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No RS, déficit de água e de democracia ameaça 5 milhões de pessoas

No RS, déficit de água e de democracia ameaça 5 milhões de pessoas

Sem estudos de viabilidade nem consulta à população, um grupo econômico representado pela Copelmi Mineração planeja instalar na região metropolitana da capital Porto Alegre (RS) um polo industrial associado à uma mina a céu aberto de carvão mineral.

O objetivo é explorar e transformar em produtos químicos 166 milhões de toneladas de carvão mineral ao longo de 23 anos. Mas, se efetivado, o empreendimento colocará em risco o fornecimento de água de quase 5 milhões de pessoas que vivem na região, além de produzir impactos de vários outros tipos.

A denúncia vem sendo feita por especialistas e ambientalistas desde 2014, quando a Copelmi solicitou à Fepam, o órgão ambiental do Rio Grande do Sul, licença para instalar o projeto.

No início de março a Procuradoria-Geral do RS entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei de 2019, aprovada em Eldorado do Sul, que alterou o Plano Diretor do município, localizado a cerca de 20 quilômetros de distância de Porto Alegre, e permitiu a instalação de um polo carboquímico na cidade.

O objetivo é explorar tanto uma mina de carvão a céu aberto (a Mina Guaíba) quanto as indústrias químicas que se instalassem na região para explorar e transformar o minério.

“Isso significaria dar um xeque-mate em uma região metropolitana que tem 4,6 milhões de pessoas e manter a capital do Rio Grande do Sul refém de uma indústria que poderá eventualmente falhar ou ter um acidente industrial ou na mineração, jogando grande qualidade de poluentes a 20 quilômetros da captação que os porto alegrenses utilizam”, alerta o geólogo e professor Rualdo Menegat, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen, argumentou que a aprovação da lei não envolveu a comunidade de Eldorado do Sul, o que produziu um défict de democracia no processo.

O projeto de lei foi aprovado na Câmara Municipal de Eldorado do Sul em apenas quatro dias. Foi apresentado em 9 de agosto de 2019, aprovado em 13 de agosto e vigorar como lei a partir do dia 28 daquele mês.

Sem participação popular nem os necessários pareceres técnicos provando a necessidade e a viabilidade do novo Plano Diretor, muito mais receptivo a indústrias com alto poder de impacto ambiental, o projeto não passou por uma audiência pública sequer.

Desde 2014, a Copelmi Mineração tenta obter uma licença ambiental da Fepam, a agência ambiental gaúcha, para instalar uma mina a céu aberto de carvão em Charqueadas e Eldorado do Sul, na região metropolitana, próxima ao delta do Rio Jacuí.

Especialistas e ambientalistas avaliam que o empreendimento, se instalado, poderá gerar desvios em cursos d’água e outros impactos na fauna, na flora e na qualidade do ar.

A Arayara contesta na justiça federal a instalação do projeto.

A seguir, o geólogo Menegat, que estuda os problemas gerados pela indústria do carvão, diz porque o polo, se instalado, significará um xeque-mate sobre a região metropolitana.

Por que, na sua opinião, o projeto de polo carboquímico seria, como o Sr. diz, um xeque-mate?

Porque esses movimentos não vieram acompanhados dos competentes estudos da viabilidade econômica, técnica, industrial e ambiental. Há que se calcular de forma muito meticulosa a viabilidade econômica de um polo carboquímico, e parece que isso não foi feito.

A viabilidade deve considerar os custos da gaseificação do carvão consoante a variabilidade do preço internacional do petróleo. Não estamos falando de vender abacaxi na esquina. Estamos falando do setor petroquímico. Depende também da disponibilidade de gás natural no país.

Por que gaseificar carvão? Temos de avaliar os impactos econômicos de um polo carboquímico na cadeia econômica local. Além disso, a transformação do carvão em hidrocarbonetos e em possíveis produtos derivados consome muita energia e água.

O carvão também não pode ser de qualquer tipo. Precisamos de estudos específicos quanto á composição química da jazida Guaíba. Os carvões do sul do Brasil não são carvões puros. São barro carbonoso.

Esse é o caso da Mina Guaíba?

No caso da Mina Guaíba, tais estudos não constam na literatura técnica disponível. Quer dizer: eu não posso comprar uma locomotiva se eu não tenho as estradas de ferro. Não se sabe se, para as plantas carboquímicas disponíveis no mercado, esse carvão é adequado. É preciso fazer estudos tecnológicos.

O Sr. também afirma que há risco econômico na eventual instalação de um polo desse tipo.

A instalação de uma indústria carboquímica requer sólido investimento por parte do estado ao setor, e o Estado do Rio Grande do Sul está quebrado.

A nível nacional tampouco há rubricas, orçamento ou discussão sobre a implantação de polos carboquímicos. As consequências de uma crise financeira de um possível projeto desse tipo pode colocar o Rio Grande do Sul em um colapso financeiro.

Um projeto apenas pode levar o Estado inteiro ao colapso?

Esses investimentos para instalar uma planta carboquímica são muito grandes, da ordem de 4 bilhões de dólares (cerca de R$ 22 bilhões). Não é um investimento disponível ali do lado. Como é um setor muito competitivo, uma planta carboquímica se desenvolve em um cenário de muita incerteza.

Há também os riscos da indústria química do carvão. Eles exigem muitos recursos hídricos e há riscos para a lucratividade, pois a recuperação (do investimento) é superior a cinco anos e está relacionado á flutuação do mercado internacional de petróleo.

O Sr. também diz que o polo teria uma grande exigência de água para o processo industrial. Essa exigência competiria com a necessidade de fornecimento de água para a região metropolitana de Porto Alegre?

Pela grande quantidade de água que esse polo carboquímico, se instalado, necessitaria, ele vai competir com os mananciais de abastecimento de água da região metropolitana, para poder resfriar os fornos e caldeiras, além de contaminar com a exploração de uma mina de carvão (a Mina Guaíba), também potencialmente sendo instalada muito próximo aos mananciais de água.

Isso significa dar um xeque-mate em uma região metropolitana que tem 4,6 milhões de pessoas. Significa manter a capital do Rio Grande do Sul ref[em de uma indústria que poderá eventualmente falhar ou ter um acidente industrial ou na mineração, jogando grande qualidade de poluentes a 20 quilômetros da captação que os porto alegrenses utilizam.

Porto Alegre sequer tem um manancial (de água) de emergência, caso venha a acontecer um acidente industrial no Lago Guaíba.

Se incluirmos esses riscos ambientais, da saúde, poluição da água e do ar do Parque Estadual do Delta do Jacuí, que é um santuário ecológico, a conclusão é simples: a exploração desse carvão é inviável e portanto é inviável esse polo carboquímico.

Mapa da região de impacto do polo mostra a proximidade de Porto Alegre. Arte: Climainfo

 

 

O Ministério Público aponta que há “déficit democrático” na aprovação do Plano Diretor de Eldorado do Sul.
Houve uma inversão dos procedimentos – colocaram a carroça na frente dos bois. Primeiro o minerador solicitou licenciamento para o órgão ambiental do estado para a exploração de carvão, para abrir a Mina Guaíba, no coração da região metropolitana. Ele propõe explorar 166 milhões de toneladas de carvão ao longo de 23 anos.
Pergunta-se: há demanda para isso?
Posteriormente, ele levantou a possibilidade de implantar o polo. Ora, para isso, são necessárias leis, políticas públicas, Então, às pressas, o governo fez uma lei para implantação de polos caboquímicos (são previstos dois: um Ana região metropolitana e outro na região de Candiota) sem estudos de impactos ambiental, econômico, de uso da água.
Com base nisso o Ministério público abriu uma ação civil pública dizendo que houve “déficit democrático” porque não foi consultada a população local.

Foto: Climainfo

No RS, déficit de água e de democracia ameaça 5 milhões de pessoas

Marielle ainda morre um pouco a cada dia

Após três anos do crime, “prioridade” na investigação é promessa de todas as autoridades. Foto: Global Voices

Depois de três anos, três governadores do Rio de Janeiro, dois procuradores-gerais, três delegados, três promotores de Justiça e cinco trocas da cúpula da segurança pública do Estado, a investigação dos assassinatos da ex-vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e seu motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, dá pouca indicação sobre se serão descobertos os autores intelectuais do crime político de maior repercussão no Brasil desde a bomba no Riocentro em 1981.

Mas, apesar da incrível sucessão de inexplicáveis erros, desleixos, inépcias e leniências por parte da Polícia Civil e do Ministério Público (MP) do Rio, também encarregado da investigação, a família, partidários de Marielle e defensores de direitos humanos acreditam que o crime será solucionado.

A investigação tem informações novas que eu não posso revelar, mas que me fazem acreditar que a gente pode, sim, chegar aos mandantes”, afirma o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), padrinho político de Marielle.

“Foram muitos erros, muitas coisas suspeitas no início da investigação, muitas provas não colhidas, muitos interesses. O crime é um dois mais sofisticados e certamente tem gente poderosa envolvida, envolvendo milícias, seja na execução ou no mando. Mas a razão (é) política. E não é gente de pouca influência no Rio de Janeiro”, completa Freixo.

“Eu continuo acompanhando de perto as investigações e me reúno toda semana com a Delegacia de Homicídios. Claro que três anos são um tempo absurdo para que qualquer caso seja resolvido. Um grupo político, segundo as próprias investigações, que por uma razão política, tira a vida de uma vereadora. Isso é um crime contra a democracia”, avalia o parlamentar.

Em 2008, a CPI presidida por ele e assessorada por Marielle denunciou, pela primeira vez, milícias como organizações criminosas no Rio. O resultado foi a prisão de quase 300 acusados. Desde então, Freixo é escoltado ininterruptamente por agentes do sistema se segurança do Rio.

“Ainda queremos saber quem mandou mandar Marielle Franco e o porquê. Não interessa nenhum resultado que não esse”, atestou a médica Jurema Batista Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil.

É de Jurema a relação de policiais, promotores de justiça e governadores mencionados na abertura deste artigo. Todos passaram pelo Caso Marielle e Anderson prometendo prioridade à investigação, mas ressalvando a “complexidade” do crime.

“Autoridades dizem que é um caso complexo, mas por quê?”, questionou Jurema em entrevista à BBC Brasil.

Até agora, foram apontados pela Polícia e denunciados pelo MP apenas os autores materiais do crime cuja denúncia literalmente correu, via redes sociais, o planeta inteiro segundos após os disparos mortais.

Dois ex-policiais militares, milicianos conhecidos há décadas pela Polícia Civil e pelo Ministério Público (MP) do Estado, estão presos na penitenciária federal em Rondônia e vão a júri popular em data ainda a ser marcada pelo Tribunal de Justiça do Rio.

É apontado como autor dos disparos o sargento aposentado da Polícia Militar Ronnie Lessa, antigo membro do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Ronnie teria acionado os tiros, de alta e rara precisão, de dentro do veículo em que estava (um Cobalt de placa KPA 5923 clonada) contra o carro também em movimento onde se encontravam Marielle e Anderson. Élcio Queiroz, ex-sargento, expulso da PM, compadre de Lessa, teria sido o motorista do Cobalt.

A perícia apontou que Ronnie usou uma submetralhadora HK MP5, de uso restrito a poucas unidades das polícias brasileiras e fabricada na Alemanha pela Heckler & Koch. Em agosto de 2020, a empresa suspendeu a exportação de armas para o País.

“Com as mudanças no Brasil, especialmente a agitação política de antes das eleições presidenciais e a dura ação da polícia contra a população, foi confirmada a decisão de não fornecer mais para o Brasil”, justificou.

Membro da Scuderie Le Cocq, velha confraria de policiais que pertenceram a Esquadrões da Morte nos anos 1960 e 70, Ronnie trabalhou durante anos em várias delegacias da Polícia Civil como adido (cargo já extinto) da PM.  Sua habilidade e disposição para matar era conhecida e até admirada por seus pares.

“(Ronnie era) Um serial killer. Era um verdadeiro soldado de guerra. Máquina de matar”, contou um policial à jornalista Vera Araújo, de O Globo, e autora (juntamente com o também repórter Chico Otavio) do livro Mataram Marielle.

Ainda jovem, Ronnie decidiu integrar a confraria de velhos membros dos Esquadrões da Morte. Foto e arte: O Globo

A obra, lançada no início de 2021, detalha a estranheza dos jornalistas com a condução das investigações por parte da Polícia e do MP do Rio (cujas funções descritas no Capítulo 4, artigo 129 da Constituição Federal são controlar a atividade policial e requisitar diligências e a instauração de inquéritos)

Apesar da fama entre policiais, Ronnie nunca havia sido alvo de um inquérito policial sequer, até a sua prisão em 12 de março de 2019.

Além da longa carreira de crimes inexplicavelmente não investigados pela Polícia, nem pelo MP, Ronnie tem pelo menos outras duas características especialíssimas.

Até ser preso, a dois dias do emblemático primeiro ano da investigação, o sargento aposentado da PM e empresário de negócios operados em áreas controladas por milícias na Zona Oeste do Rio Ronnie Lessa alugava duas casas geminadas no Condomínio Vivendas da Barra – de média e alta classe média – em frente à praia da Barra da Tijuca.

Ali também morava até dezembro de 2018 o ex-capitão do Exército e Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) – e onde ainda vive seu filho, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos –RJ).

Em si, a residência de um miliciano no mesmo condomínio de um Presidente nada prova. Mas, como observou o jornalista Luis Nassif, há no mínimo incompetência do Gabinete de Segurança Institucional (GSI, comandado pelo general aposentado Augusto Heleno e responsável pela segurança de Bolsonaro) em não identificar que a presença de um assassino de aluguel representava grave ameaça ao mandatário do País.

O que de fato aponta uma enorme dúvida sobre se teria havido ou não ligações entre Bolsonaro e Ronnie é a muito mal explicada visita, antes do assassinato de Marielle e de Anderson, de Élcio, o motorista do assassinato, ao Vivendas da Barra, onde teria pedido ao porteiro do condomínio para ir à casa 58 (de Bolsonaro).

Esse é um episódio intrincado. Começa pela incerteza sobre se o porteiro teria se comunicado com o próprio Bolsonaro; passa pela ordem deste, já como Presidente, para que a Polícia Federal colhesse (sem inquérito) o depoimento do trabalhador; e uma suposta perícia feita por não peritos do MP no depoimento do porteiro e no sistema de acesso às casas do Vivendas da Barra.

Em resumo, uma desastrada intervenção do Ministério Público do Rio. Ao final do imbróglio, ocorrido em fins de 2019, o MP garantiu que investigaria a perícia feita pelo não perito, mas não divulgou até hoje o resultado da investigação.

A outra surpreendente característica de Ronnie é o seu “patrimônio”. No mesmo dia em que ele foi preso na Barra, também foram apreendidos pela Polícia no bairro Méier, Zona Norte do Rio, peças de 117 fuzis pertencentes à Ronnie e importados dos Estados Unidos.

Os fuzis, incompletos, estavam na casa de um amigo de Ronnie. À época a Polícia Federal avaliou ter sido a maior apreensão de fuzis na história, o que promove Ronnie à condição de grande traficante internacional de armas.

As circunstâncias que contam a estória do atraso nas investigações

Nas linhas a seguir você vai ler algumas das principais circunstâncias em que se deram a investigação até aqui inconclusa e estranha.

Essas circunstâncias, algumas delas bem pouco conhecidas, parecem indicar porque Marielle, até hoje vítima de ataques à sua honra na internet, no Parlamento e no Big Brother , ainda morre um pouco mais a cada dia em que não são descobertos os mandantes e as razões de seu assassinato e de Anderson.

Entrevistei alguns personagens muito próximos ao caso, mas não todos. Por exemplo, a Polícia Civil e o MP receberam vários pedidos de entrevista e não responderam. Mas conversei com pessoas que, no seu trabalho paralelo à investigação oficial, e outras diretamente envolvidas no caso, produziram tantos elementos a provar uma lista de  desleixos, que é o caso de desconfiar: seriam “apenas” produto da falta de interesse?

A jornalista que descobriu duas testemunhas

Dias após o assassinato e a realização da perícia, a jornalista e advogada Vera Araújo retornou por várias noites ao local e à hora exata do crime, e protagonizou um dos principais (e poucos) momentos positivos da investigação jornalística sobre o duplo assassinato.

Seu objetivo era descobrir eventuais testemunhas – até então, não apuradas pela Polícia – do momento em que Marielle e Anderson foram abatidos e por milagre uma assessora de Marielle, a jornalista Fernanda Chaves, que também estava no automóvel, não fora atingida pelos disparos de Ronnie.

O ataque mortal aconteceu nos fundos da Policínica da Polícia Civil, no cruzamento entre as ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, bairro do Estácio no limite com o bairro Cidade Nova, no centro expandido do Rio, onde também se localiza a sede da prefeitura carioca.

O local tem, até hoje, a mesma iluminação precária e é um tanto deserto. Por ali passam milhares de automóveis e poucas pessoas – boa parte delas indo ou vindo da estação Estácio, do Metrô, a poucos metros.

Não há residências nesse trecho da rua. Os imóveis do local atraem pouco público à noite: um posto do Detran-RJ, duas concessionárias de veículos, o Sindicato dos Trabalhadores na Construção Pesada. Todos possuem câmeras de vigilância que, segundo a Polícia, nada registraram do crime.

Sem câmeras estão outras propriedades: um enorme terreno baldio, um órgão do governo do Estado para acolhimento de menores e, estranhamente, a Policlínica da Polícia, uma instituição que, pela natureza da sua área de atuação, precisa estar vigiada e protegida dia e noite.

Após noites de investigação, consultando os poucos passantes, Vera chegou, sozinha, de onde a Polícia não conseguiu partir: duas testemunhas oculares do crime, cujos nomes e idades até hoje são mantidos no sigilo das investigações. Um era pessoa em situação de rua – que posteriormente desapareceu. A outra era uma senhora que desembarcava do Metrô no retorno do trabalho.

Assim Vera e Chico Otávio registraram em Mataram Marielle essa descoberta:“O homem que deu os tiros estava sentado no banco de trás. Eu vi o braço dele quando apontou a arma, que parecia ter silenciador. O braço do cara era preto e bem forte (…) Tinha silenciador, sim. O som era abafado”, disse o homem em situação de rua que testemunhara o assassinato e que no momento do crime estava a apenas quatro metros da abordagem mortal.

No local e na noite do crime, a Polícia o teria perguntado se ele vira algo. O homem negou e tudo ficou por isso mesmo.

A segunda testemunha, moradora próxima ao local e que chegou a ajudar Fernanda a ligar para o marido, foi encontrada por Vera dias depois. Aceitou conversar e confirmou a versão do homem em situação de rua.

Nenhuma das duas foi inicialmente inquirida pela Polícia e o MP não pediu suas entradas em programas de proteção a testemunhas. E, ao contrário do que se poderia esperar, o tirocínio de Vera em pesquisar a existência de testemunhas não recebeu qualquer elogio da Polícia, que prometera prioridade ao caso.

Ela recorda que o então chefe de Polícia, o delegado Rivaldo Barbosa, escolhido cerca de um mês antes para o cargo, ligou para a repórter e, aos gritos, reclamou da descoberta que a Polícia não fez.

“Fiquei indignada. Depois o assessor de imprensa ligou, disse que o chefe estava de cabeça quente…”, lembra.

Desde o primeiro momento, Rivaldo e outras autoridades – como o então governador Pezão, que se encontra em prisão domiciliar – insistiam que a investigação do caso Marielle seria um “ataque à democracia” e que por isso teria da Polícia do Rio toda prioridade na investigação.

“A prioridade só surgiu mesmo após a entrada do Gaeco”, conta Vera, mencionando o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do MP. “Tudo era muito difícil (na investigação), como se o Brasil nunca tivesse conseguido quebrar uma informação de Google, de Facebook. Parecia que tinha de remover montanhas para conseguir uma quebra dessas… Quando há a entrada das promotoras Simone Sibilo e Letícia Emile, elas montam uma força-tarefa dentro do Gaeco e a própria coordenadora (Simone) assume o caso”, completa.

Simone posteriormente se afastou do Gaeco e somente há poucos dias, em 4 de março de 2021, o MP refez a tal força-tarefa do caso Marielle, e novamente com Simone e Letícia. Na ocasião, o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Oliveira Mattos de Souza, disse que o caso Marielle era prioridade.

Perguntei se Vera, repórter experiente na cobertura da área de segurança pública e ainda por cima com formação jurídica, não estranhava o fato de a Polícia nunca ter aventado a possibilidade de militares ou pessoas com treinamento militar terem participado do crime.

“No início eles falaram que é era de tráfico, mas isso foi uma fumacinha que apagou logo, porque o crime tinha muito planejamento. Em nenhum momento eles falaram que poderiam ser militares – isso também causa estranheza”, observou.

“A gente tinha muito pouca informação (por parte da Polícia). Não teve nenhuma coletiva para falar do caso. A Polícia só deu coletiva depois da prisão do Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Eles se fecharam. Era uma coisa comum (para) uma intervenção federal. O secretário de segurança era o general Richard (Nunes) e o interventor, o (general Walter) Braga Netto, atual Ministro da Casa Civil”, comentou Vera.

Falar pouco e esconder muito é característica dos militares – e desde o dia 16 de fevereiro de 2018, menos de um mês antes dos assassinatos de Marielle e Anderson, o governo do Rio de Janeiro estava sob intervenção financeira e militar decretada pelo então Presidente Michel Temer.

Aparte o crime em si, a intervenção é a principal circunstância que explica a sucessão de fatos controversos na condução das investigações das mortes de Marielle e Anderson.

Militares prometeram descobrir assassinos e mandantes até dezembro de 2018

Um clima de caos foi fabricado no Rio, no Carnaval de 2018. O bispo evangélico e prefeito Marcello Crivella (hoje em prisão domiciliar por corrupção) abandonou a cidade durante a maior festa popular do planeta. A TV Globo voltou a insistir com imagens de arrastões nas praias da Zona Sul (expediente usado em 1992 contra a então candidata a prefeita pelo PT, Benedita da Silva) e o governador, chamado Pezão, do PMDB de Temer, disse que a criminalidade estava sem controle no Estado.

Mais tarde, o Instituto de Segurança Pública, órgão de estudos e estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Estado, mostraria que o número de crimes naquele Carnaval havia sido inferior ao de anos anteriores.

Temer (que também responde processo por corrupção) atendera a um suposto pedido de Pezão e decretara que o general de exército Walter Braga Netto seria o interventor, amparado por legislação militar, do Governo do Rio.

Braga Netto, hoje Ministro, convocou o general Richard Nunes (comandante atual do Centro de Comunicação Social do Exército) para ser o Secretário de Segurança Pública e ambos escolheram o delegado Rivaldo Barbosa para chefiar a Polícia Civil.

Em menos de um mês, Rivaldo estaria à frente do caso Marielle e Anderson, e prometera dar prioridade às investigações. Àquela época, ele já fora sido duramente criticado por organizações de defesa de direitos humanos quando, ao chefiar Delegacia de Homicídios, investigara as mortes de moradores da Favela da Maré, a maior da cidade, por soldados do Bope em 24 e 25 de junho de 2013. A perícia do local, por exemplo, demorou anos para ser realizada.

No episódio, um PM morreu ao ser atingido por traficantes da área. Em represália, um comando do Bope, sem comunicar aos seus superiores, invadiu a favela e matou, inclusive a facadas, um número entre nove (de acordo com a Polícia) e 16 pessoas (segundo moradores).

Enquanto isso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, órgão independente da Organização dos Estados Americanos – OEA) e o Escritório para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) afirmavam ao governo brasileiro ter  “profunda preocupação” com a intervenção.

“Preocupa-nos que este decreto (da intervenção) não especifique de maneira suficiente seu alcance e execução, nem as condições que justificam uma medida excepcional desta natureza. Sem essas salvaguardas, sua execução pode resultar em graves violações de direitos humanos, em particular à vida e à integridade pessoal”.

A CIDH e a ACNUDH tinham razão quanto às suspeitas de que os militares atuando como policiais conduziriam violações de direitos humanos. Entre as primeiras delas estavam o fichamento de moradores e as revistas (ambos ilegais) de moradores da Vila Kennedy, da Vila Aliança e da Coreia, todas comunidades pobres na Zona Oeste do Rio.

Quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016, Marielle havia sido escolhida relatora do monitoramento que a Câmara Municipal do Rio faria sobre a intervenção.

Após a morte da parlamentar, os militares interventores prometeram prioridade na investigação. Em entrevista à Veja, em fevereiro de 2019, Braga Netto disse que “poderia ter anunciado a solução do caso Marielle, mas não havia provas suficientes. Se houver continuidade na investigação, vai se chegar a um resultado”, garantiu.

Era um evidente recuo. Antes, aos jornais O Globo e Extra, ele afirmara, em 31 de agosto de 2018: o caso Marielle será resolvido até o final da intervenção (inicialmente prevista para 31 de dezembro daquele ano).

Não foi, e o general Richard Nunes, embora não dê entrevista sobre o caso, me indicou, apenas, não descartar ainda hoje a hipótese de que Marielle tenha sido assassinada a mando do também vereador carioca Marcelo Siciliano (PP-RJ), em uma espécie de disputa por votos na região de Jacarepaguá, dominada por grupos milicianos.

Richard é um dos poucos a manter tal desconfiança, que já foi descartada pela Polícia e por partidários de Marielle. Em 2018, quando a hipótese foi levantada, conversei com uma das assessoras de Marielle, cujas funções incluía a verificação in loco de denúncias de graves violações de direitos humanos que chegavam ao gabinete dela. “Nunca ouvi falar disso. Não acredito”, me afirmou a assessora à época.

(Neste ponto, vale retomar uma notícia que vai passando quase despercebida. A intervenção financeira no governo do Estado do Rio permanece até hoje e envolve militares. Em 20 de novembro de 2020, Bolsonaro prorrogou, até dezembro de 2021, devido à pandemia de coronavírus, o mandato do Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, previsto para encerrar em dezembro passado.)

Um monitoramento internacional teria mudado o rumo das investigações?

Cerca de 10 dias após o crime, uma grande reunião aconteceu na sede da Anistia Internacional Brasil, no Rio. Presentes representantes do gabinete de Freixo, membros de grupos de vítimas de violência e moradores de favelas, especialistas em segurança pública e integrantes de organizações de direitos humanos.

A pauta da reunião, realizada ainda sob medo e tristeza profunda, como recorda uma das participantes, incluía dois pontos polêmicos: a federalização das investigações, prevista na Constituição Federal, mas decidida caso a caso pelo Superior Tribunal de Justiça a pedido da Procuradoria-Geral da União; e a criação de uma comissão internacional de especialistas para monitorar o caso, a exemplo do que acontecera no México em 2014.

Lá, 43 estudantes desapareceram no Estado de Guerrero, e a Promotoria Geral da República imediatamente chegou aos culpados de sempre: traficantes teriam assassinado e queimado os rapazes, sem que os locais em que foram escondidos seus corpos pudessem sequer serem identificados.

Insatisfeitos, familiares e movimentos sociais pressionaram o governo a aceitar uma comissão internacional de especialistas da CIDH, que levantou as provas necessárias até que os peritos e investigadores fossem admitindo a verdade e chegando a um dos corpos.

O ato final foi proporcionado por dois jornalistas que gravaram o Procurador-Geral, em pessoa, forçando um traficante a admitir a falsa culpa pelos 43 assassinatos. Em verdade, agentes do estado – guardas municipais e policiais e estaduais e federais – foram os responsáveis pelo massacre que também envolvia o tráfico de drogas ilícitas.

No Rio, foram tensas as decisões da reunião realizada na Anistia, como recorda a cientista política Beatriz Affonso, que à época era diretora do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) para o Programa do Brasil, sediado no Rio.

“Tínhamos uma conjuntura favorável para solicitar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a criação de uma comissão internacional de investigação, como o Grupo Interdisciplinar de Expertos Independentes que investiga o caso no México”

A CIDH havia acabado de manifestar a Temer o receio de ocorrerem no Rio graves violações de direitos humanos durante a intervenção. Na mesma época, a Corte responsabilizou o Estado brasileiro pelas 26 execuções sumárias e violações sexuais cometidas em duas chacinas ocorridas no Complexo do Alemão (em 1994 e 1995). Ambas foram perpetradas e investigadas por policiais militares e civis.

‘Outra alternativa que defendíamos era federalização das investigações, por conhecer a realidade das investigações de execuções de defensores de direitos humanos no Rio”, recorda Beatriz, que depois trabalhou em casos do mesmo tipo na Nicarágua e no México.

Ao final, o grupo reunido na sede da Anistia rejeitou – com exceções da própria Anistia e do Cejil – a proposta de apoiar a federalização das investigações e solicitar a criação de uma comissão internacional independente para acompanhar o caso.

Da fazenda ao garfo: big techs e o controle global dos alimentos

Chamem lá do que quiserem – de ficção científica ou de teoria da conspiração, mas o fato é real e concreto. Todos os grandes big techs – Ali Baba, Facebook, Google, Microsoft, entre outros – estão rapidamente se aliando às fintechs¸ empresas financeiras com forte presença no mundo digital, e a conglomerados agrícolas como Bayer, Basf e Monsanto para induzir um tipo de produção e comercialização de alimentos que pode terminar na homogeneização do consumo global de comida.

“As empresas do agronegócio, sobretudo aquelas que vendem sementes, pesticidas e fertilizantes, têm uma vantagem com relação às Big Techs. Todos os grandes atores do setor têm aplicativos, já com uma cobertura de milhões de hectares de fazendas, que induzem agricultores e agricultoras a fornecer dados em troca de recomendações e descontos na aplicação de seus produtos. A Bayer, maior empresa de agrotóxicos e sementes do mundo, afirma que seu aplicativo já está sendo utilizado por fazendas com uma cobertura de mais de 24 milhões de hectares nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil, na Europa e na Argentina”.

Esse alerta está no relatório Controle digital: a entrada das Big Techs na produção de alimentos e na agricultura (e o que isso significa) – está sendo divulgado internacionalmente  desde o final de janeiro passado pela Grain, uma organização da sociedade civil com sede na Espanha que tem dado sucessivos alertas sobre a homogeneização da cadeia produtiva de alimentos em nível global.

“É a estratégia chamada de from farm to fork – da fazenda ao garfo”, esclarece a advogada brasileira Larissa Parker, pesquisadora da Grain sediada no Rio de Janeiro. “Aí também entram as moedas digitais. Tem-se uma relação dialética de pesquisar e induzir as preferências de compra dos consumidores , operacionalizando na mesma cadeia corporativa do Facebook/WhatsApp desde a agricultura no campo até o varejo nas cidades”.

Segundo ela, um dos exemplos mais típicos é o da Twiga Foods, no Quênia. “Essa é uma start up da tecnologia agrícola digital , criada dentro do programa For Africa, da Microsoft, cujo lançamento foi financiado pela própria empresa em conjunto com o Banco Mundial e desenvolvido por um pesquisador estadunidense. O objetivo é ligar produtores a  consumidores diretamente, para tirar os grandes cartéis de intermediação de alimentos”.

“Hoje, todas as grandes corporações da agricultura, em associação com outras grandes da tecnologia, têm aplicativos nos celulares, nos tratores e drones para coletar e processar dados. A capacidade de captura e processamento em ambientes homogêneos em grandes áreas, que têm um só tipo de cultivo, como soja e milho, dá uma qualidade de recomendação e de segurança para o sistema de crédito”, explica.

Com a digitalização da agricultura, os agricultores acabam enredados ainda mais na cadeia industrial global de alimentos, que por sua vez é cada vez mais concentrada pelas integrações entre o sistema financeiro, as fintechs e as grandes empresas tecnológicas da agricultura.

Larissa exemplifica: “compra-se determinados insumos  – seja da Yara, da Syngenta, da Bayer e da Basf -, que são recomendados pelos algoritmos das bases de dados, e estes insumos são vinculados a microcrédito concedido a taxas mais baixas do que o sistema bancário convencional. Com a digitalização da agricultura, os agricultores acabam enredados ainda mais na cadeia industrial, global de alimentos cada vez mais concentrada pelas integrações entre o sistema financeiro, as fintechs, as grandes (empresas) tecnológicas e as grandes da agricultura”.

No Quênia, por exemplo, a empresa Twiga comprou uma frota de caminhões para levar a comida produzida no campo até os arredores de Nairobi, a capital, em transações de compra e venda era feitas dentro da plataforma Azuri, da Microsoft. A Twiga também faz uma aliança com a IBM, para produzir uma moeda digital de microcrédito, possibilitando o pagamento de produtos agrícolas (sementes etc) feito em moedas digitais de microcrédito.

A partir do sucesso do projeto, a Goldman Sachs e a rede se supermercados online Auchan, de origem francesa, se aliaram para eliminar os revendedores intermediários – levando à falência pequenas lojas e supermercados familiares que vendiam alimentos no varejo. Na África e na Índia a maior parte da distribuição de alimentos é feita por esses pequenos varejistas.

“As pequenas lojas foram centralizadas pelo aplicativo e passaram a ser provedores de um serviço, eliminando pequenas lojas familiares, como entregadores de delivery e não como pequenos negociantes, substituindo os cartéis por aplicativos, obrigando a economia e atendendo à estratégia de crescimento da Auchen na África”, critica Larissa.

Com esse rearranjo da cadeia digital, tem-se o incentivo à integração massiva e a uma agricultura de contrato, em que os pequenos agricultores e pequenos varejistas enredam-se nesses pacotes tecnológicos.

“Pelo lado do consumidor, há cada vez mais o grabing (grilagem) dos dados  a partir da compra e venda dessa personalização do consumo. O Facebook,  o Instagram e outras plataformas como essas, de coleta massiva de dados, constroem um perfil de consumidor e vendem a compra venda desses perfis para os parceiros das plataformas tecnológicas”, relata a pesquisadora brasileira.

A pandemia, de acordo com Larissa, acelerou uma profunda mudança dos hábitos de consumo. “As pessoas acabam indo para o e-commerce e se tem cada vez mais uma coleta gratuita de dados e a formação de um mercado de compra e venda desses perfis. Quando a Amazon ou a Ali Baba coletam os perfis e constroem aplicativos para a agricultura, tem-se o perfil do consumidor moldando o tipo e a escala da produção e, no meio, ligando as duas pontas”, relata.

“As plataformas digitais eliminam pequenas indústrias familiares que intermediam o varejo, mas que acabam não sendo mais um negócio familiar, e sim servidores dentro dessa indústria digitalizada  do sistema alimentar, numa grande extração de mais valia”.

Larissa explica que quando as big techs “pulam” o sistema alimentar, tem-se uma tendência à monopolização da cadeia produtiva, eliminando e concentrando tanto pequenos quanto grandes intermediários no comércio de alimentos .  “Na Índia, as corporações já quebram o sistema estatal de regulação de preços e impõem um preço aos produtores, pagando muito menos e também impondo preços para os consumidores”..

Foto: Diário de Notícias

Carla Zambeli deve presidir Comissão de Meio Ambiente da Câmara

Ex-partido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o PSL vai presidir a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, espaço onde são debatidas todas as questões ambientais de nível nacional e internacional de interesse do Brasil, além de ser peça-chave na definição de parâmetros para a regulação ambiental.

O PSL tem até amanhã para indicar à Mesa Diretora da Câmara qual dos seus parlamentares ocupará o cargo, conforme determinação do Presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Até a atual magistratura, a presidência da Comissão tradicionalmente é ocupada por parlamentares próximos a movimentos sociais defensores da natureza. 

Disputam  a nomeação Carla Zambeli (SP) e, correndo por fora, o deputado Coronel Chrisóstomo (RO). Zambeli, que foi vice-líder do do Governo na Câmara entre julho e setembro de 2020, possui amplas chances de vitória. No seu currículo parlamentar ela exibe a participação  nas Frentes da Telessaúde,  em Defesa do Comércio de Material de Construção e da Cadeia Produtiva do Coco.

Uma das principais declarações anti-ambientais de Zambeli ocorreu em 2019, quando ela discursava em evento organizado pela ONU, em Berlim, para discutir a internet.

“O mundo pensava que a Amazônia estava queimando e os incêndios estão sendo descobertos como criminosos”. “Ongs, que supostamente deveriam estar protegendo, estavam colocando fogo na Amazônia para criminalizar um governo que é novo, de direita”. “Nunca a Amazônia queimou tão pouco”, afirmou.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2019 e 20 o Brasil bateu, sucessivamente, seus recordes de queimadas, emissão de gases de efeito estufa e desmatamento.

 “Assim, o governo vai construindo, com o PSL governista, na Comissão de Constituição e Justiça e na Comissão de Meio Ambiente, a artilharia para “proteger” as boiadas e avançar na destruição do que a Constituição de 1988 determinou no tocante à proteção de direitos ao meio ambiente e de povos indígenas”, avalia Rubens Born, engenheiro e advogado, especialista em meio ambiente e colaborador do Fórum brasileiro de Ongs e Movimentos Sociais para Desenvolvimento e Meio Ambiente.

“É necessário analisar a indicação de Carla Zambeli em meio a outros elementos do contexto recente, como a eleição dos presidentes da Câmara (Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco, DEM-MG) e a entrega aos dois, pelo Presidente Bolsonaro, de uma pauta de interesse do governo, que inclui o desmonte de direitos para indígenas e o meio ambiente”, afirmou Rubens Born.

Nessa lista, Born também inclui “a questão de mineração em terras indígenas (o Projeto de Lei 191), os PLs de licenciamento ambiental de interesse do agronegócio e de outros setores extremamente pouidores e degradadores, inclusive os setores de mineração, de petróleo e gás, além dos PLs que visam a dar vida à extinta Medida Provisória da grilagem, que eles chamam de regularização fundiária”.

O Dia Internacional da Mulher em um ano de muitos desafios

*Texto: Priscila Marotti e Tiago Bernardino

Hoje é dia de força, garra, luta e resiliência. Neste mês de março comemoramos o Dia Internacional da Mulher, que surgiu em homenagem a 129 operárias de uma fábrica de tecido que morreram carbonizadas, vítimas de um incêndio no dia 8 de março de 1957, em Nova York.

Somente a partir de 1921, durante uma Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, que ocorreu um reconhecimento oficial da luta, em referência aos acontecimentos de 1917. Ainda há muito o que se conquistar.

O Dia da Mulher este ano chega com mais desafios, quando a pandemia escancara ainda mais a desigualdade social, de gênero e racial que vivemos.

Sete de cada 10 profissionais na linha de frente do combate à Covid-19 são mulheres, segundo uma análise feita pela ONU no final de 2020. Mas ainda são elas as que mais sofrem com os impactos econômicos e sociais da pandemia.

Uma pesquisa da Pnad Contínua, do IBGE, apontou que, no terceiro trimestre de 2020, a taxa de desocupação no país foi de 12,8% entre os homens e de 16,8% entre as mulheres.

Uma análise da empresa de serviços profissionais PwC mostra que a conquista das mulheres no local de trabalho nos últimos anos deve ser revertida devido à pandemia. O estudo aponta que a pandemia está retrocedendo o progresso em direção à igualdade de gênero no local de trabalho de volta aos níveis de 2017.

No Brasil, neste ano de 2021 a representatividade nas prefeituras teve um resultado de pouco mais que 12% . As mulheres vereadoras ocupam 18% do total das cadeiras nas capitais brasileiras.

Luta pela igualdade de gêneros

Um estudo internacional recente, realizado pela Women Deliver e Focus 2030, apontou que a população de 17 países quer um mundo com mais igualdade de gênero. Há também uma pressão para que os governos e líderes empresariais tomem medidas para reduzir as diferenças entre homens e mulheres.

As mulheres conquistaram seu espaço na sociedade, reivindicando aquilo que é seu por direito, liberdade e equidade salarial no emprego, na família. Conseguiram ser independentes e pagar suas próprias contas. Na comunidade onde vivem, se tornaram representatividade.

Mas caminho ainda é longo. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). No nosso país, apenas 3% das mulheres ocupam cargos de liderança no mercado.

Precisamos lembrar das lutas já conquistadas pelo movimento e unir forças para enfrentar o que está por vir. Celebrado em países e culturas diferentes, esta data é parte de uma idealização ainda maior que é preciso ser reivindicada dia após dia.

Mulheres fortes

Na última semana, a revista Forbes Brasil listou as 20 Mulheres de Sucesso do Brasil, entrevistando pessoas de diferentes áreas como a literatura, a música, a luta pela igualdade, negócios, ciência, dispostas a mudar o mundo em defesa da vida.

O destaque foi para a filósofa e escritora negra Djamila Ribeiro, como capa da matéria, que fechou o ano de 2020 com o livro mais vendido pela Amazon, e que se prepara para a quarta obra, trazendo uma particularidade dos fatos.

O Instituto Internacional Arayara ressalta a importância da luta pela igualdade em todas as esferas, reforçando que defender a vida é defender igualdade de direitos e um mundo mais justo para todos.

“Que esse 8 de março nos dê força para enfrentar os desafios e continuar seguindo neste compromisso de transformar a sociedade. Quando falamos de preservação do meio ambiente, de transição energética, de combate à exploração de terras e vidas, de igualdade de gênero, raça e em todos os setores, estamos falando de um só objetivo: nos tornarmos uma sociedade sustentável, consciente e justa”, ressalta Nicole Oliveira, diretora do Instituto Arayara.

Intervenções de Bolsonaro nos combustíveis miram 2022, diz pesquisador

Privatização de refinarias atinge capacidade da Petrobras.

As duas recentes intervenções do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no preço do óleo diesel e do gás de cozinha e no comando da Petrobras nada têm de justiça fiscal ou sequer de guinada nacionalista na maior empresa brasileira, como alguns analistas chegaram ver na indicação do general Joaquim Silva e Luna para o cargo máximo da estatal.

As ações, em verdade, miram o calendário eleitoral e, principalmente, a possibilidade de Bolsonaro e sua base política manterem-se no Palácio do Planalto.

“Bolsonaro e os militares estão muito preocupados com a eleição presidencial de (20)22 e estão olhando para as tarifas do combustível, porque isso afeta a base (eleitoral) deles. Ele (Bolsonaro) está olhando um elemento da Petrobras que é a política de preços, no momento em que ele tira o auxílio-emergencial. Ele vai mexer nesse ponto (das tarifas), suavizando os preços e dizendo que manterá a privatização”, avalia o economista Eduardo Costa Pinto, professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Pesquisas de Estudos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), que entre outras áreas se dedica à transição energética.

Eduardo, entretanto, faz uma ressalva: “Há uma incerteza muito grande sobre o que são os anúncios (de intervenção na direção e nos preços), o que vai de fato ser feito e quanto isso é a nova configuração mais geral nos rumos da empresa ou se representa uma mudança na política de preços (dos derivados)”. “Bolsonaro olha muito o curto prazo, e os militares avaliam que, se o Bolsonaro sair, eles perdem o governo”.

Em outras palavras, tudo pode mudar logo nos próximos meses, a depender dos cenários nos campos da política e da economia. E a Petrobras já está sendo utilizada como instrumento desse jogo eleitoral. “Bolsonaro e (Paulo) Guedes (Ministro da Economia) já não conseguem entregar o que entregavam para o pessoal financista do andar de cima, e aí começa a aumentar a tensão entre esse pessoal e a base do Bolsonaro. Eles se perguntam: os meus interesses particulares, eleitorais vão se compatibilizar com o interesse do pessoal das finanças? Se ele tiver de tensionar na marra, ele vai tensionar por conta de (20)22”, completa Eduardo. “

Através de decreto presidencial válido a partir do último dia 2, e somente nos meses de março e abril, Bolsonaro reduziu de R$ 0,35 por litro para zero as alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que incidem sobre a receita bruta das empresas médias e grandes. A redução, mas de forma permanente, estendeu-se para o gás de cozinha para uso residencial no botijão de 13 quilos. A renúncia custará R$ 3,6 bilhões em 2021.

Quanto ao Joaquim Luna e Silva, que é general de quatro estrelas (o topo da carreira militar), sua nomeação ainda depende da aprovação por parte do Conselho de Administração da Petrobras, que tem autonomia para rejeitá-lo, mesmo tendo sido indicado pelo sócio majoritário da empresa (o governo).

O Conselho requereu ao Comitê de Pessoas da Petrobras parecer sobre a real qualificação de Joaquim para presidir a maior empresa brasileira. Para ser aceito no cargo, de acordo com os critérios estabelecidos pela Lei das Estatais (2017), ele precisa comprovar experiência prévia no mesmo cargo em empresas de porte equivalente ao da estatal – algo que ele não tem.

As dúvidas têm enorme importância em si, mas aumentada ainda mais quando em um quadro de aprofundamento da crise econômica (em 2020, o PIB brasileiro caiu 4%). A situação deve se agravar ainda mais ao longo de 2021, à medida que a pandemia de coronavírus avança e o governo Bolsonaro não demonstra qualquer intenção de enfrentá-la com as medidas adequadas (a massiva importação e aplicação de vacinas) e o bloqueio total (lockdown) , que os especialistas indicam como única maneira de frear a proliferação do coronavírus.

Aumentam, também as incertezas sobre o próprio destino da Petrobras, como empresas que tem por finalidade garantir a distribuição de gasolina e demais derivados de petróleo em todo o território nacional.

Segundo o engenheiro e professor titular Roberto Moraes, do Instituto Federal de Ensino de Campos dos Goytacazes (RJ), a privatização de ativos importantes da empresa – como as várias malhas de distribuição de gás natural e as refinarias – colocam um ponto de interrogação sobre o futuro da Petrobras.

“Uma grande empresa desse setor precisa ser verticalizada, desde a extração do petróleo até o refino e a comercialização de seus derivados. Ao que parece, os fundos financeiros que vêm comprando ativos da empresa querem reduzi-la a um companhia que fica apenas com a parte mais cara da cadeia produtiva, que é a extração do petróleo”, avalia Roberto, que pesquisa geopolítica da energia.

Foto: Agência Brasil