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“Banho-maria nuclear por uma década”, aponta Roberto Kishinami

Aparentemente, o principal foco da Medida Provisória (MP) 988, aprovada no dia último e enviada à sanção do Presidente Jair Bolsonaro, deveria tratar dos critérios de reajuste de tarifas de energia elétrica nos próximos anos. Mas, esmiuçada por quem monitora há décadas o setor energético, a MP revela outros objetivos.

“O que a 998 fez mesmo foi consolidar as térmicas a gás natural liquefeito importado operando na base as próximas grandes obras do sudeste, em substituição às hidrelétricas do passado”, analisa o físico paulista Roberto Kishinami, coordenador do Instituto Clima e Sociedade, um dos principais pesquisadores brasileiros no tema da transição energética.

Esmiuçar os objetivos e definições dessa MP – que saiu do Palácio do Planalto em 2020, tramitou rapidamente pela Câmara dos Deputados e o Senado e já retornou à sanção presidencial – é importante para compreender as políticas públicas que serão adotadas nos próximos anos em matéria de energias renováveis, hidroeletricidade e conservação de energia.

Mas, fundamentalmente, também ajuda a entender as entrelinhas da MP 998 ajuda a montar o quebra-cabeças do setor nuclear, área em que predomina a opacidade institucional e por onde fluem bilhões de reais de dinheiro público com pouquíssima supervisão do público e até dos órgãos de controle interno do Estado Brasileiro, como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério público federal.

Segundo Kishinami, que entre 1994 e 2001 dirigiu o Greenpeace Brasil, com a MP 998 o Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, está “garantindo que esse setor continue pendurado no Orçamento por mais algumas décadas”.

De fato: entre outras medidas, a MP possibilitará ações de longo alcance, como a transferência para a União das ações de titularidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (a CNEN, que deve ser substituída parcialmente nos próximos anos por uma agência reguladora do setor nuclear, ainda a ser criada, e que assumirão parte das atribuições da Comissão).

Além de indicar a criação de um novo ente regulatório, a 998 também possibilitará uma reorganização do capital e dos contratos sociais das empresas estatais Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB, encarregada da pesquisa e lavra de minerais radioativos), e da Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep).

A seguir, Kishinami aponta alguns rumos que podem seguir o setor de energia no Brasil a partir da provável sanção da MP por Bolsonaro.

O que a MP 998 significa especificamente para a área de energias renováveis, que vêm tendo uma boa expansão nos últimos anos, no Brasil?

Para as renováveis em geração centralizada o efeito não é imediato. Como o crescimento delas está acelerado no mercado livre, o impacto vai ser sentido nos novos empreendimentos.

E para o setor nuclear, que parece ser o principal obejtivo da MP?

Angra 3 não vai ser privatizada e tampouco completada. O que a 998 fez foi manter o “banho maria” por mais uma década. O mandato do (Ministro das Minas e Energia) Bento Albuquerque é consolidar o Programa Nuclear Brasileiro, algo que ele está fazendo “pelas beiradas”, ajeitando a INB e encaminhando a mineração em (Santa) Quitéria, no Ceará (onde a INB quer explorar urânio e fosfato, em consórcio com a empresa privada Galvani), ao mesmo tempo em que arruma o tapete que esconde Caetité, na Bahia (onde há seríssimos problemas ambientais e sociais deccorrentes de anos de mineração do urânio). Como ele não sabe quando sai – com o Centrão de olho na cadeira dele -, está garantindo que esse setor continue pendurado no Orçamento por mais algumas décadas.

O que a 998 fez mesmo foi consolidar as térmicas a gás natural liquefeito importado operando na base as próximas grandes obras do Sudeste, em substituição às hidrelétricas do passado. Elas vão inclusive deslocar o Mecanismo de Realocação de Energia (o MRE, instrumento para compartilhar os riscos hidrológicos no Sistema Elétrico Integrado nacional) e criar uma conta gigantesca para os consumidores daqui a alguns anos.

Pela sua argumentação, o programa nuclear virou um fim em si mesmo? Ou seja, ele visa somente a se refinanciar e manter um fluxo mínimo de recursos orçamentários, é isso?

Exatamente. Em todo mundo essa é uma área que só orçamentos federais conseguem manter. É uma “mamação” eterna.

O que os críticos do Programa Nuclear Brasileiro argumentam é que, por trás dele e de suas frequentes renovações, há o interesse dos militares em dar escala ao setor para viabilizar técnica e economicamente os seus próprios interesses na área atômica. Mesmo que não seja para viabilizar a bomba, mas para viabilizar navios e submarinos com propulsão nuclear. O que o Sr. Acha disso?

Eles estão se divertindo o suficiente com o submarino nuclear (os cascos de vários deles está sendo construído no estaleiro da Odebrecht na cidade de Itaguaí, no Rio de Janeiro, como resultado do programa militar desenvolvido com o governo da França). Navios não teriam qualquer utilidade prática. Seriam só bons alvos, dependendo de onde estivessem.

O que conta para a armada é ter um programa que lhes permita fazer parte dos vários comitês internacionais sobre nuclear, desarmamento etc. Hoje, acredito que nunca quiseram ter, de fato, um artefato nuclear. Sempre falaram em “ter a capacidade de fazer”. Algo como “saber ler as receitas que o Google oferece”.

Então, a rigor, os militares não querem ter a capacidade atômica? Querem ter a esses espaços e acesso a recursos muito grandes do orçamento público?

É isso mesmo.

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