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A Ilha do Bananal não existe mais

A Ilha do Bananal não existe mais

Desde dos meus tempos de estudante do antigo ensino primário e ginasial que aprendi lendo os livros de geografia e também com os meus professores, que o Brasil possuía a maior ilha fluvial do mundo. A Ilha do Bananal, formada pela bifurcação do rio Araguaia que mantinha seu braço esquerdo com o nome de Araguaia e o braço direito com o nome de Javaé, denominação tomada emprestada dos índios Javaé, pertencentes ao mesmo grupo linguístico da nação Karajá. Estes últimos, habitam mais às margens do Araguaia, enquanto que os Javaé estão mais nos domínios das águas do rio Javaé.

A junção dos dois braços, ocorre próximo à cidade de Formoso, hoje Estado do Tocantins. Por força da minha formação universitária, por várias vezes fazia visita regular a então Ilha do Bananal para estudos antropológicos e geológicos. Era comum adentrar à ilha pelo Javaé, para isto atravessávamos nossos carros em balsas, com capacidade de transportar até três caminhões.

O tempo foi passando e trouxe para a realidade novos projetos, com base em novas tecnologias, fato que foi acompanhado de grandes transformações ambientais e sociais em todo vale do rio Araguaia e adjacências.  Segundo o geólogo Maximiliano Bayer da UFG, a cada ano o rio Araguaia fica mais largo e menos profundo, consequência das grandes modificações ocorridas no vale.

Com o incremento desses grandes projetos e a criação do estado do Tocantins, que transformou o Projeto Rio Formoso no maior projeto de irrigação do estado, para produção de grãos e melancia, caracterizado pela implantação de barramentos, em áreas sem aptidões para tal, a introdução de pastagens exóticas no interior da Ilha para o sustento do agora já grande pastoreio, todas essas ações foram minando as águas do Javaé até chegar a situação atual, que causou o desaparecimento do braço direito do Araguaia e como consequência a extinção da maior ilha fluvial do mundo. Entretanto, para que possamos entender esse processo, torna-se necessário alargarmos um pouco o horizonte e compreendermos a sub-bacia hidrográfica do Araguaia como um todo.

A noção de que “rio novo” seja aquele que ainda esteja definindo o seu leito principal não é correta. Calcular a idade de um rio, tomando como base a quantidade de sedimentos que transporta, ou simplesmente atribuir o seu período de existência, associando-o a origem geológica dos terrenos percorridos por suas águas, não são parâmetros seguros, nem podem ser generalizados.

Meandros abandonados, ao invés de significarem indícios juvenis, podem significar indícios de longevidade. Devem ser vistos como capítulos da história evolutiva de um rio. O transporte e o depósito de sedimentos dependem das formações geológicas regionais e das feições geomorfológicas. Se a idade geológica dos terrenos fosse também o único padrão utilizado para determinar a idade de um rio causaria uma extrema confusão.

O rio Araguaia, percorre terrenos Paleozóicos com milhões de anos, como também percorre terrenos bem recentes, que ele próprio formou pelo transporte de sedimentos, que às vezes não atingem o tempo de um século.
O tempo de vida de um rio pode ser definido por vários fatores, como largura e extensão da bacia hidrográfica, pelos fenômenos geológicos ocorridos regionalmente, pela história evolutiva que possibilitou a formação das paisagens etc. Entretanto, nada disso é compreensível, se não tivermos em mente que um rio não cresce para baixo, mas para cima, sempre à montante.

Nesta perspectiva, o rio Araguaia pode ser considerado como um dos mais antigos da história hidrográfica moderna da América do Sul. Teve suas origens associadas aos fenômenos de ordem geológico, climático e geomorfológicos, que formaram as paisagens modernas do Planeta, ou seja, as paisagens que existem atualmente e que tiveram seu início no alvorecer da Era Cenozóica, por volta de 65 milhões de anos antes do presente. Esta idade, refere-se apenas a uma fração de tempo, em relação às primeiras paisagens da Terra que datam de 4 bilhões e 600 milhões de anos, mas, por outro lado é o mais antigo capitulo evolutivo da história recente do planeta Terra. 

A história do rio Araguaia está associada aos fenômenos que contribuíram para a consolidação do Sistema Biogeográfico do Cerrado. Os movimentos epirogenéticos ou subida lenta de grandes áreas que formaram o Planalto Central Brasileiro, mudaram a direção de alguns cursos d’água que hoje correm para o Araguaia e possibilitaram que o próprio rio Araguaia começasse uma trajetória que o levasse através do Tocantins/Amazonas até o oceano Atlântico.

O rio Araguaia nasce em território goiano, na borda norte de uma extensão de área sedimentar de idades que vem desde a Era Paleozóica. Área esta, denominada geologicamente de Bacia Sedimentar do Paraná, em cotas próximas a 900 m, na região do entorno do Parque Nacional das Emas, no Município de Mineiros.

No curso de seus primeiros 300 km, o rio Araguaia corre em rochas sedimentares, com seu vale bem encaixado, seguindo a estrutura dessas rochas, até atingir a planície do Bananal. A principal feição geológica nesse trecho é o Domo do Araguainha, estrutura de impacto de meteoro, que embora tenha seu núcleo em Mato Grosso na cidade de Araguainha, possui grande influencia na geomorfologia do curso superior do Araguaia.No início da planície do Bananal, afloram rochas gnáissico-granítica e vulcano sedimentares de idade Pré-Cambriana, que formam, geologicamente falando, o embasamento ou substrato da grande bacia sedimentar do Paraná.

Desde sua nascente, até a planície do Bananal, o rio Araguaia desce de cotas de 900 m. para cotas próximas de 300 m, adquirindo feições de rio juvenil encaixado, passando, a partir da planície, a desenvolver seu percurso sinuosamente em meandros, evidenciando assim formas geomorfológicas com características de rio de curso normal. A partir da planície, também podem ser observados afloramentos de rochas Quaternárias de deposição recente em contato sobreposto às rochas Pré-Cambrianas.

A planície do Bananal é uma extensa fossa tectônica em atividade, que tem o seu fundo, já subsidio em aproximadamente 5.000 m. desde o período Cretáceo e continua neste processo dinâmico de movimento descente.
O comportamento dessa fossa tectônica termina na sua ponta norte, já no Estado do Tocantins, extremo norte da Ilha do Bananal. A partir deste ponto o rio adquire uma nova feição juvenil, encaixado em rochas estritamente Pré-Cambrianas até sua barra no rio Tocantins, junto à cidade de Marabá, na região conhecida como Bico do Papagaio.

O rio Araguaia é alimentado no seu curso superior por águas do aquífero Guarani, associado às formações geológicas Botucatu e Bauru, a partir do seu curso médio os aquíferos Urucuia e Bambuí são responsáveis maiores pela sua alimentação. A recarga desses aquíferos depende da água da chuva que cai nos chapadões e sua absorção pela vegetação nativa do cerrado. Todavia, esses aquíferos se encontram em situações melindrosas, porque não estão sendo recarregados o suficiente, para manter a perenidade e o fluxo d’água, para as nascentes, córregos e afluentes que alimentam o Araguaia.

Diante do exposto, pode-se colocar a seguinte indagação: Por que o rio Araguaia ainda não desapareceu? Felizmente conhecemos algumas respostas. A principal se refere aos níveis dos lençóis freáticos, que são aqueles depósitos acumulados durante os dois últimos períodos chuvosos. A água destes lençóis, em função da declividade do terreno escorre direto para a calha do grande rio. Estes lençóis ainda se encontram em condições razoáveis de preservação, tendo em vista as condições pluviométricas que se tem mantido constante e a condição dos ambientes ciliares, razoavelmente preservados.

Com a possibilidade de redução dos ambientes ciliares, pelas mudanças propostas para o Código Florestal Brasileiro, grande parte do lençol freático, será inevitavelmente afetada ao longo do rio, o que resultará numa diminuição drástica do seu volume de água, num processo crescente, até afetar a vida do próprio rio.

Diferentemente dos sólidos, a água não possui força de resistência, fluindo em qualquer tipo de declividade. O escoamento das águas pluviais depende da capacidade de infiltração. Se a água da chuva encontra um solo desprotegido, sem vegetação original, a infiltração diminui acentuadamente aumentando a velocidade do escoamento superficial, causando erosões e assoreamento.

Correntes fluviais recebem água de vários pontos, incluindo o fluxo laminar e chuva que cai diretamente nos canais. Entretanto, o fluxo de canal proveniente das chuvas, é um fenômeno efêmero. O que mantém a perenidade de um rio é a água fornecida pela umidade do solo e pelos aquíferos. Em ambos os casos a retirada da cobertura vegetal reduz a umidade do solo e a reserva de água nos aquíferos, fatores que afetam diretamente a vida de um rio.

O rio Araguaia em função de sua história evolutiva, e, também porque já atingiu seu estágio de equilíbrio, num tempo mais curto que possamos imaginar se transformará num ambiente desolador, triste e sem vida, se as modificações ambientais na sua sub-bacia continuarem crescendo no ritmo em que se encontra.

Infelizmente, o progresso em ciência não é fácil. Os argumentos que, finalmente, levam a ciência a avançar são muitas vezes desagradáveis. Nós pesquisadores, não temos ainda total domínio de tecnologias eficazes para recuperação de áreas com degradação acentuada. Portanto, se quisermos evitar um desastre ambiental e uma convulsão social futura, o melhor caminho é a preservação.

Voltando aos parâmetros específicos da Ilha, esta foi descoberta em julho de 1773 pelo sertanista José Pinto Fonseca. Inicialmente recebeu o nome de ilha de Santana. O nome Bananal surge em virtude da grande quantidade de pacova existente no seu interior. Trata-se de uma planta cujas folhas se assemelham a bananeira, originária da Índia.

A Ilha do Bananal sempre foi considerada um laboratório vivo, tanto do ponto de vista da geologia, como da vida silvestre e da antropologia. É reserva ambiental brasileira desde 1959 e considerada reserva da biosfera pela Unesco desde 1993. Na realidade dentro dos limites da antiga Ilha do Bananal existem 4 unidades de conservação. Na parte sul se encontra a Terra Indígena Parque do Araguaia, ao norte está o Parque Nacional do Araguaia, ao qual se sobrepõe a Terra Indígena Iñawébohona, a nordeste e a Terra Indígena Wyhyna/Iròdu Irana ao norte.

Entretanto a Ilha do Bananal, também foi vista como área estratégica para conquista dos Sertões de Dentro. E, nesta perspectiva Getúlio Vargas, então presidente do Brasil a visita em 1940 para sedimentar a partir de então o grandioso empreendimento denominado Marcha para o Oeste, com o objetivo de contactar índios arredios e estabelecer um plano para o povoamento do interior do Brasil.  As idéias de Vargas são retomadas por Juscelino Kubitschek, que chega a ordenar a construção de um hotel na Ilha, com talheres em prata e taças de cristal, para incrementar o turismo. E através da Fundação Brasil Central, Cria a Operação Bananal para com a ocupação da Ilha, também ocupar de forma intensiva o centro do Brasil. Todas essas iniciativas trouxeram heranças ruins para Ilha tais como: A criação de estradas e a introdução da criação do gado bovino.

A Ilha do Bananal desde tempos remotos foi o paraíso dos índios Karajá, cuja grande nação se divide em Javaé que habitam as margens do rio Javaé, dentro da ilha, e grupos menores como os Karajá de Aruanã e os Xambioá ambos habitantes do Vale do Araguaia. Mais recentemente outros grupos indígenas fazem incursões até a Ilha, como é o caso dos Tapirapé e dos Xerente. No final do século XX, um pequeno grupo de Avá-Canoeiro habita áreas do Parque Nacional do Araguaia, levados até aí por Apoena Meirelles.
Como já foi dito, a Ilha do Bananal sempre foi o paraíso dos Karajá e nesse ambiente esta Etnia criou toda uma cosmogênese recheada com elementos que a compõem, inclusive o mito das suas origens, que diz terem surgido das profundezas das águas. Imagino a força do impacto nas mentes dessas populações ao olharem para suas lagoas, seus rios interiores e o próprio Javaé e verem como também sentirem todos agonizando em meio a tanta penúria.

Fonte: Altair Sales Barbosa

Escassez nos reservatórios e maior consumo de eletricidade ampliam importância da energia solar ao Brasil, aponta ABSOLAR

Escassez nos reservatórios e maior consumo de eletricidade ampliam importância da energia solar ao Brasil, aponta ABSOLAR

O baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas no País, conforme apontam o relatório recente da Agência Nacional de Águas (ANA), somado à projeção de um maior consumo de eletricidade em 2020, eleva a relevância da energia solar fotovoltaica ao Brasil.

A afirmação é do CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Rodrigo Sauaia. Segundo ele, a fonte solar fotovoltaica é cada vez mais estratégica ao País, pois ajuda a aliviar a operação do sistema elétrico nacional, economizando água dos reservatórios das hidrelétricas e reduzindo a necessidade de acionamento de termelétricas, mais caras e poluentes.

Há, ainda, outra tendência relevante para o planejamento do abastecimento elétrico do País: de acordo com informações da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o consumo de eletricidade no Brasil deve crescer aproximadamente 4,2% em 2020, na comparação com 2019, um avanço significativo. O principal motivo, segundo a CCEE, é o reaquecimento da economia nacional e a projeção positiva para o crescimento PIB deste ano.

Fonte: ABSOLAR

Rualdo Menegat fala sobre as contradições da mina Guaíba e os riscos impostos à população

Rualdo Menegat fala sobre as contradições da mina Guaíba e os riscos impostos à população

Um dos mais reconhecidos geólogos do mundo, Rualdo Menegat, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS, concedeu entrevista ao Observatório do Carvão e explicou por que a Mina Guaíba não pode sair do papel. Os argumentos do professor são irrefutáveis e precisam ser levados à população, pois são os moradores da região metropolitana de Porto Alegre os principais atingidos pelos males que a exploração do carvão mineral pode gerar. Confira a entrevista:

O Rio Grande do Sul precisa de uma mina de exploração de carvão?

No século XXI ninguém mais quer minas de carvão, ainda mais perto de casa. Trata-se de uma fonte de energia obsoleta e a mais agressiva ao meio ambiente. A Mina Guaíba, por exemplo, pretende se instalar no coração da Região Metropolitana de Porto Alegre, a 16 km do centro da capital, com potencial de impacto negativo à vida e ao patrimônio ambiental, material e cultural de 4,6 milhões de pessoas. Esse projeto oferece um risco tão grande a essa população que não valeria a pena implantá-lo, nem mesmo se o Rio Grande estivesse vivendo uma grave crise energética, que não é o caso. Uma mina de carvão tão próxima de um gigantesco aglomerado urbano e da água que o abastece pode causar sérios danos à saúde de seus habitantes. Então, é contraditório dizer que ela é necessária para fornecer energia à população, quando na verdade ela pode matar os consumidores dessa energia e degradar sua qualidade de vida. O Rio Grande do Sul tem vocação pioneira para inovar fontes de energia, como os parques eólicos. Então porque insistir em fontes de energia dos séculos XVIII e XIX?

Além disso, a exploração de carvão nunca trouxe riqueza para as regiões onde ela é realizada. Em qualquer lugar do mundo, essas minas trazem severos danos ambientais e empobrecem os habitantes locais. Quem quer visitar um lugar degradado pela mineração de carvão? Ninguém. Então, as minas de carvão afugentam as pessoas. Quando o ex-vice-presidente norte americano, Al Gore, visitou a região carbonífera dos Apalaches, nos Estados Unidos, ele disse que se um estrangeiro tivesse feito todo aquele estrago na paisagem, eles teriam que declarar guerra contra eles, tamanha a destruição do ambiente que essa mineração tem causado naquele país.

Porto Alegre e as demais cidades da região metropolitana foram ignoradas no EIA-RIMA da Copelmi. Estas cidades serão impactadas em caso de licenciamento da Mina Guaíba?

Há uma série de enormes contradições no EIA-Rima apresentado pelo minerador. É um documento que não se sustenta tecnicamente. O projeto pretende instalar uma Mina e lançar efluentes contaminados na água que abastece Porto Alegre, Guaíba, Eldorado do Sul e Canoas. O lançamento de efluentes acontecerá a tão somente 20 km dos pontos de captação de água. É lógico que haverá contaminação dessa água, ainda mais quando consideramos que o tempo de funcionamento dessa Mina é de pelo menos 23 anos. Além disso, a exploração de carvão produz muito pó, também com contaminantes, que será espalhado pelo vento sobre nossas cidades. Então é preciso reconhecer que haverá potencial impacto à vida da população da Região Metropolitana. Agora vejam o que propôs o Eia Rima: incluiu como área de influência indireta a região que se situa a 50 km a sul do local onde pretendem instalar a Mina. Essa região está a montante da mina, quer dizer as águas contaminadas da mina não escoarão para lá. Possíveis ventos, claro, poderão levar poeiras contaminadas, mas não água. Então como justificar tecnicamente que uma região distante 50 km da área da pretensa mina e situada a montante do escoamento da água seja considerada área de influência indireta (e de fato é), e a região de Porto Alegre situada a apenas 16 km a jusante do lançamento de efluentes não seja área de influência indireta?

Ora, então podemos perguntar: por que não querem discutir o assunto com a população da Região Metropolitana que justamente ficará com os maiores impactos negativos? Que passará a ser vista como região carbonífera para a qual turista nenhum vai querer visitá-la? Agora vejam que contraditório: os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul ficarão com os impostos, e os metropolitanos, com os prejuízos do impacto e ameaçados por enorme risco de ficarem com a água contaminada. Somente podemos concluir que a exclusão da Região Metropolitana é claramente uma manobra política grosseira, tecnicamente indefensável, própria de quem não quer enfrentar um debate técnico sério sobre o assunto.

Está mais do que evidente que a Mina Guaíba oferecerá severo risco ao abastecimento de água da Região Metropolitana. Para agravar, temos que considerar que Porto Alegre não tem, no momento, reservatórios de emergência caso venha acontecer um acidente industrial na água do Guaíba. Se isso por ventura venha acontecer – esperamos que nunca ocorra – a Capital poderá ficar sem água para abastecer sua população. É um brutal contrassenso colocar a Capital como refém desse empreendimento e sem ganhar nenhum centavo em troca. Isso significaria sitiar a Região Metropolitana.

Estão previstas, segundo a Copelmi, uma média de três explosões por dia na mina. É possível conter o pó (material particulado, que contém partículas muito finas, como as chamadas PM 2,5) dessas explosões? Para onde se deslocará essa poeira e qual seu impacto?

Quando analisamos os mapas da região, podemos mais claramente prever o percurso que faria a água contaminada para rios e aquíferos próximos à atividade de mineração. Diferente do percurso da água, a dispersão de partículas pelo vento pode se dar para todas as direções e alcançam longas distâncias. Veja o caso dos ventos que trouxeram material particulado das queimadas da Austrália para a atmosfera de Porto Alegre, ou das queimadas da Amazônia que obscureceram o céu de São Paulo. O Projeto da pretensa Mina Guaíba prevê a produção de 416 kg/h de material particulado que, ao longo de 23 anos de atividade, resultará em 30 mil toneladas de poeira. Impossível afirmar que esse pó não contaminará o céu das cidades da Região Metropolitana, podendo produzir danos à saúde de 4,6 milhões de habitantes.

O impacto desse pó é enorme. As residências dos bairros próximos ao superporto de Vitória, no Espírito Santo, conhecem muito bem o problema. Diariamente são contaminadas por pó preto que se origina do transporte de carvão dos navios para a área de estoque do porto. Os moradores desses bairros sofrem com aumento de doenças como asma bronquite entre outras. Se o transporte do carvão gera tamanha quantidade de pó, a ponto da sola dos pés ficarem escuras nas residências próximas, imagine ao lado de uma mina que produzirá 166 milhões de toneladas de carvão?

Agora veja, o material particulado possui vários tamanhos, entre os quais partículas muito finas, microscópicas, chamadas de PM 2,5, que ao serem inaladas podem entrar na corrente sanguínea. É uma contaminação que pode ocorrer sem porta de entrada, quer dizer, muito difícil de ser contida. Por isso, é melhor evitá-la.

Esses materiais particulados têm potencial cancerígeno? Quais são esses elementos?

Primeiramente devemos considerar que o carvão mineral não é a mesma coisa de carvão vegetal. Esse carvão que se utiliza nas churrasqueiras é proveniente da queima de galhos e troncos de árvores. O carvão mineral  provém da decomposição de vegetais que foram soterrados há muito milhões de anos atrás, passando por vários processos geológicos. Esse carvão é uma espécie de lixão químico. Contém mais de 76 elementos da tabela periódica. Entre eles, encontram-se os chamados de metais pesados, como berilo, cádmio, chumbo, manganês. São esses elementos que poderão estar no pó produzido pela mina de carvão. Os metais pesados são extremamente danosos à saúde humana e poderão causar severos danos, como câncer, pancreíte, e hipertensão. A lista de possíveis doenças é enorme. Os médicos fazem hoje um alerta ao afirmarem categoricamente que essas partículas PM 2,5 matam tanto quanto o fumo. Queremos ter uma mina que produz esse pó ao lado de nossas casas? Contaminando sem cessar a paisagem do pôr do sol do Guaíba?

Para Cristiano Weber, da Copelmi, “objetivo do projeto é viabilizar a política energética do Rio Grande do Sul”. O senhor concorda com isso?

Essa é uma questão interessante. Veja: se para viabilizar certa ‘política energética’ devemos ser reféns de uma mina de carvão com potencial de produzir enormes danos ao meio ambiente, de se fazer presente em nossas casas por meio de pó e água contaminados, então é evidente que essa política está equivocada. Ela é um claro paradoxo. Países como Alemanha e Inglaterra estão eliminando o carvão de suas matrizes energéticas. Estão substituindo por energias renováveis como a eólica e a solar. Estão tratando de tornar mais eficiente o consumo de energia. Essa é a política energética do século XXI: eficiência, diminuição de consumo, fontes renováveis, descentralização de sua produção.

O carvão, portanto, inviabiliza que o Rio Grande avance para patamares superiores das boas políticas energéticas e nos empurra para um passado que de longe já está superado. Além disso, políticas energéticas com base no carvão tenderão a diminuir o valor agregado dos produtos. Aumentará enormemente a tendência dos mercados evitarem produtos que se originem de processos que utilizem energias obsoletas que causam enorme dano ao ambiente e à saúde.

Mais ainda: devemos considerar que o carvão é o principal vilão da atual emergência climática. Porto Alegre e a Região Metropolitana, por se localizarem em terras baixas, poderão sofrer as consequências da elevação do nível do mar e, com ele, também do Guaíba. O uso do carvão não viabiliza nenhuma política energética. Ao contrário, nos traz enormes problemas energéticos. Para fazer frente aos impactos locais, regionais e planetários que seu uso promove, contraditoriamente nos empurra para aumentar o consumo de energia. Algo como a metáfora do cachorro mordendo seu próprio rabo.

Quais são os impactos no meio ambiente da mina?

Uma mina de carvão impacta todos os elementos do meio ambiente: solo, água, ar, fauna, flora e a sociedade. Ela atinge simultaneamente todas as escalas: local, regional e planetária. Ela se constitui na mais agressiva mineração que se tem notícia, de sorte que, na literatura mundial, diz-se que não há mina de carvão limpa. É tecnicamente impossível. No caso da pretensa mina Guaíba, ela afetará três grandes patrimônios que temos na Região Metropolitana: o patrimônio hídrico, representado pela formidável confluência dos rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí no Lago Guaíba, onde se acumula nada menos de 1 km³ de água doce. Um tesouro que devemos proteger com todas nossas forças. O patrimônio ecológico, representado pelo Parque Estadual do Delta do Jacuí, refúgio da fauna e flora ao lado de nossas grandes cidades. É um santuário ecológico que cumpre importantes funções para a qualidade de vida. Por fim, o patrimônio humano e cultural, representado pelas nossas cidades metropolitanas onde vivem 4,6 milhões de pessoas. É possível existir uma atividade que possa impactar simultaneamente todos esses patrimônios ao mesmo tempo? Sim, uma mina de carvão que pretende se situar a apenas 16 km do centro da Capital.

Vamos aos detalhes. O carvão mineral  possui muita quantidade de enxofre, que, quando exposto ao ar livre e à água da chuva, reage produzindo ácidos. A água fica tão ácida que acaba dissolvendo os metais pesados, como Pb, Be, Cd, Mn, Cu, Mg, Hg, entre outros. Assim, esses perigosos contaminantes poderão alcançar a água do Jacuí e chegar aos pontos de abastecimento das cidades metropolitanas. Além disso, esses metais pesados contaminarão as áreas alagadiças onde há plantio de arroz. Veja, o arroz tem a propriedade de ser um acumulador de cádmio. Assim, o arroz produzido nessa região poderá ficar contaminado com cádmio. Também todo santuário do Parque Estadual do Delta do Jacuí ficará contaminado, toda a fauna e flora.

E os impactos humanos?

Os impactos à sociedade também são inúmeros. Primeiro devemos seriamente considerar que essa pretensa mina não se instalará em um lugar vazio. Naquela área há agricultores que produzem grande quantidade de arroz orgânico entre outros produtos agrícolas que abastecem a região metropolitana. Há também inúmeros sítios com belas paisagens, com tica fauna e flora. Para instalar a mina, deverão remover todas as pessoas que tem suas economias baseadas na agricultura. Então a mina para se instalar, irá destruir economias e empregos já existentes. Em segundo lugar, haverá grande impacto à saúde dos moradores de toda a região do entorno da pretensa mina. Nada menos de 4,6 milhões de habitantes. Calcula-se que o impacto na saúde de uma mina de carvão seja de 9,5 dólares por tonelada. No caso do projeto da mina Guaíba, serão explorados 166 milhões de toneladas de carvão. Então o impacto na saúde será extremamente elevado. Quem vai paga esse custo? Poderá o já lotado sistema de saúde da região metropolitana suportar essa demanda? Evidente que não. Sequer o EIA-Rima analisou seriamente o impacto na saúde. Por fim, haverá um impacto econômico em Porto Alegre. Na medida em que se acumulam os problemas ambientais e de saúde, as pessoas irão sair de Porto Alegre e tampouco os turistas vão querer visitá-la.

Ora, Porto Alegre é uma cidade de serviços, com seu próprio charme, capaz de ser atrativa. Não por acaso por aqui aconteceram jogos da copa e anualmente se realizam inúmeros congressos e convenções, atraindo milhares de pessoas. Porto Alegre é também um dos mais importantes centros de tratamento de saúde da América o Sul. Quem vai querer visitar uma cidade impactada pela mineração de carvão? Ninguém. Então haverá impacto na economia de Porto Alegre. Mas, os impostos da mineração ficarão nos municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul. Quem vai pagar os prejuízos que essa Mina causará na Região Metropolitana?

Se o senhor pudesse fazer um alerta ao governador, qual seria?

Senhor governador. A mina Guaíba é um contra senso em todos os sentidos. É economicamente inviável, porque não poderá pagar os prejuízos à saúde, ao ambiente e ao patrimônio dos 4,6 milhões de moradores da região metropolitana. É socialmente injusta, pois afetará diretamente uma área com indígenas e agricultores e fará com que a geração de nossos filhos e netos tenha que arcar com um passivo ambiental sem retorno. É ambientalmente condenável, deteriorando nosso patrimônio hídrico e ecológico, representado pelo sistema do delta do Jacuí e lago Guaíba e colocará o Rio Grande no mapa dos que impactam o clima planetário.

Senhor governador: Lembre-se que o Guaíba é o destino dos porto-alegrenses e metropolitanos. Nossos organismos são compostos por 70% de água, esta que bebemos do Guaíba. Nós somos o Guaíba. O que acontecer ao Guaíba irá acontecer conosco.

Senhor governador: não seja refém de uma situação que tua geração não criou. Olhe para frente, para os problemas do século XXI, que exigem energias limpas, água e ar saudáveis, agricultura ecológica. Não vá para a história como o governador que permitiu que a capital e a região metropolitana fossem sitiadas pelos coronéis do carvão.

Rualdo Menegat é professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS, geólogo, Mestre em Geociências (UFRGS), Doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem (UFRGS), Doutor Honoris Causa (UPAB, Peru). Assessor científico da National Geographic Brasil, membro da Cátedra da UNESCO/Unitwin – Foro Latino-Americano de Ciências Ambientais, Membro Honorário do Fórum Nacional dos Cursos de Geologia, membro da International Commission on History of Geological Sciences (IUGS) e Presidente da Sessão Brasileira da International Association for Geoethics. 

Em documento, Dmae cogita desistir de projeto de captação de água no Jacuí em razão da Mina Guaíba

Em documento, Dmae cogita desistir de projeto de captação de água no Jacuí em razão da Mina Guaíba

Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre cita “alertas de preocupação com possível prejuízo à qualidade” do líquido após instalação de polo carboquímico

Um documento enviado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) de Porto Alegre para o Ministério Público Estadual (MP-RS) em 2019 revela que o órgão cogita desistir de um antigo plano que prevê a instalação de um ponto de captação no Rio Jacuí em busca de água mais limpa do que a disponível no Guaíba para abastecer a Capital. O motivo para a mudança de planos, conforme o ofício número 103/2019, são “alertas de preocupação com possível prejuízo à qualidade das águas” do Jacuí em razão da eventual abertura da Mina Guaíba às margens.

O relatório compila informações de uma análise técnica realizada pelo órgão municipal em 2016. Até agora, por razão desconhecida, apenas parte daquela antiga avaliação havia sido remetida para a promotora de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, Ana Marchesan. A versão parcial trazia somente uma análise feita pela Gerência Ambiental e de Tratamento de Esgoto do Dmae, e não identificava grandes problemas na escavação da mina. O texto concluía que “cumpridos os padrões ambientais indicados nas normas, bem como o preconizado nos volumes do EIA (Estudo de Impacto Ambiental), espera-se mínimo impacto à qualidade das águas brutas que ingressarão no Delta do Rio Jacuí”.

Mas o documento completo, remetido apenas no dia 21 de agosto de 2019 com assinatura do atual diretor-presidente, Darcy Nunes dos Santos, inclui pareceres de outras diretorias como Tratamento e Meio Ambiente, Planejamento e Desenvolvimento. As análises são menos otimistas em relação às possíveis consequências da exploração do mineral. O compilado atesta: “Em resumo das manifestações técnicas do Dmae acerca da instalação da Mina Guaíba, há reiterados alertas de preocupação com possível prejuízo à qualidade das águas do Rio Jacuí para captação visando ao abastecimento dos sistemas Moinhos de Vento e São João de Porto Alegre”.

Essa preocupação vem do fato de que o Plano Municipal de Saneamento Básico prevê a instalação de um novo ponto de captação de água para a cidade em um local do Jacuí próximo ao chamado Saco Assombrado, não muito longe da Ilha Grande dos Marinheiros, entre 2031 e 2035.

O líquido captado nesta área, a fim de reforçar o abastecimento na cidade, seria enviado para os sistemas de distribuição Moinhos de Vento e São João, que atendem a 50 bairros onde vivem cerca de 745 mil pessoas (aproximadamente metade da população da Capital). Assim, um eventual acidente que comprometesse a qualidade da água do Jacuí afetaria o novo ponto de captação para Porto Alegre e boa parte da rede municipal.

O relatório prossegue: “Há também manifesta preocupação com a qualidade da água disponível para a Estação de Tratamento de Água existente na Ilha da Pintada, que atende aproximadamente 8.500 habitantes em Eldorado do Sul, Ilha da Pintada, Ilha das Flores, Ilha Grande dos Marinheiros e Ilha do Pavão”.

Como resultado desses riscos, o Dmae informou ao Ministério Público existir “grande possibilidade” de que a instalação de um novo ponto de captação no Jacuí seja eliminado nas próximas revisões do Plano de Saneamento. Nesse caso, o Dmae teria de buscar alternativa para garantir a segurança e a qualidade do abastecimento no município.

GaúchaZH solicitou uma entrevista sobre o assunto à direção do Dmae, mas o pedido foi recusado. O gabinete do prefeito Nelson Marchezan informou que a prefeitura de Porto Alegre só se manifestará a respeito após deliberar sobre o projeto da mina de forma conjunta com diferentes secretarias.

Fonte: GaúchaZH
Foto: Joel Vargas / PMPA

Uma mina de problemas ambientais

A reportagem de M. Gonzatto sobre a Mina Guaíba (ZH;18-19/01/20) reabre a discussão sobre a ‘mina’ de problemas ambientais. Fomentar esse empreendimento anula esforços mundiais ao combate das mudanças climáticas. Os incêndios na Austrália ligam sinais de alerta, com grande perda de vida humana, fauna e flora, onde o carvão mineral é importante fonte da matriz energética. Precisamos considerar os fatos mundiais.
Busco alertar a sociedade, pois, a discussão precisa ser democrática e racional. Não haverá lucro financeiro sustentável por vários motivos, muitos apontados por Gonzatto. Abrir mão dos subprodutos da mineração será optar pela transição energética e possibilitar o desenvolvimento sustentável territorial para as próximas gerações.

Quando a empreendedora Copelmi fala nos empregos que criará não fala na qualidade dos mesmos. Nossa população merece trabalho que gere evolução através de meios sustentáveis. Sr. Governador, subsidie a construção de usinas de energia eólica e solar fotovoltaica. Amplie a participação da energia renovável na matriz energética do RS. Se precisamos importar insumos para nossa produção (como cita a reportagem), ainda é mais barato que sofrer impactos ambientais irreversíveis.

No contexto ambiental e da saúde pública, caso licenciada a mina, o sítio designado perderia 2 mil ha da cobertura vegetal atual. Por estar perto da região metropolitana e contígua ao Parque Delta do Rio Jacuí, há uma série de peculiaridades à ecologia do local. Esta seria impactada por obras que alterariam os padrões de drenagem, afetando o lençol freático, entre outros complexos problemas será o aumento da poluição do ar pela poeira química fina, produzida pela mineração. Mesmo com tecnologias modernas a poeira no ar é conhecida em regiões que contêm minas de carvão. Antes de fomentar a exploração de mais uma fonte fóssil de energia, vamos investigar cientificamente os impactos ambientais.

Eloisa de Moraes
Ambientalista e Dra. em Planejamento Urbano e Regional