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ARAYARA na Midia: Projeto de Termelétrica em Brasília e PL da Devastação colocam o Cerrado em risco

Enquanto o Brasil reforça compromissos internacionais de combate à crise climática, o Distrito Federal se torna cenário de contradições ambientais e violações de direitos. De um lado, a tentativa de instalação da Usina Termelétrica (UTE) Brasília, em Samambaia, enfrenta resistência popular e judicial devido aos impactos no Cerrado e nas comunidades locais.

 

De outro, avança no Congresso Nacional o Projeto de Lei 2.159/2021 — conhecido como “PL da Devastação” — que propõe a flexibilização do licenciamento ambiental em todo o país.

As duas pautas revelam a mesma contradição: o enfraquecimento da preservação ambiental em nome de interesses econômicos, aprofundando as injustiças socioambientais no país.

No dia 17 de junho, a pressão popular conseguiu suspender a audiência pública organizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que discutiria o licenciamento ambiental da UTE Brasília. A manifestação, que reuniu mais de 400 pessoas, lotou o Centro Cultural de Samambaia, região administrativa na qual o empreendimento pretende ser instalado.

Em março deste ano, o Instituto Arayara ingressou com mandado de segurança coletivo para exigir mais transparência na divulgação da audiência e garantir tempo adequado para que a população se informasse e participasse. A ação também resultou na suspensão da outorga de captação de água no Rio Melchior — corpo hídrico que já apresenta nível 4 de poluição, o mais alto da escala nacional.

Outro ponto de tensão é a possível remoção da Escola Classe Guariroba para dar lugar à usina, o que tem gerado grande comoção entre estudantes, educadores e a comunidade local.

Para presidenta do instituto Filhas da Terra, Larissa Cordeiro, é um ato de “violência e negligência do Estado em relação ao direito à educação da comunidade”. Ela ainda ressalta: “A Escola Classe Guariroba é a única escola rural da região de Samambaia que atende não só a cidade, mas também Ceilândia, Sol Nascente e Por do Sol”.

Cordeiro também alerta para os riscos ambientais na área. “Essa região já sofre um grande impacto socioambiental, pois se tornou uma zona sanitária, onde estão localizadas a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Caesb, a ETE Melchior e a ETE de Samambaia. Além disso, o Aterro Sanitário de Brasília está próximo à escola, que inclusive precisou ser transferida para um local provisório em 2016 e 2017 por conta da construção do aterro”, conclui a ativista.

Luta por participação popular Crianças da Escola Guariroba, em Samambaia, produziram cartazes contra a construção da UTE Brasília | Foto: Assessoria Gabriel Magno

O engenheiro ambiental John Würdig, gerente de Transição Energética do Instituto Arayara, participou da audiência pública promovida pelo Ibama e explicou os motivos que, segundo ele, justificariam o cancelamento do evento.

“Com o cancelamento do empreendimento na Justiça, esse já seria um motivo suficiente para suspender a audiência pública. Solicitamos formalmente o cancelamento ao Ibama, mas não fomos atendidos, mesmo com a empresa Termonorte já sem permissão de outorga”, afirmou. Ele também chamou atenção para problemas graves de segurança no local. “O Complexo Cultural de Samambaia não possui um sistema adequado de combate a incêndio. Não havia extintores, nem sinalização de saídas de emergência. O espaço comporta 256 pessoas, mas o evento reuniu mais de 400. Um risco”, alertou.

Ao ser questionado sobre as falhas na segurança no espaço do Centro Cultural de Samambaia, o Ibama respondeu que “busca promover audiências públicas em locais seguros, confortáveis e de fácil acesso à população”. Sobre os prazos da divulgação da audiência, o órgão informou que cumpre os prazos previstos na Resolução Conama 09/1985, que estabelece mínimo de antecedência de publicação de 45 dias para a realização das audiências públicas.

Suspensão da audiência não afeta licenciamento

Apesar da mobilização popular, durante a transmissão ao vivo da audiência pública, pelo canal da Lord Audiências via YouTube, o coordenador da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama Edmilson Maturana disse que o processo de licenciamento seguirá normalmente, mesmo sem a realização da audiência. “O fato de não possibilitar a realização não impede o andamento técnico do processo de licenciamento. Contudo, teremos a ausência da contribuição popular”, afirmou Maturana, a declaração no entanto, não consta eu ata oficial do órgão, disponível no Sistema Eletrônico de Informações (SEI).

Para Würdig, a postura do órgão ambiental foi decepcionante. “A reação do Ibama foi uma surpresa diante do grito de revolta da comunidade. Foi uma forma agressiva”, diz ele.

Sobre o posicionamento de Maturana, durante o evento, o Ibama respondeu que “a manifestação em questão indicou que a análise técnica pela equipe prosseguirá, já que servidores do Ibama foram designados para essa atividade e estão dedicados a ela no momento. O que é estabelecido na resolução Conama 237/1997 quanto à audiência pública será realizado em momento futuro, a ser decidido pela Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama. Portanto, esclarecemos que a fala mencionada não foi no sentido de que licenças serão emitidas sem a realização de audiência pública”.

Também em nota, o Ibama informou que “a série de audiências públicas não realizadas, pode gerar ações por parte de grupos interessados em modificar a legislação que regra o tema, de maneira a desobrigar a realização de audiências públicas em projetos de impactos significativos, ou em colocar previsão de organizá-las apenas de maneira on-line, o que poderia impactar o direito de participação popular”.

Mobilização social não vai parar Comunidade participou massivamente da audiência no dia 17 de junho | André Gouveia / Brasil de Fato DF

“Continuamos denunciando no sistema do Ibama, publicando notas de repúdio e fortalecendo o suporte técnico à comunidade. Vamos requerer a suspensão dessa audiência. Ela precisa acontecer em um espaço adequado, com escuta real da população. Também vamos pedir que a ata da audiência seja refeita, registrando fielmente o que foi dito — e não um resumo simplificado”, conclui o gerente de Transição Energética do Instituto Arayara.

Já Cordeiro destacou que o Instituto Filhas da Terra continuará utilizando o ativismo digital para informar a população sobre os riscos do projeto e que seguirá apostando na linguagem do Hip Hop como ferramenta de mobilização popular. “Precisamos cada vez mais conscientizar a população e mostrar que a usina termelétrica não vai afetar apenas as comunidades vulneráveis do Recanto das Emas, Samambaia, Ceilândia, Sol Nascente e Porto do Sol, mas todo o Distrito Federal”, alertou.

Os impactos do PL da Devastação para o DF

Com a aprovação do PL da Devastação no Senado Federal, em maio deste ano, e com o seu retorno à Câmara dos Deputados, aumenta a tensão sobre o futuro da legislação ambiental brasileira. Segundo especialistas, o projeto flexibiliza o licenciamento ambiental, cria mecanismos como o autolicenciamento, e permite que empreendimentos de alto impacto avancem sem consulta às comunidades afetadas, entre outros.

Para John Wurdig, a relação entre o PL e a UTE Brasília é direta e alarmante.“O caso da termelétrica aqui de Brasília exemplifica muito bem o que pode acontecer se o PL for aprovado. Imagina se esse projeto entra como estratégico para a área de energia: ele pode passar por um licenciamento ambiental mais simplificado, sem a competência do Ibama, ficando nas mãos do governo estadual.”

Ele lembra que, mesmo com as regras atuais, o projeto da termelétrica avança de forma acelerada, sem o devido debate público. “Essa usina já conseguiu rapidamente todas as licenças, com muitos problemas. A outorga foi super rápida, inclusive com uma carta da Secretaria de Educação falando sobre a remoção da escola sem qualquer consulta. Hoje ainda temos garantias mínimas, como audiência pública, Eia/Rima [Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental] e participação social. Mas tudo isso pode cair por terra se esse PL for aprovado,” observa Wurdig.

A presidenta do Instituto Filhas da Terra lembra do caso do Aterro Sanitário Ouro Verde, localizado em Padre Bernardo, entorno do DF, que teve um desmoronamento no dia 18 de junho. “ O aterro estava funcionando ilegalmente e, por meio de uma liminar, conseguiu dar continuidade ao processo, mesmo sem um estudo de impacto”, diz ela. ” Portanto, o PL pode legitimar cada vez mais a presença de grandes indústrias de mineração, alimentícias e sanitárias, principalmente nessas áreas mais vulneráveis, impactando a saúde dessas comunidades”, conclui.

Além dos impactos ambientais, os especialistas também alertam para a retirada de direitos já garantidos à população, inclusive por leis nacionais e pactos internacionais. Um deles é o direito à consulta prévia sobre projetos que afetam territórios tradicionais, como previsto na Convenção 169 da OIT, como explica o ambientalista John Wurdig: “A consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais pode ser simplesmente desconsiderada. Esse projeto de lei representa o maior retrocesso ambiental que o Brasil pode enfrentar nos últimos anos — e justamente no ano da COP 30”, lamenta.

Fonte: Brasil de Fato

Foto: Reprodução/ Brasil de Fato/ Mandato Gabriel Magno

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