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Diálogo entre ARAYARA e Chile Sustentable reforça caminhos para uma transição energética justa

Durante a X Semana da Energia, a diretora da ONG Chile Sustentable, Sara Larraín, apresentou o painel “Desafíos socioterritoriales de la transición en ALC”, onde destacou os complexos desafios que a América Latina e Caribe enfrentam para avançar em uma transição energética justa e inclusiva.

Aproveitando o encontro, representantes do Instituto Internacional ARAYARA conversaram com Sara para conhecer mais de perto a atuação do Chile Sustentable, especialmente em relação à desativação de usinas a carvão mineral no país. Com mais de 35 anos de trajetória na área ambiental, Sara compartilhou estudos inéditos e impressos, relatou a experiência chilena no fechamento de centrais a carvão e enfatizou os impactos desse setor na saúde pública — tema detalhado em um importante relatório disponível aqui.

No ano de 2019, operavam no Chile 28 centrais termelétricas a carvão (CTEC), concentradas nas comunidades de Tocopilla, Mejillones, Huasco, Quintero – Puchuncaví e Coronel. Estas centrais geravam diversos impactos na saúde da população, resultantes da emissão de gases e poluentes locais como dióxido de carbono, material particulado, dióxido de enxofre , óxidos de nitrogênio  e metais tóxicos.

O objetivo deste estudo foi avaliar e atualizar os indicadores de saúde cardiovascular, respiratória e câncer, em pessoas que vivem em três das comunidades expostas a CTEC na zona norte do Chile: Tocopilla e Huasco (Expostas a CTEC exclusiva), e Mejillones (Exposta a CTEC não exclusiva), e compará-las com Caldera (Não exposta) como comuna de controlo.

A seguir, apresentamos trechos dessa entrevista, entre Sara Larraín (SL) e John Wurdig, gerente de Transição Energética da ARAYARA, revelando lições valiosas da experiência chilena e pontos de convergência com os desafios enfrentados pelo Brasil.

 A experiência chilena: o fechamento de Tocopilla

JW: Em Tocopilla as usinas não foram fechadas de uma vez?

SL: Não. O acordo foi anunciado em 2019. Nesse mesmo ano, a Engie fechou duas usinas, em 2022 fechou as outras duas e, em março do ano passado, fecharam as duas da AES. Ou seja, em cerca de cinco anos, seis usinas a carvão foram fechadas.

JW: Seis usinas de três empresas?

SL: Não, de duas. A Engie possuía quatro usinas e a AES, duas. Trabalhamos em parceria com a Reclaim Finance, na França, que nos informou sobre a intenção de vender um desses ativos e a contratação do Citibank para conduzir a operação. Diante disso, entramos em contato com a nova presidente da Engie — reconhecida por sua postura progressista — para reforçar que o verdadeiro compromisso com a transição energética não é vender uma usina, mas reconvertê-la e mantê-la em funcionamento de forma mais sustentável.

A repercussão foi grande, especialmente na França, onde a Engie tem participação estatal. Como resultado, a empresa se comprometeu a encerrar, entre 2019 e 2022, suas quatro usinas a carvão mais antigas. Agora, ela planeja reconverter três centrais em Mejillones, na região de Antofagasta, para operação a gás. Embora o gás não seja a solução ideal, essa mudança representa um passo importante na transição — reduz custos, limita o despacho das usinas e aponta para um caminho mais limpo de geração.

JW: E os trabalhadores, como ficaram?

SL: A Engie ofereceu alternativas. Muitos puderam migrar para projetos de renováveis da própria empresa, outros aceitaram aposentadoria antecipada. Havia negociação: quem estava perto da aposentadoria podia sair antes com compensação.

JW: Então houve realocação e reconversão?

SL: Sim. Alguns foram transferidos para Mejillones, cidade próxima, em novas plantas renováveis.

JW: E não houve grandes mobilizações contrárias?

SL: Não. O processo foi pactuado entre governo, empresa e trabalhadores. Isso reduziu conflitos.

JW:Sonhamos com algo assim no Brasil. Temos muita vontade de implementar iniciativas semelhantes. O que eu proporia, por exemplo, é um programa de relocalização com capacitação para que os trabalhadores possam atuar em projetos de energias renováveis, assim como na criação de empregos verdes na recuperação ambiental das áreas de passivos ambientais e contaminados pela atividade de mineração do carvão mineral. Também temos a esperança da criação de um Pacto Federativo para a efetivação de um Programa de Transição Energética Justa e Sustentável especialmente para a Região Carbonífera da Campanha no estado do Rio Grande do Sul. 

O Estudo de saúde 

JW: No Brasil temos dificuldade em dialogar com trabalhadores do carvão. Uma saída seria usar estudos sobre o impacto da atividade de mineração e queima do carvão mineral e os riscos à saúde pública. Como vocês fizeram no Chile?

SL: Contratamos uma epidemiologista da Universidade Católica. Ela analisou os dados oficiais de saúde relacionados a doenças típicas da queima de carvão. O resultado foi chocante: em Tocopilla, as taxas de doenças respiratórias e câncer eram até 360% maiores que a média nacional.

JW: E esses dados ajudaram a pressionar politicamente?

SL: Muito. Mostrar o custo social da poluição (morte e internações) foi crucial.A Escola de Medicina se uniu à campanha, mostrando que o carvão não era apenas um problema ambiental, mas de saúde pública e de custos para o sistema de saúde. Isso mobilizou também os próprios trabalhadores, que passaram a refletir sobre o impacto direto em suas famílias.

JW: Poderíamos replicar essa metodologia no Brasil?

SL: Sim. A pesquisadora Sandra Cortés, que liderou esse trabalho, poderia colaborar. Já aplicamos a metodologia em dois períodos (2006–2016 e 2017–2023) e comprovamos a queda nas internações e mortes conforme diminuía a geração a carvão. Essa evidência é incontestável.

 Panorama atual da transição chilena

JW: Quantas usinas ainda restam no Chile?

SL: Já fechamos 11, restam 17. Nove têm compromisso de fechamento até 2030, mas o acordo oficial fala em 2040. Nossa meta é antecipar para 2030.

JW: E quanto às energias renováveis?

SL: Hoje, com a fonte hídrica e as renováveis não convencionais (solar, eólica), estamos em torno de 60% da matriz. O custo é menor e a expansão é rápida. A lei obriga 20%, mas já estamos no dobro disso. O Chile também aplica um Imposto Verde de US$5 por tonelada de CO 2, valor que consideramos uma “vergonha”, já que o custo social real das emissões, estimado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, é de US$63 a US$65 por tonelada.

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