para 4.600 quilômetros quadrados, próximo à meta, mas em 2019, ele aumentou para quase 9.800 quilômetros quadrados.
O governo brasileiro, que em maio enviou militares para proteger a floresta, contesta sua imagem como pária ambiental. “Somos o país que mais preserva o meio ambiente do mundo”, escreveu Bolsonaro no Twitter, no Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho. “Injustamente o mais atacado.”
Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram, no entanto, que os gastos do governo com inspeção florestal caíram de 17,4 milhões de reais para 5,3 milhões de reais dos primeiros cinco meses de 2019 para o mesmo período de 2020, enquanto as verbas destinadas a atividades do Plano Nacional sobre Mudança do Clima passaram de 436 milhões de reais no ano passado para 247 milhões de reais neste ano.
Grandes áreas da Floresta Amazônica não têm dono registrado, facilitando a grilagem, e a falta de aplicação da lei pode até implicar que agricultores que respeitam os regulamentos estejam em competição desleal com aqueles que não o fazem.
Trabalhar com pessoas que praticam a agricultura sustentável e definir estruturas de propriedade da terra pode ajudar o Brasil a diminuir o desmatamento durante a pandemia de coronavírus e recessão, afirma Monica De Los Rios, coordenadora da ONG Earth Innovation Institute. “Este é o momento mais crítico da história da Amazônia.”
Mais de 300 mil alemães já se juntaram a um abaixo-assinado que demanda às três maiores redes de supermercado do país que não vendam produtos brasileiros em suas unidades em protesto à escalada do desmatamento na Amazônia.
O abaixo-assinado, lançado na semana passada pela ONG alemã Campact, menciona o PL 2.633 que tramita na Câmara propondo a flexibilização das regras para a regularização fundiária de uma tal maneira que pode incentivar novas invasões de Terras Públicas e desmatamento ilegal na Amazônia.
O pedido é endereçado às companhias Lidl, Edeka e Aldi Nord, três das maiores redes varejistas da Europa em faturamento. Caso o pedido seja bem sucedido, os produtos brasileiros podem perder até 70% do mercado varejista na Alemanha. A petição destaca também a reação de redes britânicas de varejo, que ameaçaram boicotar produtos do Brasil caso as propostas de regularização fundiária fossem aprovadas pelo Congresso Nacional no mês passado.
Este é só mais um exemplo dos impactos que a desastrosa política ambiental do governo Bolsonaro causa à imagem internacional do Brasil, trazendo por fim prejuízos ao comércio exterior do país.
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