+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

“Boiada” nuclear: Bolsonaro pode aprovar privatização de Angra 3

Foto: Clube de Engenharia

Enquanto o Senado autorizava na quinta (4) o Brasil a participar da iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para distribuir vacinas contra Covid-19, foi aprovada sem alarde, como as boiadas planejadas pelo Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, a Medida Provisória (MP) 998, que permite a privatização da usina nuclear Angra 3 – se e quando esta for concluída.

Originada na Câmara dos Deputados no ano passado, a MP, que teve tramitação acelerada e também trata do reajuste das tarifas de eletricidade, caducaria nesta terça, 9. Agora, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro. O Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, esteve presente à votação no Senado.

O texto autoriza o aumento da tarifa para subsidiar a energia a ser gerada por Angra 3. Segundo o governo, Angra 3, cuja construção está suspensa e que deveria ter entrado em operação na década de 1980, já teria 67,1% das obras civis – o equivalente às fundações de uma casa. Até hoje, todo o projeto teria consumido R$ 9 bilhões do orçamento público, e ainda seriam necessários mais R$ 15 bi para sua conclusão.

A MP foi enviada para a Secretaria-Geral da Presidência da República , que informou: “A Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão responsável pela assessoria e consultoria jurídica no âmbito da Presidência da República e da Vice-Presidência da República, aguarda o envio do autógrafo da matéria pelo Senado Federal. Após o recebimento, o prazo para análise é de 15 dias úteis”.

A decisão do Senado é controversa. Para gerar energia, Angra 3 consumiria o mineral urânio, mas a Constituição afirma, no artigo 21, inciso 23, que é monopólio da União a pesquisa, lavra, enriquecimento, processamento, industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados.

Na prática, a medida aprovada pelo Senado autorizaria a privatização de uma atividade que, pela Lei Maior do País, é atividade exclusiva da União.

“Entendo que há uma inconstitucionalidade material”, disse, consultado por Arayara.org, o advogado Anderson Medeiros Bonfim, professor assistente de Direito Constitucional na PUC de São Paulo. “Sob o pretexto de viabilizar a retomada das obras de Angra 3 (usina termelétrica nuclear), passou-se a permitir a sua exploração por parte da iniciativa privada através de autorização do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)”, completou Bonfim.

“A exploração de Angra 3 por parte da iniciativa privada desconsidera o regramento constitucional relativo ao modelo de monopólio, bem como de demarcação entre os espaços público e privado e das possíveis confluências entre eles, quais sejam nas hipóteses de permissão fixadas pelo artigo 21, inciso XXIII, da Constituição”, afirmou.

O professor da Universidade Federal de Pernambuco, Heitor Scalambrini, que também integra a Articulação Antinuclear Brasileira, avalia que “essa MP abre a porteira para construção de novas usinas nucleares no País”.

“Uma simples Medida Provisória de interesses de lobistas muito poderosos consegue passar por cima da Constituição e apontar para abrir uma porteira para que as atividades nucleares no País sejam delegadas à iniciativa privada”, denuncia Scalambrini, doutor em energética pela universidade de Marseille, na França.

Ele acredita que a aprovação da MP esconde “interesses na privatização da Eletrobrás e na expansão do setor nuclear no país, inclusive para uso militar, além da construção de Angra 3 e de mais seis usinas no Complexo de Itacuruba, em Pernambuco, conforme prega o Plano Nacional de Energia de 2050”.

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

MME promove workshops sobre futuro do setor de óleo e gás, mas reforça dependência de combustíveis fósseis

O Ministério de Minas e Energia (MME) está conduzindo uma série de workshops intitulada “Próximos Passos: Combustível do Futuro e Novas Políticas do Setor de Óleo e Gás”, entre 31 de outubro e 10 de dezembro, com o objetivo de debater estratégias para o setor no contexto da transição energética. Os eventos reúnem autoridades, especialistas e representantes da indústria de

Leia Mais »

G20 e a Bússola Energética Global

O G20, composto pelas maiores economias do mundo, desempenha um papel crucial na definição de políticas globais que visam o crescimento econômico sustentável e inclusivo. Este fórum internacional tem a responsabilidade de liderar esforços para enfrentar desafios globais, como as mudanças climáticas, a desigualdade econômica e a segurança alimentar. No entanto, a eficácia do G20 é frequentemente questionada devido à

Leia Mais »

Uma PBio pública pela transição energética justa

Cinco dias antes do início da COP 29 (29a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – CQNUMC/ UNFCCC), a Diretoria Executiva da Petrobrás aprovou uma medida esperada há anos: a Petrobrás Biocombustível S.A. (PBio) não será vendida tão cedo. A decisão atende ao pleito de trabalhadores do setor de energia que se mobilizam nas últimas

Leia Mais »