+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org
Na contramão da transição energética

Na contramão da transição energética

Neste dia da Terra, precisamos lembrar o quanto as ações para incrementar a exploração de petróleo e gás a qualquer preço no mar e na terra ameaçam não só as populações, a biodiversidade.

 

Por Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto ARAYARA

Originalmente publicado em: https://odebateon.com.br/na-contramao-da-transicao-energetica/

Caminham na contramão da transição energética justa pois contribuem para agravar ainda mais o aquecimento global. O Instituto ARAYARA vem acompanhando esse processo exploratório há décadas. Só que hoje, a situação é muito mais crítica sobre o ponto de vista planetário e também sobre a flexibilização do controle ambiental.

No 3º Ciclo da Oferta Permanente da Oferta Permanente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), realizado em 13 de abril, foram negociados 59 blocos, sendo que alguns foram vendidos a R$50 mil. Outros tinham como oferta mínima R$10 mil. Com o raso discurso de “ser bom para a economia”, as investidas governamentais e privadas vão totalmente contra aos alertas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Como aponta o 3º relatório do IPCC, é imperativo que as matrizes energéticas a combustível fóssil sejam desestimuladas e as matrizes renováveis sejam incentivadas. O investimento em combustíveis fósseis não só é um convite a mais emissões de CO2, como também é descrito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, “uma loucura moral e econômica”. É importante ressaltar também que o governo não calculou em quanto esses novos empreendimentos elevarão a taxa de emissões. No seu discurso logo após a Oferta Permanente, o ministro Bento Albuquerque ainda foi capaz de anunciar que o Brasil emitirá menos 10% de gases de efeito estufa até 2030.

Mas sabemos que não basta simplesmente protestar. É preciso agir também. Estamos cientes de que temos pouco tempo pela frente, a cada ano a crise climática tem sido mais evidente, temos fortalecido nossa atuação em rede para que surjam também outros protagonistas na adaptação e na mitigação das mudanças climáticas. Uma das iniciativas são os Fóruns de Transição Energética Justa e Sustentável, que estão sendo instalados em municípios. Em Joinville, maior cidade de Santa Catarina, por exemplo, já foram realizados encontros para que através da troca de experiências e apresentação de cases de sucesso, surjam mais iniciativas com boas práticas contra o desperdício e onde estão sendo empregadas energias limpas.

O Brasil tem capacidade de atender três vezes a demanda de energia do país apenas com a energia eólica. Já a energia solar, que segundo a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), chegou a 2.4% na participação da matriz energética do país, já tem 70% de toda potência da usina hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo.

A transição energética justa também passa por considerar a participação da sociedade civil nos processos de licenciamento. Na audiência nº 05/2022, realizada em 25 de março, destacamos que a ANP precisa ouvir o que tem a dizer a sociedade civil. O Instituto ARAYARA tem feito contribuições técnicas, mas não têm tido devolutiva, tornando a audiência pública como um mero mural de recados. Nem na sessão da Oferta Permanente nos deixaram entrar presencialmente.

Nas transmissões online, a ANP não disponibiliza o chat para o público participar. As diretrizes ambientais dos blocos de partilha 8 só foram disponibilizadas 20 minutos antes do início da audiência. Dessa forma, não foi possível realizar a avaliação e análise dos impactos ambientais dos blocos, o que torna o processo de consulta ineficiente e irregular.
Para nós, o diálogo é peça fundamental em qualquer processo, ainda mais no momento em que temos pouco tempo para o ponto de inflexão das mudanças climáticas.

Caso as emissões brasileiras de dióxido de carbono não caiam nos próximos três anos, veremos o agravamento de secas extremas e prolongadas, queimadas entre outros eventos climáticos extremos. Cenas que vimos nos últimos anos, como a enchente histórica do rio Negro, em 2021, que elevou as águas ao equivalente a um prédio de 10 andares; a pior seca em 50 anos no Pantanal, que acelerou as queimadas no bioma, a seca histórica nos estados da região Sul e as enxurradas no Estado do Rio de Janeiro sinalizam o quão urgentes e necessárias são as medidas para conter o avanço do petróleo e gás no país. Não só pelo bem da Terra, mas pela vida de todos os seres vivos.

(mais…)

COP26: As críticas do Brasil a relatório da ONU crucial para conferência sobre mudanças climáticas

COP26: As críticas do Brasil a relatório da ONU crucial para conferência sobre mudanças climáticas

Por: BBC News

Em mensagens ao principal órgão mundial responsável por orientar o combate às mudanças climáticas, o Brasil se opôs a recomendações para reduzir o consumo de carne no mundo, defendeu a produção de biocombustíveis e rebateu críticas à política ambiental do governo Jair Bolsonaro.

Os debates foram travados durante a elaboração do sexto relatório de avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que será um dos documentos de referência na COP26, conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que começa no dia 31 de outubro em Glasgow, na Escócia.

A BBC teve acesso exclusivo a mais de 32 mil comentários e críticas que governos, empresas e outras instituições fizeram ao relatório do IPCC, o principal órgão global responsável por organizar o conhecimento científico sobre as mudanças do clima e orientar as ações para combatê-las.

Os relatórios do IPCC são usados por governos para decidir que ações são necessárias para reduzir o ritmo das mudanças climáticas, e este mais recente será crucial para orientar as negociações na COP26, na Escócia. Os comentários dos países e o rascunho mais atualizado do relatório foram entregues ao time de jornalistas investigativos da ONG Greenpeace UK, que repassou os documentos à BBC.

Brasil é contra reduzir consumo de carne

Nas mensagens ao IPCC, o Brasil se opôs fortemente à conclusão do relatório de que a adoção de uma dieta com menos carnes e mais alimentos feitos de plantas seria necessária para combater a mudança do clima.

O argumento foi endossado pela Argentina e, em menor grau, pelo Uruguai – outros dois grandes produtores de carne.

Segundo o IPCC, a produção de carne é um dos principais fatores por trás do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Isso porque a vegetação nativa é muitas vezes derrubada para dar lugar a pastagens ou plantações de soja, que alimentam rebanhos.

O rascunho do relatório do IPCC diz que “dietas à base de vegetais podem reduzir as emissões em até 50% comparado com a média de emissões da dieta Ocidental.”

Carne em supermercado
Imagem: Getty Images – Governo brasileiro argumenta que ‘os benefícios nutricionais da proteína animal para a saúde humana não podem ser desconsiderados’

Ao IPCC, porém, o Brasil argumentou que a produção de carne não necessariamente emite mais gases causadores do efeito estufa do que a produção de alimentos feitos de plantas.

Tanto Brasil quanto Argentina defenderam que os autores do relatório do IPCC apaguem ou modifiquem trechos do texto que falam que “dietas à base de vegetais” cumprem um papel na gestão das mudanças climáticas ou que descrevem carne vermelha como um alimento de “alta emissão de carbono”.

O governo brasileiro citou a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre uma dieta saudável, segundo a qual a dieta deve “considerar recomendações nutricionais internacionais; (e) a adaptabilidade a contextos sociais, culturais e econômicos locais”.

Segundo o Brasil, tanto dietas vegetarianas quanto dietas com carnes podem gerar altas emissões na sua produção, dependendo da metodologia de produção, mas também há formas de reduzir essas emissões, segundo o governo.

O Brasil argumentou que a pecuária, quando integrada com práticas agrícolas e conservacionistas, “pode neutralizar emissões e promover um sistema de produção equilibrado e diversificado, portanto, resiliente”.

Além disso, disse que “os benefícios nutricionais da proteína animal para a saúde humana não podem ser desconsiderados”.

Segundo a USDA, agência agrícola do governo americano, o Brasil é o segundo maior produtor do mundo de carne bovina e seus derivados, só atrás dos EUA. Em 2020, 16,67% da carne bovina consumida no mundo veio do Brasil, segundo a agência.

Biocombustíveis e desmatamento

bois
Imagem: REUTERS/RICARDO MORAES – Segundo o IPCC, a produção de carne é um dos principais fatores por trás do desmatamento na Amazônia e no Cerrado

Outro ponto de divergência entre o Brasil e o IPCC foi a produção de biocombustíveis, como o etanol. O Brasil se queixou da avaliação do IPCC de que os biocombustíveis provocam a substituição de florestas por monoculturas e reivindicou que veículos movidos a biocombustíveis sejam tratados da mesma forma que veículos elétricos.

Em seu relatório, o IPCC diz que um aumento muito grande no uso de biocombustíveis “colocará pressão significativa sobre o uso da terra e ecossistemas”.

Já o Brasil argumenta, entre outros pontos, que a bioenergia pode ajudar a combater a desertificação e que o setor pode se expandir por áreas agrícolas hoje inutilizadas, e não florestas.

Outra divergência se deu quanto à avaliação do IPCC de que o governo Bolsonaro teria reduzido a proteção da Amazônia, o que teria causado um aumento do desmatamento.

Sobre esse ponto, o Canadá afirmou que a situação era ainda pior do que a retratada pelo IPCC.

“As taxas atuais de desmatamento (na Amazônia brasileira) estão 182% mais altas do que as metas estabelecidas – representando uma redução de só 44% comparada aos 80% estabelecidos em lei”.

O Canadá cobrou ainda do Brasil um “plano coerente para regularizar e proteger terras públicas e indígenas”. Já o governo brasileiro rejeitou que tenha ocorrido uma redução na proteção da Amazônia.

“Não houve mudanças nas regulamentações sobre uso da terra no Brasil, e o país manteve seu Código Florestal como ele é”, disse o país.

O governo citou ainda a criação do Conselho da Amazônia e de uma força-tarefa ambiental para traçar e executar planos para “proteger, defender e desenvolver sustentavelmente as florestas brasileiras”.

No entanto, não há referências no relatório do IPCC a qualquer desregulamentação, mas sim à redução de poder das agências ambientais brasileiras, caso do Ibama.

Em várias ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro se queixou de práticas empregadas pelo Ibama – como a destruição de equipamentos de madeireiros e garimpeiros ilegais.

Afirmou ainda que, em seu governo, a agência estava sendo “mais racional” com produtores rurais.

Apesar do discurso do governo de que não houve enfraquecimento nas leis de proteção ambiental, a gestão Bolsonaro tem apoiado propostas de mudanças legislativas que, se aprovadas, podem gerar mais desmatamento, segundo especialistas.

É o caso dos Projetos de Lei 510/2021 e 2633/2020, que hoje tramitam no Congresso e facilitariam a regularização de terras públicas desmatadas ilegalmente.

Suíça e Austrália se opõem a mais ajuda a países pobres

Um número significativo de comentários da Suíça é direcionado a emendar partes do relatório que argumentam que os países em desenvolvimento precisarão de apoio, principalmente financeiro, dos países ricos para cumprir as metas de redução de emissões.

Foi acordado na conferência do clima em Copenhague em 2009 que as nações desenvolvidas forneceriam US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para os países em desenvolvimento até 2020, uma meta que ainda não foi cumprida

A Austrália apresenta argumentos semelhantes aos da Suíça – afirma que nem todas as promessas climáticas de países em desenvolvimento dependem de receber apoio financeiro externo. O governo australiano também classifica de “comentário subjetivo” uma menção no rascunho do relatório à falta de compromissos públicos confiáveis ​​sobre financiamento a nações em desenvolvimento.

O Escritório Federal Suíço para o Meio Ambiente disse à BBC: “Embora o financiamento do clima seja uma ferramenta crítica para aumentar a ambição climática, não é a única ferramenta relevante.”

“A Suíça considera que todas as Partes do Acordo de Paris com capacidade para fazê-lo devem fornecer apoio àqueles que precisam desse apoio.”

Combustíveis fósseis

usina
Legenda da foto,Em comentários ao relatório do IPCC, países querem reduzir mais lentamente do que o proposto a dependência em combustíveis fósseis

Os documentos obtidos pela BBC mostram diversas organizações e países argumentando que o mundo não precisa reduzir a dependência em combustíveis fósseis tão rapidamente quanto o recomendado pelo IPCC.

Um assessor do Ministério do Petróleo da Arábia Saudita exige que “frases como ‘a necessidade de ações urgentes e aceleradas de mitigação em todas as escalas …’ sejam eliminadas do relatório”.

Um alto funcionário do governo australiano rejeita a conclusão de que o fechamento de usinas termelétricas a carvão é necessário, embora acabar com o uso do carvão seja um dos objetivos declarados da conferência COP26.

A Arábia Saudita é um dos maiores produtores de petróleo do mundo e a Austrália é um grande exportador de carvão.

Um cientista sênior do Instituto Central de Pesquisa de Mineração e Combustível da Índia, que tem fortes ligações com o governo indiano, alerta que o carvão provavelmente continuará sendo o esteio da produção de energia por décadas por causa do que ele descreve como os “tremendos desafios” de fornecer eletricidade acessível. A Índia já é o segundo maior consumidor mundial de carvão.

Defesa de tecnologias de captura de carbono

Vários países argumentam a favor de tecnologias emergentes e atualmente caras, projetadas para capturar e armazenar permanentemente dióxido de carbono no subsolo. Arábia Saudita, China, Austrália e Japão – todos grandes produtores ou usuários de combustíveis fósseis – assim como a organização de nações produtoras de petróleo, Opep, todos apóiam a captura e armazenamento de carbono (CCS).

Alegam que essas tecnologias CCS podem reduzir drasticamente as emissões de combustíveis fósseis de usinas de energia e alguns setores industriais.

A Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, pede aos cientistas da ONU que excluam sua conclusão de que “o foco dos esforços de descarbonização no setor de sistemas de energia deve ser a rápida mudança para fontes de carbono zero e a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”.

Argentina, Noruega e Opep também questionam a declaração. A Noruega argumenta que os cientistas da ONU devem permitir a possibilidade de CCS como uma ferramenta potencial para reduzir as emissões de combustíveis fósseis.

O relatório preliminar aceita que o CCS pode desempenhar um papel no futuro, mas diz que há incertezas sobre sua viabilidade. O documento diz que “há grande ambiguidade sobre em que medida os combustíveis fósseis com CCS seriam compatíveis com as metas 2°C e 1,5°C”, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris.

A Austrália pede aos cientistas do IPCC que excluam uma referência à análise do papel desempenhado pelos lobistas dos combustíveis fósseis em amenizar as ações sobre o clima na Austrália e nos Estados Unidos. A Opep também pede ao IPCC que “elimine” essa frase do relatório preliminar: “o ativismo de lobby, que protege os modelos de negócios de extrativistas, impede a ação política”.

Quando abordada sobre seus comentários ao relatório preliminar, a Opep disse à BBC: “O desafio de lidar com as emissões tem muitos caminhos, como evidenciado pelo relatório do IPCC, e precisamos explorar todos eles. Precisamos utilizar todas as energias disponíveis, também como soluções tecnológicas limpas e mais eficientes para ajudar a reduzir as emissões, garantindo que ninguém seja deixado para trás. “

Getty Images - Países produtores de tecnologia de captura de carbono, como a Noruega, querem maior ênfase no papel desses processos para combater mudanças climáticas
Getty Images – Países produtores de tecnologia de captura de carbono, como a Noruega, querem maior ênfase no papel desses processos para combater mudanças climáticas

O IPCC afirma que os comentários dos governos são fundamentais para seu processo de revisão científica e que seus autores não têm obrigação de incorporá-los aos relatórios.

“Nossos processos são projetados para proteger contra lobby”, disse o IPCC à BBC. “O processo de revisão é (e sempre foi) absolutamente fundamental para o trabalho do IPCC e é uma fonte importante da força e credibilidade de nossos relatórios.”

*Com reportagem de Justin Rowlatt e Tom Gerken

Pesquisa pioneira no Brasil propõe o uso de energia do solo para climatizar edifícios

Pesquisa pioneira no Brasil propõe o uso de energia do solo para climatizar edifícios

Pesquisadora da Escola de Engenharia de São Carlos avaliou se as fundações de prédios podem ajudar no conforto térmico dos ambientes; a primeira edificação do País que contará com a tecnologia já começou a ser construída na capital paulista

Por Assessoria de Comunicação da EESC, com informações de Thaise Morais

Pela primeira vez na história, o Brasil terá um prédio que usa energia do solo para climatizar seus ambientes. O feito inédito é continuidade de uma pesquisa inovadora, realizada na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, que avaliou o uso das fundações de edifícios como meio para a troca de energia térmica entre o prédio e o subsolo. A experiência internacional com o uso dessa tecnologia, baseada em energia geotérmica (do interior da Terra), tem relatado considerável economia no consumo de energia para climatização (aquecimento e resfriamento). Aqui no Brasil, a expectativa com a implementação desse sistema é de que as despesas com o consumo de energia elétrica por aparelhos de ar-condicionado sejam reduzidas. Batizado de CICS Living Lab, a edificação brasileira já começou a ser construída na Escola Politécnica da USP, em São Paulo.

Foi a pesquisadora Thaise Morais, do Departamento de Geotecnia (SGS) da EESC, que desenvolveu a primeira tese de doutorado brasileira para avaliar o desempenho dessa tecnologia nas condições de clima e solo do Brasil. Ela explica que a energia geotérmica é aquela encontrada dentro da crosta terrestre, seja no solo, rochas ou mesmo na água, sendo identificada pela temperatura. Esta energia pode ser transferida para a superfície por processos de troca térmica a partir das fundações da edificação. “A temperatura da região que vai desde a camada superficial da crosta terrestre até algumas centenas de metros de profundidade é resultado das interações naturais que ocorrem entre o ambiente externo e o interior da crosta. Assim, o solo funciona como uma espécie de bateria ou reservatório de energia térmica”, descreve a especialista.

 Esquema ilustra como funciona o sistema de aproveitamento de energia geotérmica para climatizar ambientes – Foto: Thaise Morais

O sistema inovador no País capta ou rejeita calor do/no solo por meio das estacas que compõem a própria fundação do edifício. Essas estacas ficam enterradas e, por estarem em contato direto com o subsolo, possuem uma grande área de contato para a troca térmica. Através de tubos instalados no seu interior e com a ajuda de um fluido, a energia térmica é levada até a superfície, onde uma bomba geotérmica faz a troca de calor entre o subsolo e os ambientes do prédio. “Nos testes, usamos água potável como fluido para a troca de calor entre a fundação e o subsolo. A bomba troca calor com a água a partir de um outro fluido refrigerante que circula em seu interior. Essa troca é feita de forma contínua e repetitiva até que a temperatura desejada para o ambiente seja alcançada”, relata a pesquisadora.

“A experiência internacional tem demonstrado que este tipo de sistema tem sido eficiente e bem-sucedido para aquecer ou resfriar os ambientes e na redução do consumo de energia. O uso destas estruturas tem sido incentivado na Europa pelo governo a fim de reduzir os gastos e a emissão de dióxido de carbono”, lembra Thaise. No Brasil, a novidade ainda não tem um custo definido, mas a longo prazo, o investimento é compensado pela economia dos gastos com energia elétrica.

Aspectos ambientais e de economia foram o incentivo para um engenheiro de minas austríaco criar o sistema de bomba de calor em 1855. A tecnologia é uma das realizações de engenharia mais sofisticadas do século 20. “São dispositivos simples, que realizam o transporte de calor em alto nível de eficiência. Nós realizamos testes de troca térmica entre a fundação e o subsolo em escala real no Campo Experimental de Fundações da EESC, em São Carlos. Além disso, também fizemos ensaios mecânicos e testes térmicos no solo. Os resultados foram muito positivos”, conta Thaise.

Experimentos realizados na Escola de Engenharia de São Carlos atestaram a viabilidade do sistema para utilização em solo brasileiro – Foto: Thaise Morais

O sistema de aproveitamento de energia geotérmica pode ser aplicado em todos os tipos de edifícios. Antes disso, porém, é preciso conhecer as propriedades térmicas do subsolo daquela localidade e analisar as condições de clima e demanda térmica da edificação. “Já se sabe que a partir de poucos metros de profundidade a temperatura do solo praticamente não muda durante o ano, apesar de variar no ambiente externo, e é semelhante à média da temperatura atmosférica anual do local. O Brasil é um país de extensão continental que apresenta temperaturas anuais médias que variam de acordo com a região. Portanto, a eficiência desse sistema, que proporciona redução nos custos operacionais dos edifícios a longo prazo, deve variar regionalmente”, afirma a especialista.

A demanda por fontes alternativas de energia renovável tem aumentado mundialmente e sua utilização já se tornou corriqueira nos projetos de edificações, o que amplia a busca por tecnologias que utilizem energia limpa. Já aplicada em outros países da Europa e nos Estados Unidos há pelo menos 20 anos, o sistema geotérmico é uma das aplicações de energia renovável que mais crescem no planeta. No entanto, seu uso nunca havia sido estudado para implementação em território brasileiro, que possui clima distinto dos países que já o utilizavam.

Trabalhadores instalam as estacas para a realização de testes em escala real no Campo Experimental de Fundações da Escola de Engenharia de São Carlos – Foto: Thaise Morais

“A experiência internacional tem demonstrado que este tipo de sistema tem sido eficiente e bem-sucedido para aquecer ou resfriar os ambientes e na redução do consumo de energia. O uso destas estruturas tem sido incentivado na Europa pelo governo a fim de reduzir os gastos e a emissão de dióxido de carbono”, lembra Thaise. No Brasil, a novidade ainda não tem um custo definido, mas a longo prazo, o investimento é compensado pela economia dos gastos com energia elétrica.

Grande parte do consumo de energia elétrica no Brasil é direcionada aos edifícios, com uma importante parcela relativa ao uso de sistemas de climatização artificial. Estima-se ainda que o consumo de energia elétrica para sistemas de ar-condicionado no Brasil passará de 18,7 Terawatt-hora (TWh), em 2017, para, no mínimo, 36,8 TWh no ano de 2035. “A demanda por climatização artificial nas edificações brasileiras – seja para esquentar ou refrescar o ambiente – é e ainda será uma parcela considerável do consumo de energia elétrica nacional, gerando impacto na geração e no meio ambiente”, acredita a pesquisadora.

Entre os anos de 2005 e 2017, apenas o setor residencial brasileiro mais que duplicou a posse de aparelhos de ar-condicionado – Foto: Canva

A busca dos brasileiros por uma temperatura confortável em casa ou no trabalho coloca o País como o quinto maior consumidor de aparelhos de ar-condicionado do mundo. Dados do Ministério de Minas e Energia mostram que entre os anos de 2005 e 2017 apenas o setor residencial brasileiro mais que duplicou a posse desses equipamentos, tendo aumentado sua participação no consumo total de energia elétrica dentro das casas de 7%, em 2005, para 14% em 2017. Diante da necessidade de reduzir o consumo de energia elétrica com ar-condicionado no Brasil, o sistema baseado na troca de energia térmica com o subsolo a partir das fundações pode ser uma alternativa aos tradicionais sistemas de climatização.

Os estudos realizados na EESC, que começaram em 2014, contaram com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), via projeto de pesquisa coordenado pela professora Cristina Tsuha, que foi orientadora de Thaise, e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que concedeu bolsa de doutorado à pesquisadora.

A tese de Thaise venceu o Prêmio Costa Nunes da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica como melhor tese de doutorado do biênio 2018-2019. A pesquisadora, que concorreu com trabalhos do País inteiro e de diferentes áreas da Geotecnia, celebrou o reconhecimento. “Além de representar a importância do meu trabalho, a vitória também acaba divulgando a inovação e a relevância em implantar esse tipo de sistema no Brasil. Estamos no caminho certo”, conclui.

Projeto do edifício que será construído na Escola Politécnica da USP, em São Paulo – Foto: Aflalo & Gasperini

“Laboratório vivo” de tecnologias sustentáveis

O prédio em construção na USP, em São Paulo, é financiado pelo Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS-USP), que é um ecossistema com representantes de empresas e da academia dedicado a acelerar a inovação, a sustentabilidade e a produtividade na construção civil. O edifício será usado pela Escola Politécnica como um “laboratório vivo”, onde novas tecnologias sustentáveis e materiais inéditos serão testados. As obras estão paralisadas atualmente por conta da pandemia, mas devem ser retomadas assim que possível.

Obras do CICS Living Lab já começaram na capital paulista – Foto: Cristina Tsuha

Texto: Assessoria de Comunicação da EESC, com informações de Thaise Morais

Mais informações: e-mail eesc.jornalista@usp.br, na Assessoria de Comunicação da EESC, ou (16) 99727-2257 (WhatsApp exclusivo para atendimento à imprensa)

#EnergiaGoetérmica #ConstruçãoCivil #ESSC #USP #EngenhariaAmbiental

Estudo: Usina hidrelétrica na Amazônia contribui com emissões de efeito estufa significativas

Estudo: Usina hidrelétrica na Amazônia contribui com emissões de efeito estufa significativas

Foto: Usina Hidrelétrica de Belo Monte (PA) |

O aumento da demanda de energia em escala global aumentou o número de projetos hidrelétricos em rios tropicais. Essa tendência tem chamado a atenção para os resultados negativos do represamento de grandes rios da bacia do Rio Amazonas, onde se espera que centenas de hidrelétricas tenham impactos nas comunidades ribeirinhas e nos ecossistemas.

As emissões de gases de efeito estufa representam uma questão crítica no debate sobre os benefícios versus custos socioambientais da expansão hidrelétrica na Amazônia.

Foram construídas centenas de usinas hidrelétricas na bacia amazônica para aproveitar a energia supostamente “verde” gerada por seu complexo de rios.

Mas os pesquisadores do clima agora sabem que a energia hidrelétrica não é tão boa para o meio ambiente quanto se pensava. Embora nenhum combustível fóssil seja queimado, os reservatórios liberam milhões de toneladas de metano e dióxido de carbono à medida que a vegetação se decompõe debaixo d’água.

As chamadas usinas hidrelétricas a “fio d’água”, como Belo Monte ao longo do Rio Xingu, que têm reservatórios menores e canais que permitem a redução do fluxo do rio, deveriam resolver o problema, mas um estudo publicado na revista científica Science Advances descobriu que não é bem assim.

A equipe do pesquisador de clima Dailson Bertassoli estudou as emissões de metano e dióxido de carbono durante os primeiros dois anos de operação de Belo Monte e comparou os resultados aos níveis anteriores ao enchimento dos reservatórios, descobrindo um aumento de três vezes nas emissões de gases de efeito estufa.

“Depois de inundar a terra seca, a matéria orgânica que ficou presa no solo começa a se degradar”, disse à Agence France-Presse o professor de geologia e mudanças climáticas da Universidade de São Paulo. “Em vez de um rio natural, temos agora um reator que favorece a produção de metano”, acrescentou.

Andre Sawakuchi, professor da Universidade de São Paulo com foco em mudanças climáticas e sistemas fluviais e que também participou do estudo, acrescentou que esta análise destaca duas questões a serem consideradas na construção de usinas hidrelétricas na região.

Um é o impacto ambiental local sobre as espécies aquáticas exclusivas da área e o outro é o impacto social nas comunidades indígenas que vivem ao longo do rio.

Grupos indígenas e ambientalistas protestaram contra a construção proposta de Belo Monte na década de 1990, fazendo com que fosse abandonado antes de ser revivido como uma usina a fio d’água em 2011.

Grupos ambientalistas protestaram contra a perda da floresta que precisou ser derrubada para o local, enquanto grupos indígenas resistiram à perda de terras inundadas e redirecionaram ou desviaram o fluxo natural do rio.

Sawakuchi argumenta que é importante manter o fluxo do rio, apesar do aumento da necessidade de energia, e não “interromper esse ciclo natural com usinas hidrelétricas de qualquer tipo”.

Os autores concluíram em seu estudo que se o Brasil continuar construindo usinas a fio d’água ao longo da Amazônia, é importante pelo menos evitar inundações de vegetação, aumentando assim os gases de efeito estufa.

Um estudo de 2019 da Environmental Defense Fund (EDF) descobriu que algumas das usinas hidrelétricas do mundo são sumidouros de carbono – o que significa que absorvem mais carbono por meio da fotossíntese por organismos que vivem na água do que emitem por decomposição – , enquanto outros têm pegadas de carbono iguais ou maiores do que os combustíveis fósseis.

De acordo com o estudo, das quase 1.500 usinas em todo o mundo que a EDF examinou e são responsáveis ​​por metade da geração hidrelétrica global, mais de 100 instalações têm emissões de GEE que causam mais aquecimento do que os combustíveis fósseis.

Com informações da Agence France-Presse