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Artigo de Opinião | A nova fronteira da injustiça: os avanços do petróleo e gás sobre territórios indígenas no Brasil

Neste Dia dos Povos Indígenas, Paôla Manfredini, gerente Socioambiental, Comunidades e Clima do Instituto Internacional ARAYARA, comenta as ameaças representadas pelas empresas petroleiras que cada vez mais investem contra os Territórios Indígenas (TI) do Brasil.

O artigo destaca caminhos de esperança e resistência neste conturbado cenário secular de disputas e injustiças associado aos povos indígenas brasileiros.

Nas palavras de Paôla, “esperamos que  esta leitura reforce a importância do protagonismo indígena, da mobilização social e, por último, da pesquisa aliada à inovação na busca por soluções integradas e sustentáveis”.

 

Por Paôla Manfredini Romão Bonfim*, Gerente Socioambiental, Comunidades e Clima do Instituto Internacional ARAYARA.org

Na vastidão das florestas amazônicas e nas margens dos rios que cortam nossa terra, os Territórios Indígenas são não apenas espaços geográficos, mas sim o coração pulsante das culturas ancestrais e da biodiversidade que nos conecta à essência do Brasil. No entanto, esses lugares sagrados enfrentam uma batalha árdua contra o avanço predatório das fronteiras da exploração de petróleo e gás, a ameaça constante do Fracking e a violação sistemática dos direitos consagrados na Convenção 169 da OIT.

Neste cenário de desafios crescentes, onde as vozes dos povos indígenas ecoam em uma luta pela sobrevivência de suas terras e culturas, é fundamental agirmos todos em solidariedade e ação, não apenas contra as ameaças que pairam sobre esses territórios, mas também refletindo a coragem e resistência de seus guardiões ancestrais.

O Desafio do Avanço Predatório

O avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás tem sido uma das principais ameaças aos territórios indígenas do Brasil. Empresas, muitas vezes agindo sem o devido respeito aos direitos dos povos originários, têm buscado extrair recursos valiosos dessas áreas, causando danos irreparáveis ao meio ambiente e à vida dos povos indígenas.

Os leilões de concessão da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) mantém um calendário regular para oferta de blocos de exploração onshore (“em terra”) e offshore (“em mar”).  Esta constante ameaça aumenta consideravelmente a pressão sobre os territórios e coloca continuamente em risco ecossistemas frágeis e culturas ancestrais.

Nessa agenda, o 4º Ciclo da Oferta Permanente no regime de Concessão (OPC) foi realizado no dia 13 de dezembro de 2023, disponibilizando 602 blocos e 1 bloco de Acumulação Marginal, representando 63% do total de blocos em oferta permanente. Estudos indicaram que as emissões potenciais desses blocos poderiam exceder 1 GtCO2e, equivalendo às emissões anuais do Brasil previstas para 2030

Esse leilão levantou preocupações sobre possíveis impactos negativos nas metas das novas NDCs Brasileiras, especialmente para Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TI) e Territórios Quilombolas (TQ).

No que concerne às Terras Indígenas foram identificados possíveis impactos socioambientais, com centenas delas podendo ser afetadas pela exploração de petróleo e gás em blocos ofertados em sua Área de Influência Direta (AID)  – conforme determina o limite de 10 Km na Amazônia Legal e 8 Km nas demais regiões, imposto pelo Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015

O estudo técnico da ARAYARA, Análise de risco socioambiental e climático das áreas do 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP sobre Terras Indígenas, identificou as seguintes etnias a serem potencialmente impactadas: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng – o que afetaria aproximadamente 156 milhões de hectares de Terras Indígenas e uma população estimada de 21.910 indígenas não consultados. 

O Leilão da ANP resultou em 193 blocos arrematados por empresas petroleiras e de exploração de gás. No entanto, a incidência judicial promovida pela ARAYARA sobre 77 blocos afastou a ambição de diversas empresas, poupando 94% dos blocos licitados – destes, apenas 4 foram adquiridos (AM-T64, AM-T-107, AM-T-133, PAR-T-335)

No entanto, 5 Terras Indígenas seguem ameaçadas pelo arremate de blocos pelas empresas ATEM e Blueshift. São elas: no Amazonas, do Povo Mura, a TI Gavião, TI Lago do marinheiro, TI Ponciano e TI Sissaíma; e em Santa Catarina, do Povo Xokleng, a TI Rio dos Pardos.

Esses territórios enfrentam agora a possibilidade da aplicação de uma técnica extremamente danosa para a extração do gás de xisto nas camadas profundas do subsolo: o fracking, ou fraturamento hidráulico. 

Para fraturar a rocha e liberar o gás, a técnica injeta no solo enormes quantidades de água e um número alarmante de produtos tóxicos, contaminando o solo, as águas subterrâneas (que logo chegam aos rios) e o ar (com o escape do gás metano para a superfície) – ocasionando mudanças radicais no clima e colocando em risco a saúde dos indígenas e não indígenas (câncer, infertilidade, aborto e doenças neurais), que dependem desses recursos naturais para sua subsistência e bem-estar.

Afrontas à Convenção 169 da OIT e os Protocolos de Consulta

Diante de um cenário de possibilidades tão devastadoras, era de se esperar que o governo brasileiro acionasse a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual estabelece o direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada sobre questões que afetam diretamente seus territórios e vidas. 

No entanto, temos testemunhado um flagrante desrespeito a esse direito fundamental, com empreendimentos sendo implementados sem o consentimento ou cumprimento das condicionantes estabelecidas pelas comunidades afetadas.

A falta de respeito aos protocolos autônomos não apenas viola direitos básicos das comunidades tradicionais, mas também fragiliza a autonomia e a dignidade dos povos indígenas ao impor sobre eles projetos de infraestrutura que podem ter impactos irreversíveis.

Inovação e mobilização

Na contramão dessas ausências, o Instituto Internacional ARAYARA realiza uma campanha incansável para proteger a Amazônia e seus habitantes. Para isso desenvolvemos uma ferramenta inovadora: o Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Gás. 

A plataforma oferece informações detalhadas sobre esse tipo de exploração nos nove países amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Dessa forma, o conhecimento anteriormente disperso em diferentes plataformas e bancos de dados governamentais e especializados, e que dificultava análises abrangentes do contexto e dos riscos associados à exploração de petróleo e gás na região, agora está disponível para todos.

Por meio da ferramenta, é possível gerar mapas e planilhas que rapidamente cruzam dados sobre o país, informando o bloco de exploração de petróleo e gás, a empresa envolvida, a fase exploratória e detalhes sobre as localidades afetadas, como a presença de terras indígenas, territórios quilombolas, regiões de corais e unidades de conservação, bens culturais acautelados e sítios arqueológicos.

Nosso monitor ajuda a entender a extensão das ameaças e a tomar medidas eficazes, pois fornece dados essenciais para conscientizar o público, pressionar por políticas mais rigorosas e envolver a sociedade civil na defesa dos Territórios Indígenas.

Para além do Monitor, trabalhamos em várias outras frentes, como advocacy, litigância, mobilização social e pressão política. Exigimos transparência e cumprimento dos dispositivos legais nos leilões de concessão, atuamos na aprovação de leis contra o fracking, fomentamos a adoção de alternativas sustentáveis de geração e distribuição de energia e denunciamos as violações de direitos humanos e ambientais. 

Em Ações Civis Públicas, a ARAYARA já atuou para a remoção de mais de 1350 blocos de petróleo e gás, em mar e terra, dos leilões permanentes de partilha da ANP. Já aprovamos leis anti-fracking em 512 municípios brasileiros e seguimos na luta para preservar a Amazônia e proteger os Territórios Indígenas brasileiros.

Recomendações

Na busca incessante pela garantia dos direitos dos povos originários, é essencial adotar uma série de medidas fundamentais. Primeiramente, é imperativo exigir a revogação da Lei nº 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, que perpetua injustiças e violações ao estabelecer que os povos originários só têm direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, desconsiderando séculos de história e ancestralidade.

Além disso, é crucial pressionar o Estado brasileiro para que acelere e efetive a demarcação e proteção dos territórios indígenas, pois essa indefinição os torna alvos de empreendimentos predatórios que se aproveitam da brecha legal para invadir e explorar ilegalmente essas áreas, causando danos irreparáveis. 

É também necessário exigir o cumprimento integral dos direitos estabelecidos na Convenção 169 da OIT, incluindo o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas em todas as decisões que afetem seus territórios, garantindo assim a sua integridade e autonomia.

A participação ativa em campanhas, manifestações e iniciativas de conscientização sobre a importância dos territórios indígenas para o Brasil e para o mundo é essencial. Devemos apoiar e fortalecer as organizações e lideranças locais, reconhecendo o papel central que desempenham na defesa de seus direitos e do meio ambiente equilibrado.

Por fim, é fundamental estabelecer alianças interinstitucionais entre organizações da sociedade civil, instituições acadêmicas, empresas socioambientalmente responsáveis e órgãos governamentais comprometidos com a causa. Somente através de soluções sustentáveis e integradas, construídas em conjunto, poderemos garantir a preservação e proteção desses territórios sagrados, essenciais não apenas para as comunidades que os habitam, mas para a saúde do nosso planeta.

Este conjunto de ações representa um compromisso coletivo em defesa da justiça, da dignidade e da preservação ambiental, guiado pelo respeito às culturas ancestrais e à sabedoria dos povos indígenas. Juntos, podemos ser a força que transforma a realidade e assegura um futuro onde a harmonia entre humanidade, natureza e diversidade cultural seja não só um ideal, mas uma realidade concreta e duradoura.

Considerações Finais

Que este artigo seja mais do que uma reflexão, mas um convite à ação permanente, em uma jornada de compromisso e respeito pela diversidade cultural e ambiental que torna o Brasil único.

Diante dessas novas fronteiras da injustiça que avançam sobre os povos indígenas, é imperativo que nos posicionemos todos na luta pela preservação de suas terras, culturas e modos de vida. 

Que o propósito do bem comum promova uma corrente de solidariedade e esperança, em direção a um futuro onde os territórios indígenas sejam protegidos, respeitados e celebrados como pilares da nossa identidade e da nossa sustentabilidade como nação.

Que a coragem e a resistência dos povos originários sejam o exemplo propulsor de uma jornada coletiva, onde cada gesto de apoio, cada voz que se levanta e cada ação planejada e executada seja um tributo à vivência, e não a mera sobrevivência, dos povos indígenas do Brasil.

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1. Os dados foram compilados no documento Análise de risco socioambiental e climático do 4º Ciclo de Oferta Permanente da ANP.

2. Esses dados foram compilados no documento Áreas arrematadas no 4º Ciclo da Oferta Permanente da ANP.

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* Paôla Manfredini é consultora em patrimônio cultural, pesquisadora e mestre em história pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, exerce o cargo de gerente socioambiental, comunidades e clima do Instituto Internacional ARAYARA. E-mail: paola.manfredini@arayara.org 

 

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