A discussão climática global, especialmente em contextos como a COP 30, só ganha densidade e justiça quando as vozes de mulheres negras deixam de ser periféricas para ocupar espaços efetivos de participação e influência — como mobilizadoras, líderes políticas, produtoras de conhecimento e articuladoras de soluções inovadoras. Desde o anúncio de Belém como sede da COP, essas lideranças vêm revelando que construir um debate climático genuinamente transformador exige muito mais do que representação simbólica: pressupõe o deslocamento do olhar tradicional, centrando as experiências, propostas e demandas das mulheres negras nos processos decisórios.
Estudos da ONU Mulheres apontam que 158 milhões de mulheres e meninas podem ser levadas à pobreza até 2050 em decorrência das mudanças climáticas, com 236 milhões submetidas à insegurança alimentar — sempre com recorte agravado por raça, território e gênero. No Brasil, moradores de periferias (em sua maioria negros) têm 15 vezes mais chances de sofrerem tragédias como enchentes e deslizamentos. São as mulheres negras que respondem por 80% dos deslocados climáticos globais, impactadas por perda de território, aumento da violência de gênero e falta de acesso à energia e água potável. Essa violência tem nome e deve ser combatida: racismo ambiental.
Uma Trajetória Concreta: Ações, Encontros e Avanços
A mobilização de mulheres negras para a COP 30 se intensificou em todo o país, articulando educação política, incidência internacional e produção de conhecimento focada na experiência das comunidades negras e quilombolas. Seus esforços geraram mudanças institucionais inéditas e fortaleceram a pauta antirracista nos fóruns globais. Conheça as Principais Iniciativas e Conquistas dos últimos dois anos no Brasil.
Data | Evento / Iniciativa | Detalhes |
2022-2023 | Agenda das Mulheres Negras Construindo o Futuro com Justiça Climática | Encontros coordenados pela ONG Criola e aliadas, formando lideranças para ação política e climática. |
Mar 2024 | Boletim “Vozes do Clima” | Publicação destaca lideranças como Fran Paula (CONAQ), ampliando o debate sobre justiça climática. |
Abr 2024 | Edital Kala-Tukula | 100 lideranças negras selecionadas para atuação internacional via Ministério da Igualdade Racial. |
Mai 2024 | Encontros Regionais de Formação com Mulheres Quilombolas | CBJC e CONAQ promovem educação em territórios, mapeando impactos e forjando estratégias. |
Mai 2025 | Entrega de Propostas ao Itamaraty pela Citafro e aliados | Documento formalizado com demandas por financiamento, voz efetiva e equidade na COP 30. |
Jun 2025 | Instalação da Comissão Internacional das Comunidades Afrodescendentes | Liderança de Anielle Franco assegura o termo “afrodescendente” em fóruns oficiais e políticas públicas. |
Em maio de 2024, a enchente que assolou o povo gaúcho impactou muito mais famílias negras, escancarando o racismo ambiental estrutural. No front internacional, a COP16 de Biodiversidade em Cali destacou pela primeira vez, graças à articulação de mulheres negras brasileiras, o papel das comunidades afrodescendentes na conservação e no debate climático. O lançamento do dossiê do CBJC, em julho de 2025, mapeou pela primeira vez vulnerabilidades e estratégias de resistência nos territórios negros do Sul brasileiro.
O Papel da ARAYARA e a Luta Contra os Combustíveis Fósseis
O Instituto Internacional ARAYARA firma um posicionamento contundente pela justiça racial e energética, denunciando que a dependência dos fósseis agrava tragédias ambientais em territórios negros e indígenas. Em carta conjunta com 140 organizações, a ARAYARA clamou por políticas antirracistas e participação ativa de comunidades negras na transição energética, defendendo não só o fim dos subsídios aos fósseis, mas também a promoção de energias limpas e acessíveis.
A organização defende a instalação de projetos solares e eólicos comunitários sob a liderança direta de mulheres e juventudes negras, descentralizando o acesso à energia e combatendo o histórico ciclo de exclusão energética. Cada nova política deve garantir o acesso universal à energia limpa, superando o legado de desigualdade ambiental e racial.
O protagonismo plural está só começando e cabe a todas e todos ampliar essas vozes, garantir participação qualificada e consolidar alianças em defesa das populações mais vulnerabilizadas.
Para se aprofundar nesse debate e fortalecer a mobilização, confira a seleção de leituras recomendadas:
- [Só há um efetivo enfrentamento da crise climática com a participação de mulheres quilombolas]
- [Sem justiça racial e de gênero não há justiça climática]
- [CBJC lança dossiê sobre justiça climática e territórios negros]
- [Carta “Adaptação Antirracista” assinada pela ARAYARA]
- [COP 30: por uma justiça climática interseccional]
- [Mulheres negras frente à crise climática]
Renata Sembay
Coordenação de Arte, Cultura e Mobilização – Instituto Internacional ARAYARA
Foto: Gina Cortés Valderrama, Women and Gender Constituency – COP27.
Gina Cortés é uma liderança de destaque internacional na intersecção das agendas de clima, gênero e raça, com atuação relevante especialmente no cenário das Conferências das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COPs). Sua trajetória é marcada pela defesa dos direitos de populações negras, indígenas e de mulheres, levando para os espaços globais de negociação o debate sobre justiça climática e a urgência do recorte interseccional nesses espaços tradicionalmente dominados por vozes do Norte Global.