Na última terça-feira (8/4), Candiota, município que concentra a maior reserva de carvão do país, sediou a primeira reunião pública sobre o Plano de Transição Energética Justa voltado às regiões carboníferas do Rio Grande do Sul. O evento, promovido pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA-RS), foi realizado na Câmara Municipal e contou com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube da casa legislativa.
A audiência marcou o início da participação popular no projeto, que integra a Agenda ProClima2050, reunindo lideranças políticas, representantes da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), sindicatos, universidades, secretários municipais, organizações da sociedade civil, moradores da região e associações setoriais.
O Plano de Transição Energética Justa do RS tem como objetivo traçar estratégias para diversificar a matriz energética da região e impulsionar um modelo de desenvolvimento sustentável, com foco na transição para fontes de energia mais limpas e na mitigação dos impactos ambientais causados pela exploração do carvão mineral.
A elaboração do documento chegou a ser suspensa no ano passado por decisão liminar da Justiça. A medida atendeu a uma Ação Civil Pública movida pelo Instituto Internacional ARAYARA, que solicitava a criação de um comitê técnico participativo para conduzir o processo. A Justiça determinou a paralisação até que o comitê fosse oficialmente instituído ou que se adotasse outra medida consensual. A ação destacou a necessidade de participação de entidades da sociedade civil, da prefeitura de Candiota — que concentra a maior reserva de carvão do país —, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Ministério Público Estadual.
Plano dividido em três fases e aberto à participação popular
Durante o evento, Marcelo Camardelli Rosa, secretário adjunto do Meio Ambiente e Infraestrutura, representante da SEMA-RS, abriu a reunião contextualizando o ProClima, lançado em 2019, e destacando a importância de um caminho de transição energética justa, sobretudo para os trabalhadores do setor carbonífero. Em seguida, foi anunciada a abertura da consulta pública, que está disponível no site da secretaria desde o dia 9 de abril, com o intuito de coletar contribuições da população sobre os desafios e propostas do plano.
A coordenadora de projetos do consórcio WayCarbon – Centro Brasil no Clima (CBC), Raiana Soares, apresentou, de forma geral, a estrutura do Plano de Transição Energética Justa, que está organizada em três etapas principais: atividades preparatórias, diagnóstico do cenário atual e formulação de estratégias de transição. A expectativa é de que, até novembro, sejam entregues 14 produtos técnicos, incluindo estudos sobre descarbonização, análise da vulnerabilidade energética e mapeamento de linhas de financiamento climático.
Segundo o CBC, o Plano ainda está em fase inicial e será desenvolvido com base em consultas regionais. O consórcio já percorreu municípios da Campanha Gaúcha conversando com prefeitos e mapeando potencialidades econômicas.
Comunidade local defende continuidade do carvão com inovação
Após as apresentações, foi aberto o espaço para manifestações do público, tanto presencialmente quanto online. As primeiras falas foram do prefeito de Candiota, Luiz Carlos Folador, e dos vereadores presentes, que defenderam a continuidade do uso do carvão mineral com apoio de novas tecnologias e capacitação profissional.
Alguns vereadores contestaram estudos que apontam o município de Candiota como o maior emissor de gases de efeito estufa do Rio Grande do Sul. Eles afirmam que essa informação é falsa, defendendo que o ar da cidade é limpo e que a exploração do chamado “Pré-Sal Gaúcho” deve continuar por, pelo menos, mais 200 anos.
A comunidade também expressou resistência à proposta de transição energética que implique o abandono do carvão, assim como o descomissionamento das Usinas, especialmente a UTE Candiota III. Diversos participantes reforçaram o papel do carvão na economia local e sugeriram ampliar seu uso, como, por exemplo, na produção de fertilizantes e no incentivo à conclusão do Complexo Carboquímico de Candiota.
Algumas poucas falas lembraram que, além do carvão, Candiota também é marcada pela agricultura familiar e assentamentos rurais, sendo considerada uma das referências em sementes agroecológicas no estado.
ARAYARA propõe ações sustentáveis
Na contramão da maioria, John Wurdig, gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA, questionou a manutenção do carvão como base energética da região. Ele propôs a inclusão de sugestões vindas da Conferência de Meio Ambiente promovida pela ARAYARA na região , além de intercâmbios com países que já encerraram suas usinas a carvão – como o Chile – e defendeu a recuperação de áreas degradadas pela mineração como oportunidade de geração de “empregos verdes”.
“A transição precisa ser justa, sim, mas também precisa ser real e sustentável. Temos que pensar nos territórios e nas pessoas, mas também nas gerações futuras”, afirmou Wurdig.
Representantes do consórcio CBC agradeceram as contribuições e reforçaram que o Plano ainda está em construção. Destacaram que o desafio é grande, considerando o peso do carvão na região, mas que há oportunidades de sinergia com outras atividades econômicas, como o ecoturismo e os geoparques.
As sugestões da comunidade serão avaliadas pelas equipes técnicas da SEMA-RS e do CBC, e poderão ser incorporadas ao Plano final. Acesse a Consulta Pública .
Foto: reprodução / Sema – Cassiano Cavalheiro