A gestão sustentável de resíduos urbanos emergiu como um modelo concreto de bioeconomia circular e inclusão social na Amazônia. O painel “Experiência concreta e bem-sucedida do primeiro centro de coleta e tratamento de resíduos orgânicos na Amazônia Legal”, realizado na quinta-feira, 20 de novembro, no ARAYARA Amazon Climate Hub, apresentou o Centro de Compostagem de Resíduos Orgânicos de Boa Vista (CETRO-BV). A iniciativa, que integra refugiados venezuelanos, indígenas e agricultores, prova que é possível aliar mitigação climática com desenvolvimento local, servindo de inspiração para toda a região.
O projeto é liderado pela AVSI Brasil e pela Associação Amazônia Ecologia Integral (AAEI), com financiamento da União Europeia e apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB), e reuniu representantes dessas instituições e da Prefeitura de Boa Vista.
O modelo de Boa Vista: inclusão e produtividade
Fabrizio Pellicelli, Diretor-Presidente da AVSI Brasil, ressaltou o caráter pioneiro do CETRO-BV nos nove estados da Amazônia Legal, classificando-o como uma resposta aos desafios urbanos da região. Ele contextualizou Boa Vista, uma capital de mais de 400 mil habitantes, com PIB per capita abaixo da média nacional e um crescimento populacional acentuado pelo fluxo migratório venezuelano. Nesse cenário, onde o custo dos alimentos é alto devido ao isolamento geográfico, o projeto foi gestado.
Os resultados apresentados por Juliana Leitão, Presidente da Associação Amazônia Ecologia Integral, são robustos. O centro, ligado a planos municipais e atuando em uma área de 4 hectares, já processou 3.500 toneladas de resíduo orgânico.
“Até agora já recebemos 3500 toneladas de resíduo orgânico, evitando emissão de mais ou menos 2695 toneladas de CO₂ equivalente,” afirmou.
Em termos de impacto social e produtivo, mais de 300 agricultores familiares receberam os insumos gerados, consolidando-o como um modelo de economia circular e regenerativa.
A agricultura familiar como foco
Cézar Riba, da Prefeitura de Boa Vista, explicou que a cidade concentra mais da metade da população de Roraima, incluindo 17 comunidades indígenas. Por isso, o foco do município é o fomento à agricultura familiar para diminuir a dependência da importação de alimentos de outros estados. A compostagem se encaixou nesse objetivo.
Houve desconfiança inicial, mas o resultado mudou a percepção local.
“Hoje em dia já temos uma fila de espera para usar o serviço,” revelou Cézar Riba.
O projeto garante que uma quantidade imensa de dejetos orgânicos, que antes iriam para um aterro sanitário, agora é transformada em material entregue à agricultura familiar e às comunidades indígenas.
“Entendemos que não há mais como voltar atrás, temos que seguir investindo em energias limpas, seguir investindo para a redução de importação de alimentos, provando que é possível, sim, plantar na região, e dar a alternativa à gestão de resíduos.”
Reduzindo metano e cortando custos na Amazônia
Victor Argentino, Coordenador de Projetos de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, destacou que a mitigação e a adaptação climática só fazem sentido se vierem com proposta de justiça social. Ele notou que, enquanto o Brasil costuma focar na reciclagem de resíduos sólidos secos, ignorando que metade do lixo é orgânico, o modelo de Boa Vista é replicável e necessário. A alternativa é especialmente interessante para a Amazônia, onde a logística é difícil e a maioria dos municípios ainda depende de lixões sem controle ou regulação.
Victor alertou que o metano, um gás emitido por aterros sanitários e “mais forte que o CO₂ para o aquecimento global”, é significativamente reduzido por meio da compostagem. Fazer a compostagem no próprio território amazônico não apenas resolve a questão da logística deficitária, onde muitas coletas são feitas de barco e a grandes intervalos, mas também gera um corte de custos. Ele citou a inauguração de uma iniciativa em Belém, onde os resíduos orgânicos da própria COP30 (do restaurante sociobio da Blue Zone) foram encaminhados para tratamento, demonstrando o potencial de expansão do modelo.
O mediador encerrou o painel projetando as ambiciosas metas do CETRO-BV para os próximos quatro anos: aumentar a capacidade de transformação para 400 toneladas/mês de adubo orgânico, gerar 40 empregos diretos, captar 100% dos resíduos dos grandes geradores e buscar inserção no mercado certificado de carbono. A iniciativa ainda pretende entrar na lei de incentivo de reciclagem fiscal recentemente lançada pelo governo federal.
Foto: Odaraê Filmes











