A participação da sociedade civil brasileira na 3ª Conferência da ONU sobre o Oceano (UNOC3) contou com a presença marcante do Instituto Internacional ARAYARA, que levou pautas urgentes sobre justiça climática, transição energética e o protagonismo das comunidades tradicionais na proteção dos oceanos.
Com atividades realizadas entre os dias 7 e 12 de junho, em Nice, na França, a organização se destacou por articular denúncias sobre a expansão da indústria de combustíveis fósseis e por reforçar a necessidade de um oceano livre de petróleo e gás.

UNOC – Evento de abertura
Com o tema “Acelerar a ação e mobilizar todos os intervenientes para conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos”, a conferência buscou avançar na implementação do ODS 14 (Vida na Água) e consolidar compromissos da Década da Ciência Oceânica (2021–2030). Renata Prata, coordenadora de Advocacy da ARAYARA, destacou que apesar de avanços anunciados, como a ampliação de áreas marinhas protegidas no Brasil na perspectiva do 30x30x30 — de 26% para 30% — e o lançamento das chamadas “NDCs azuis”, o governo brasileiro foi criticado por não aderir ao compromisso global de combate à poluição plástica marinha.
Protestos, painéis e diplomacia ambiental
No dia 7/6, a ARAYARA participou da “Blue March” nas ruas de Nice, com o lema “Amazônia livre de fósseis”, unindo-se a lideranças de comunidades costeiras e organizações internacionais em protesto contra a exploração de combustíveis fósseis na margem equatorial brasileira.
No dia seguinte (8/6), Renata Prata esteve presente no “Parliament of the Sea”, acompanhando o lançamento da Interparliamentary Coalition for Ocean Protection, ao lado dos deputados Túlio Gadêlha (REDE-PE) e Marquito (PSOL-SC). “Nesse encontro, tivemos um diálogo direto com o senador dos EUA Sheldon Whitehouse (Partido Democrata), crítico da indústria petrolífera, e que demonstrou interesse em construir pontes com a sociedade civil rumo à COP30”, revelou.
A atuação da ARAYARA seguiu intensa nos dias subsequentes. Durante a abertura oficial da UNOC (9/6), com falas de líderes como Emmanuel Macron, António Guterres e do presidente Lula, Prata destacou a ausência de menções claras sobre os impactos diretos da expansão fóssil sobre o oceano, mesmo com a crescente transformação do mar como nova fronteira energética.
Denúncias sobre GNL e impactos da indústria fóssil
Nos eventos paralelos à conferência, a ARAYARA foi protagonista em duas importantes mesas internacionais. Em 10 de junho, participou da conferência “LNG Expansion Threats to Marine Biodiversity”, organizada pela NRDC, ao lado de organizações da Alemanha, EUA, Filipinas e México. Segundo Prata, o painel revelou os impactos do gás natural liquefeito (GNL) sobre a biodiversidade marinha, comunidades costeiras, trabalhadores e o clima. “A presença de pesquisadores e ativistas internacionais proporcionou uma visão ampla sobre os danos sistêmicos dessa cadeia energética”, ressaltou Prata.
Encontros estratégicos e articulações para a COP30
Durante os dias de conferência, Prata também dialogou com o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, sobre o leilão de blocos na Foz do Amazonas e a exclusão de comunidades pesqueiras dos processos preparatórios. Em nome da ARAYARA, ela também cobrou coerência entre os compromissos ambientais firmados e as políticas de exploração de petróleo e gás defendidas pelo governo.
Em outro evento paralelo com o político estadunidense, John Kerry; a diretora executiva da COP30, Ana Toni; e representantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM), Prata reforçou que a efetividade das metas 30x30x30 depende da participação e liderança das comunidades tradicionais e extrativistas. Carlinhos, da CONFREM, foi amplamente elogiado ao afirmar que o modelo das RESEX deve ser prioritário na criação de áreas protegidas, tendo em vista que garantem os direitos humanos de povos extrativistas e que essas populações são as verdadeiras gestoras dessas áreas.
No dia 10 de junho, a ARAYARA co-organizou o evento paralelo “De Nice a Belém: Sociedade Civil Brasileira Convida a Comunidade Oceânica Global para Conversar sobre o Oceano e o Clima”. A atividade reuniu representantes de diferentes setores da sociedade civil comprometidos com a justiça climática e a preservação dos ecossistemas marinhos. Entre os destaques do evento, esteve a participação de Kátia Barros, representante da CONFREM. Em sua fala, Kátia apresentou as Escolas das Marés e das Águas, uma iniciativa voltada ao fortalecimento de comunidades extrativistas, costeiras e marinhas. O projeto busca construir saberes e alternativas de enfrentamento à emergência climática a partir da vivência e do protagonismo dessas populações tradicionais.

Lançamento do Relatório “Ocean Frontiers at Risk: Fossil Fuel Expansion Threats to Biodiversity Hotspots and Climate Stability”, do qual ARAYARA é coautor.
Participação em painéis temáticos e defesa de direitos humanos
Prata também representou a ARAYARA em eventos sobre pesca sustentável, estratégias legais para responsabilizar emissores privados de gases de efeito estufa e proteção de defensores ambientais. No encerramento do dia 11, participou do lançamento do manifesto “A Call to Action to Support and Safeguard Ocean Defenders”, ouvindo relatos de defensores do Senegal, Ghana e povos indígenas como os Mapuche.
No dia 12/6, a organização lançou, em parceria com a Earth Insight, o relatório “Ocean Frontiers at Risk”, que alerta para a ameaça representada pela expansão da indústria fóssil em hotspots de biodiversidade. O evento, no Pavilhão #ForCoral, destacou as implicações para a estabilidade climática global.
O diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno de Araújo, explica que em todas essas frentes, a organização reafirma seu papel de denúncia, construção de alianças e proposição de alternativas sustentáveis. “Nossa missão aqui é clara: colocar as vozes das comunidades na linha de frente, combater a hipocrisia dos discursos verdes que ignoram os fósseis e defender um oceano justo e vivo”, declarou.
Sobre a ARAYARA
O Instituto Internacional ARAYARA é uma organização brasileira com 33 anos de atuação nas áreas de energia, justiça climática, litigância estratégica e campanhas globais contra combustíveis fósseis. Ao longo de sua trajetória, a instituição já evitou a emissão de mais de 3 bilhões de toneladas de CO₂, salvou aproximadamente 675 mil vidas e ajudou a prevenir danos econômicos estimados em US$ 1,2 trilhão.
No último dia 17 de junho, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) arrematou 34 dos 172 blocos ofertados no 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC) de petróleo e gás. A ARAYARA, entretanto, ingressou com cinco ações civis públicas na tentativa de suspender o leilão, denunciando a ausência de estudos ambientais adequados e os potenciais impactos sobre territórios indígenas e unidades de conservação.
De acordo com Araújo, apesar da abertura de novas frentes de exploração na Amazônia, a ARAYARA celebrou avanços importantes. Nenhum dos blocos incidentes sobre Áreas de Influência Direta (AID) de Terras Indígenas foi arrematado, e tampouco houve vendas na Bacia Potiguar — que abrange ecossistemas sensíveis como o Arquipélago de Fernando de Noronha.
“Dos 118 blocos considerados litigiosos, apenas 23 foram efetivamente vendidos, o que representa uma taxa de sucesso de 80,5% para os esforços da sociedade civil e dos movimentos socioambientais na contenção da expansão fóssil”, celebrou o diretor da ARAYARA.