A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados promoveu, ontem (19), uma audiência pública para debater racismo ambiental e justiça climática. O encontro, solicitado pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP), contou com a presença de representantes do governo, especialistas e movimentos sociais, além do Instituto Internacional ARAYARA.
Nilto Tatto destacou a criminalização da população negra e indígena no Brasil em função das formas de ocupação urbana e rural, ressaltando a necessidade de incluir a dimensão racial nas políticas ambientais.
Confira:
Entre os destaques do debate, a representante do Ministério da Fazenda, Júlia Mascarello, apresentou o Plano de Transformação Ecológica, que busca alinhar empregabilidade, transição energética e investimentos em economias de baixo carbono. Ela também trouxe detalhes do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia, voltado à valorização da biodiversidade como ativo estratégico para o país.
A diretora do programa da presidência da COP 30, Alice Amorim, afirmou que a próxima conferência do clima inaugura uma nova fase, com foco na implementação dos acordos já estabelecidos. Ela ressaltou a importância da 5ª carta da COP, documento inédito que reconhece a justiça climática como eixo central sem esvaziar o conceito, e defendeu a criação de espaços específicos para o debate racial. Amorim lembrou que, pela primeira vez, a COP terá dias temáticos dedicados às populações negras (19 e 20 de novembro), abrindo espaço para construção de diálogos e políticas.
Já a ativista Mônica Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos, enfatizou que a questão racial não pode ser tratada como pauta minoritária. “A população mundial é majoritariamente não branca. No Brasil, mais de 50% é negra. Portanto, enfrentar o racismo ambiental é enfrentar também as desigualdades estruturais”, afirmou. Ela criticou a postura do governo brasileiro em negociações internacionais, cobrando que a dimensão racial seja representada de forma mais consistente.
Oliveira lembrou que a primeira carta da COP ignorou completamente a questão racial, que só passou a ser incorporada após intensa mobilização dos movimentos sociais. “A adaptação climática precisa ser antirracista e abranger tanto povos tradicionais quanto a população negra urbana — que representa cerca de 80% dos negros no Brasil”, completou.
Durante a audiência, foi apresentado ainda o Manifesto da Coalizão Negra por Direitos, reforçando a necessidade de incluir a justiça climática como política de Estado e reconhecer a centralidade do enfrentamento ao racismo ambiental nos processos de adaptação climática.
Contradições e questionamentos
Em sua fala, a mobilizadora. socioambiental da ARAYARA, Raíssa Felippe, criticou as contradições do governo brasileiro em relação à transição energética. Segundo ela, enquanto o discurso oficial aponta para uma agenda de transformação ecológica, as ações seguem priorizando a expansão dos combustíveis fósseis.
“Fala-se em transição energética, mas na prática seguimos investindo no atraso. O exemplo mais recente é o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, realizado em junho, que ofertou 172 blocos de petróleo e gás e arrematou 34. Só este leilão representa a perspectiva de gerar 90 milhões de toneladas de CO₂ equivalente em emissões”, afirmou Felippe.
Ela lembrou que a exploração do petróleo no Brasil tem deixado um rastro de problemas sociais e ambientais. “Os royalties nunca deram conta de resolver os danos causados pela indústria. Ao contrário: as promessas de riqueza e desenvolvimento se transformaram em concentração de renda e agravamento das desigualdades, enquanto os impactos ambientais recaem sobre os mais pobres”, disse, citando o uso desse argumento por políticos do Amapá para defender a exploração de combustíveis fósseis na Foz do Amazonas.
Felippe também chamou atenção para a contradição entre o avanço da nova lei de licenciamento ambiental — que sofreu um desmonte ao flexibilizar regras para empreendimentos estratégicos do governo — e o discurso do Ministério da Fazenda sobre transformação ecológica. “Não é possível falar em economia verde e justiça climática enquanto se fragilizam as salvaguardas ambientais e se ignora o impacto direto dessas decisões sobre comunidades negras, indígenas e tradicionais”, concluiu.