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Pescadoras denunciam falta de apoio a afetados pelo derramamento de petróleo

Pescadoras denunciam falta de apoio a afetados pelo derramamento de petróleo

Representantes das pescadoras e das marisqueiras criticaram a falta de apoio a todos os profissionais da cadeia da pesca afetados com o derramamento de petróleo no litoral brasileiro em 2019. Diana Maia, educadora do Conselho Pastoral dos Pescadores do Ceará, e Maria Eliene Pereira, da Articulação Nacional das Pescadoras, estiveram nesta terça-feira (3) na quinta audiência pública da comissão mista que examina a MP 908/2019, que criou um auxílio provisório aos pescadores.

Diana Maia criticou que a MP não alcança todos os pescadores dos estados afetados, pois o governo federal não tem concedido o registro de pescador profissional (Registro Geral de Atividade Pesqueira – RGP), que comprova a ocupação.

— Há vários anos não são emitidos novos RGPs. Além disso, vários pescadores que possuem o RGP não têm sido relacionados como recebedores ou os créditos não são feitos em suas contas. Como fica a situação dessas pessoas que sustentavam suas famílias com a pesca?

Por sua vez, Maria Eliene Pereira, marisqueira “há dezenas de anos”, denunciou que os manguezais e os estuários não foram afetados apenas pelos dois meses que o auxílio proposto cobre.

— Não sabemos o quanto os efeitos do petróleo perdurarão e poderão afetar a nossa saúde e a saúde de quem consumir o pescado. Nós vendíamos 70 kg de pescados e mariscos por mês e agora só vendemos 5 kg, após o derramamento do petróleo. 

Ela frisou que é preciso saber quem foram os culpados pelo derramamento do petróleo. Segundo ela, o governo silenciou sobre o assunto.

A MP 908/2019

O auxílio criado pela MP 908/2019 é de R$ 1.996 (equivalente a dois salários mínimos em 2019) e contempla pescadores domiciliados nos municípios afetados pelo desastre ambiental. De acordo com o Ministério da Agricultura, em torno de 66 mil pescadores artesanais deverão receber o benefício, perfazendo um total de R$ 115,5 milhões em desembolsos.

A comissão mista é presidida pelo deputado Raimundo Costa (PL-BA) e tem o senador Rogério Carvalho (PT-SE) como relator. Foram apresentadas 178 emendas de senadores e deputados. Uma delas inclui no benefício as profissionais marisqueiras, como Maria Eliene, fora do texto enviado pelo governo ao Congresso. Outra emenda aumenta o auxílio para R$ 3.992,00, aproximadamente quatro salários mínimos.

Fonte: Agência Senado

Óleo já atingiu mais de 40 unidades de conservação, diz artigo publicado na Science

O derramamento de óleo que atingiu a costa brasileira a partir de agosto de 2019 já impactou mais de 40 unidades de conservação marinho-costeiras do Brasil e pode ser comparado ao maior desastre ambiental causado por derramamento de óleo no mundo: a explosão da plataforma Deepwater Horizon, em 2010, no Golfo do México, dizem pesquisadores. Inércia do governo brasileiro em enfrentar a crise agravou problema.

As análises estão em três artigos publicados na última semana na revista científica americana Science e são assinadas por pesquisadores de instituições de pesquisa do Brasil, Europa e Austrália.

“Os primeiros estudos que saíram sobre o impacto do óleo foram muito subestimados. Eles falavam de 14-15 unidades de conservação impactadas, mas verificamos que esse número passa de 40. São unidades de várias categorias, em áreas de costões rochosos, leitos de algas calcárias, praias, manguezais, estuários marinhos, leitos de algas marinhas e recifes de corais, em um conjunto único de ecossistemas costeiros ainda pouco conhecidos”, explicou a ((o))eco o biólogo Marcelo Soares, que liderou o estudo em questão, intitulado “ Brazil Oil Response: Time for coordination”.

Soares, que é mestre em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Geociências pela Universidade Federal do Ro Grande do Sul, explica que outros grandes impactos causados por óleo já foram registrados, porém, em regiões temperadas de países desenvolvidos ou com menor extensão geográfica e alta frequência, como o ocorrido na Nigéria.

Dada sua extensão (mais de 3 mil km), impactos registrados em regiões de grande importância biológica e falta de resposta eficiente do governo em combater a crise, os pesquisadores consideram que o ocorrido no Brasil é o mais extenso e severo desastre ambiental já registrado em oceanos tropicais. A título de comparação, o derramamento de óleo no Golfo do México atingiu 2,1 mil km e contou com resposta imediata do governo americano, o que não foi o caso do Brasil.

Fonte: O Eco

Oil Toys: chegaram os brinquedos que já vem afetados pelo maior vazamento de óleo do Brasil

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A INNOCEAN Worldwide Brazil fez uma parceria inédita com a Arayara, o Observatório do Petróleo e a 350.org Brasil! Essa parceria recorreu ao humor para fazer um alerta muito importante: quanto menos o governo se esforça para conter o vazamento, mais animais morrem.

O primeiro vídeo da recente parceria foi exibido hoje, na COP-25, em Madri, durante a exposição #MarSemPetróleo. O recado é claro: NÃO DEIXE O MAIOR VAZAMENTO DE OLEO DO BRASIL VIRAR BRINCADEIRA!

Confira o vídeo:

 

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COP-25: fotos do maior vazamento de óleo do Brasil são expostas em Madri

COP-25: fotos do maior vazamento de óleo do Brasil são expostas em Madri

Em outubro, durante o maior vazamento de óleo da história do Brasil, uma foto correu o mundo pelo impacto que gerou. O registro, feito pelo fotógrafo pernambucano Léo Malafaia, trazia Everton Miguel dos Anjos, de apenas 13 anos de idade, saindo do mar coberto de óleo. O menino queria ajudar a mãe, que trabalhava em um quiosque na beira da praia de Itapuama, no Cabo de Santo Agostinho. Essa e outras duas fotos de Léo foram levadas pela Arayara, 350.org e COESUS para uma exposição que as entidades promovem na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2019 (COP-25), que acontece em Madri (Espanha). Confira, a seguir, um pouco do sentimento de Malafaia sobre o vazamento e seus registros.

Como foi o teu primeiro contato com as praias sujas pelo óleo? E quais praias tu fotografaste?
Estava a serviço da Folha de Pernambuco. O primeiro contato foi o mais intenso, primeiro pelo volume de óleo que chegou nas praias, e, segundo, pela presença massiva de voluntários trabalhando. Isso aconteceu no dia 21 de outubro, nas praias do Paiva, Itapuama e Pedra do Xaréu. Retornei para essas mesmas praias no dia 22, para acompanhar a chegada da Marinha e do Exército. Esperava-se uma quantidade razoável de agentes, porém, encontramos 60 homens, o equivalente a 1,2% do efetivo disponibilizado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, que era de 5.000. No dia 23, o óleo chegou na Praia do Janga, em Paulista/PE. Foi quando percebi os sintomas relatados por tantos outros voluntários: dor de cabeça, tontura e náuseas. Fiquei pouco tempo no Janga, mas a situação era muito semelhante a que encontrei no litoral sul. Além de Pernambuco, fotografei as praias de Maragogi e Japaratinga, no estado de Alagoas.

Falaste que as praias pareciam um cenário de guerra. O que viste por lá? Tinha poder público, ONGs, voluntários, imprensa?
Era muito similar ao que assistimos em filmes, e, em cenas de guerra. Havia uma presença do estado, mas esta era ínfima e desencontrada. Isso porque não havia um protocolo a ser seguido. Da mesma forma, não havia informações suficientes e equipamentos de proteção adequados. O que vi foi um número muito grande de voluntários, moradores locais e de ONGs atuando onde o poder público deveria atuar. 

Foto: LEO MALAFAIA / Folha de Pernambuco / AFP

O que as pessoas que estavam lá ajudando a limpar as praias relatavam?
De modo geral, o sentimento era de revolta. As pessoas não estavam com medo da contaminação e, acredito, naquele momento, não se pensava muito nisso. O desejo maior era o de limpar, ao menos, superficialmente o local onde muitos de nós, pernambucanos, crescemos. É a nossa história manchada de óleo e fomos nós, pernambucanos e nordestinos, que nos arriscamos e tentamos limpar sujeira do mar, no braço.

Qual a situação, hoje, nos locais afetados pelo vazamento de óleo?
À época do incidente, e não por acaso, o governo federal correu para anunciar que o litoral estava seguro. E de fato, por um tempo, as declarações surtiram efeito. Mas diferente de alguns meses atrás, o que acompanho hoje é a crescente preocupação com a contaminação das praias e do pescado. Naturalmente, o consumo de frutos do mar caiu e já é possível, também, sentir uma queda no turismo. Em novembro, amostras de peixes apresentaram níveis de contaminação por óleo. Resta, infelizmente, esperar para ver o que o futuro nos reserva.

Qual a foto tua que mais acreditas que mostre o que de fato aconteceu?
A foto de Everton, sem dúvida, sintetiza bem o drama social e ambiental que o nordeste enfrenta. É o retrato do descaso, recorrente, dos governos com a nossa gente. 

Acredito que estas fotografias estão carregadas com a força necessária para permitir que o esforço e, sobretudo, o risco assumido por tanta gente, não tenha sido em vão. 


A foto do Everton correu o mundo e virou pauta na imprensa do Brasil e do mundo. Quando fizeste aquela foto, qual a tua sensação? O que pensaste ao olhar aquela cena, aquele menino saindo do mar coberto de óleo?
Acima de tudo, é uma criança. Era o dever maior do Estado zelar por sua segurança e seu bem-estar. Mas não foi o que aconteceu. Assim como ele, havia outras tantas espalhadas pelas praias que fotografei, e, certamente, em outras praias do nordeste, lutando para salvar o seu sustento e o sustento da sua família. Everton representou – para mim – voluntários, pescadores e moradores, numa fotografia e imagem longe da que – até então – era romantizada pelos brasileiros nas redes sociais. Ela é, sim, um retrato cruel do que a falta de políticas públicas voltadas para o meio ambiente pode causar.

Acreditas que a imprensa tenha um papel especial em casos de desastres como esse? Queria que falasse um pouco desse papel.
Se a história está nos mostrando algo é que casos como: os rompimentos das barragens de Brumadinho e Mariana, as queimadas na Amazônia e o vazamento de petróleo na costa brasileira, não foram desastres naturais. Elas são crimes ambientais. A imprensa tem papel fundamental na exposição dos casos como tal. Além disso, é nosso papel pressionar os responsáveis pelo gerenciamento das crises e pela rápida elucidação dos casos. As pessoas – ainda – nos cobram e aguardam respostas, devemos isso a elas.

Foto: LEO MALAFAIA / Folha de Pernambuco / AFP


E como é ver teu trabalho sendo exposto na COP-25 e retratando o maior vazamento de óleo do Brasil?
É imperativa e urgente uma resposta à crise ambiental no Brasil. Toda essa comoção em torno do meu trabalho e do trabalho de outros excelentes fotógrafos nordestinos deve culminar em ações concretas de lideranças políticas. Acredito que estas fotografias estão carregadas com a força necessária para permitir que o esforço e, sobretudo, o risco assumido por tanta gente, não tenha sido em vão. 

Especialista em contaminação por petróleo está perplexa: “Nunca vi tanta irresponsabilidade”

Marco Zero Conteúdo conversou esta semana com a especialista Lia Giraldo, a profissional mais experiente de Pernambuco e uma das mais experientes do Brasil em contaminação por materiais tóxicos. Num papo de quase uma hora em sua sala no Instituto Aggeu Magalhães, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela teceu fortes críticas à omissão com a saúde e o meio ambiente no desastre do petróleo que atingiu os nove Estados do Nordeste e também o Espírito Santo e que segue impune há quase três meses. Ela diz estar perplexa com a situação e afirma não haver justificativa para tanto sigilo.

Lia é doutora em Ciências Médicas e pesquisadora titular aposentada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Pioneira nos estudos sobre contaminação por benzeno (substância encontrada no petróleo), é uma cientista atuante na área da saúde pública. Nascida em São Paulo capital, trabalhou por 21 anos na região da Baixada Santista. Sua grande escola, porém, foi a região de Cubatão, onde houve, nas décadas de 1980 e 1990, graves problemas ambientais incluindo uma epidemia por intoxicação de benzeno.

Morando no Nordeste há muitos anos, Lia também integra o Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrasco). Apesar de aposentada, continua na ativa como docente no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública no Instituto Aggeu Magalhães e no Doutorado em Saúde, Ambiente e Sociedade da Universidade Andina Simón Bolivar (visitante), em Quito, no Equador.

Na sua avaliação e pela sua experiência, quais são os efeitos do contato com o petróleo nesse desastre a curto, médio e longo prazos?

O petróleo é uma mistura de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, às vezes também sulfúricos e com outros produtos, como metais. Alguns desses produtos têm uma penetração muito rápida no organismo por contatos pelas vias aéreas, pela pele e até por ingestão. A quantidade não é muito importante no processo da intoxicação crônica. Os efeitos agudos é que dependem mais da quantidade e também da susceptibilidade da pessoa – se ela é, por exemplo, mais alérgica, se tem desnutrição, se é uma criança, se é mais magra ou gorda. Isso porque os produtos são lipofílicos, têm afinidade com a gordura, vão para os tecidos gordurosos e vão sendo liberados aos poucos. Então pode-se ter efeitos agudos e subagudos, mesmo meses depois.

Além disso, não se trata de uma única substância, é um conjunto. Então, no organismo, elas são metabolizadas e, nesse processo, há interações. Há uma variação de pessoa para pessoa e também uma variabilidade da exposição. Então por isso temos que valorizar todos que foram expostos, agudos, subagudos e crônicos. O grande problema desses crônicos é que, além da gravidade, as pessoas não fazem a relação com a exposição. Depois de um tempo, elas esquecem e os profissionais de saúde não perguntam. E aí a doença muitas vezes é confundida com outra causa e institui-se um tratamento que pode até complicar o quadro.

Nos efeitos mais agudos, tem-se principalmente os distúrbios relacionados ao sistema nervoso central porque, ao entrar no organismo, esses produtos vão direto para o cérebro e dão manifestações como tontura, vômito, efeito de embriaguez, perda de atenção, tremor, distúrbio de visão e até perda auditiva. Gestante expostas podem ter efeitos no concepto, desde os mais leves, como baixo peso ao nascer, até má formação congênita. Em Cubatão, tivemos casos de anencefalia, quando não há cérebro, por exposição a hidrocarbonetos aromáticos. A literatura científicas tem muita informação sobre isso.

Não quer dizer que isso vai acontecer, isso pode vir a acontecer. Então, as pessoas precisam ser alertadas e é necessário fazer o monitoramento das populações através de uma vigilância até para, caso aconteça, termos uma linha de base para comparar antes e depois dessa tragédia. Por isso, a pesquisa é importante. Porque já não temos medidas de prevenção, o desastre já aconteceu e a exposição também. Claro que há pessoas que continuam expostas, as que residem nos lugares afetados. Nesse caso, temos que ter um cuidado ainda mais intenso.

Essa política pública de vigilância está sendo feita?

Eu não sei por que tanta confusão diante de uma coisa que é relativamente já estabelecida. Nós temos um Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica para doenças infectocontagiosas, transmissíveis. Quando entra no campo dos agravos, das doenças relacionadas a fatores externos, acidentes e intoxicações exógenas, a rede de saúde não foi treinada. Quando foi instalada a Vigilância Epidemiológica de doenças transmissíveis, a rede foi capacitado várias vezes para saber o que fazer e ter os protocolos bem estabelecidos. Municípios e estados podem ter uma resolução para dizer “olha, para essas áreas aqui atingidas, vamos fazer um acompanhamento mais próximo, estabelecer fluxos”.

Isso é muito simples, a própria ficha de notificação de intoxicação exógena a nível nacional pode ser adaptada para essa situação. Ela tem campos pré-estabelecidos, e só a exposição já merece a notificação na medida em que o efeito pode acontecer a longo prazo.

Então todas as pessoas acometidas ou expostas deveriam ser notificadas, registradas no SUS (Sistema Único de Saúde) e passar por consultas de uma vez a cada seis meses nos dois primeiros anos. E, depois, uma vez por ano, durante 10 anos, no mínimo. E isso ainda não está acontecendo. O que saiu recentemente no boletim epidemiológico a nível nacional é de só notificar o caso exposto se for sintomático. Se não for, ele terá uma espécie de registro, mas não terá notificação. Mas para se fazer vigilância de longo prazo, é preciso notificar e investigar.

Tem que haver protocolos de acompanhamento que dizem, por exemplo, vamos fazer um exame hematológico, um teste neurológico, verificar se há outros queixas, se é preciso investigação citogenética. Isso tudo pode ser programado e ser realizado porque o sistema de saúde tem condições de fazer isso.

Como a senhora se sente diante dessas falhas?

Eu, como sanitarista, fico constrangida de ver tanta confusão e diz-que-diz em cima de uma coisa tão simples do ponto de vista normativo, pois há base de conhecimento científico. É só uma questão de organizar, nas áreas acometidas, o sistema de saúde para todos que se expuseram: crianças, voluntários, garis, pescadores, etc. O Sistema de Vigilância é nacional, mas estados e municípios, segundo suas especificidades, podem fazer uma ampliação desse sistema. Não se pode restringir, mas pode-se ampliar por razões peculiares da localidade. Como temos uma cultura de tudo depender do nível federal, está todo mundo aguardando que o Ministério da Saúde dê as diretrizes e se perde tempo com isso, o nível federal é mais lento para tomar atitudes.

Quando a Abrasco solicitou que fosse decretada emergência de saúde pública, era justamente para organizar o sistema na base, no local das ocorrências. Isso deveria ser feito sempre que tivéssemos uma situação em que a rede não está preparada, e a extensão desse desastre é muito grande. Estou sendo solicitada para dar orientações sobre coisas básicas que já deveriam estar internalizadas do processo. Há literatura, há manuais estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Pan Americana da Saúde (Opas).

Em 1984, São Paulo fez para Cubatão uma vigilância para cinco agravos por causa do processo de poluição que havia lá e conseguimos descobrir uma epidemia de benzenismo que sequer era conhecida antes. Tínhamos algumas evidências, havia algumas denúncias de doenças ocupacionais aumentadas e o estado tomou a frente para fazer uma vigilância especializada específica para o município.

Poderíamos ter, para toda a costa brasileira, uma vigilância para comunidades afetadas, aqueles que trabalham na limpeza e os voluntários. Essa é uma medida de saúde pública muito básica. Eu fico constrangida como sanitarista de ver a dificuldade de se colocar isso em prática. Não são conhecimentos novos, coisas que não se sabe ou que não tenha dispositivos técnicos e legislação. Nós temos todas as ferramentas e deveríamos estar fazendo isso desde o começo do derramamento.

Por que essas medidas não estão sendo tomadas?

Essa situação é um indicador de que estamos com os profissionais de saúde pública amarrados. Há medo de se tomar iniciativas, de fazer as coisas acontecerem. Há burocratização, criação de problemas onde não há problemas. É medo de que a população saiba das coisas, discuta e reivindique. É medo de conflitos. Mas a área da saúde pública existe justamente para resolver conflitos, que são inerentes aos problemas de saúde pública, especialmente quando há questões ambientais e ocupacionais, porque envolvem questões econômicas. Nós temos que desembrulhar essa confusão, temos que ajudar a população a compreender o problema para que ela seja partícipe do processo de vigilância, que não pode ser feito só a quatro paredes.

Eu acredito que quanto mais se instituem carreiras públicas estáveis por concurso mais liberdade o servidor tem de atuar. Quando se criam processos de indicações políticas para cargos de gestão – e às vezes nem é gestão de alto escalão – começa um processo de amarração porque os conflitos de interesse passam a aparecer. Começa uma ocultação dos problemas porque vai ferir interesses de um ou de outro.

A saúde pública, uma área sensível, deveria ser carreira de Estado, em que os profissionais têm que ter liberdade para atuar e poder proteger a saúde da população mesmo contrariando interesses políticos locais. Como um promotor ou um juiz, essas pessoas precisam estar protegidas e ter estabilidade. Especialmente nos municípios, há o costume, quando se elege um prefeito, de mudar todo o staff, às vezes até do Programa de Saúde da Família ou dos Agentes Comunitários de Saúde.

No caso atual do Governo Federal, estamos vivendo uma situação em que eu, na minha vida – eu tenho 72 anos e 44 anos de vida profissional -, nunca vi, nem no período da ditadura militar, tanto diz-que-diz, contrainformação e confusão por falas idiotas e contradições que desconstroem o conhecimento, o saber e as coisas já estabelecidas, criando confusão e tirando proveito da confusão para poder aparecer ou empurrar o problema com a barriga. Essas questões são seríssimas e estão sendo tratadas de forma banal.

Eu, sinceramente, nunca vi isso na minha vida. Nunca vi tamanha falta de responsabilidade e compromisso com a saúde e o meio ambiente. Estou perplexa. Já vivi como servidora pública e sempre me coloquei, independente do governo, servindo, da melhor forma que pude, ao povo e ao Estado. O que vemos atualmente é um atrelamento, uma inibição, um intimidação que eu nunca vi antes. Acho que a forma, o destrato, a indiferença, a falta de uma voz sábia e sensata está fazendo falta neste País. Uma voz que oriente, que dê rumos, que coloque os problemas na sua real dimensão, e não que tente esconder e criar desinformação. O que estamos vivendo agora é também uma insegurança por desinformação, não é só a falta de informação. Quando você cria uma confusão, é mais difícil de consertar do que quando há um erro.

Qual a avaliação que a senhora faz sobre os sigilos impostos pelo Governo Bolsonaro?

Por que sigilo? Pela Lei da Transparência, essas coisas deveriam estar em boletins com todas as informações, os resultados, as metodologias empregadas para fazer as análises, qual foi o laboratório, quem são as pessoas responsáveis, como foram coletadas as amostras. Isso é importante. Se estou querendo verificar se o peixe está contaminado, eu tenho que pegar o peixe do local afetado, não posso pegar na peixaria sem saber de onde ele veio (Lia se refere à análise do Governo Federal em parceria com a PUC/RIO, que coletou pescados congelados em peixarias). E quem sabe mais do que os pescadores e as marisqueiras para nos ajudar a indicar onde deve ser coletado esse pescado? Teve contraprova? Tudo tem que ter contraprova, não se pode fazer isso num lugar só.

E por que o segredo? Se não tem contaminação, não tem. Se tem, tem que dizer qual é. Quais são os produtos, os componentes? Tudo isso tem que ser aberto. Não se trata de uma guerra, em que você tem que ter segredo. Isso tem que ser de domínio público, os pesquisadores têm que acessar toda essa base de dados, até para podermos nos orientar e interpretar resultados. Eu fui numa reunião do governo estadual maravilhosa, com várias informações ricas, tudo feito um bunker, fechado. Por que não tinha rádio, televisão, jornalista lá mostrando para a população o que se estava discutindo? Eram medidas, informações, balanços do que estava sendo feito, e não vi nada na imprensa.

Não tem por que não abrir, talvez seja uma cultura militar. Isso é uma coisa tão ultrapassada, porque, você abrindo a informação, vai ter um arranjo, uma organização dos fluxos de cuidado. Senão isso gera também medo e insegurança. A minha geração de sanitarista era mais madura, éramos já mais velhos quando nos tornamos sanitaristas. Hoje vemos pessoas que terminaram a faculdade, fazem o curso de Saúde Pública e vão trabalhar como gestores e têm insegurança porque há alguém acima deles que vai dizer “isso aí não pode ser falado”. Isso inibe. Não precisamos de sistemas paralelos de monitoramento, que acabam nascendo porque o estado se omite ou atrasando demais as suas ações.

Como está a situação de quem trabalha na atividade pesqueira? Essas pessoas estão com a segurança alimentar em risco?

Quem depende da pesca para sobreviver, as populações tradicionais, os pescadores e as marisqueiras, são as maiores vítimas dessa situação. Eles estão que nem marisco: entre o rochedo e o mar, sofrendo a pressão dos dois lados. Têm uma questão de sobrevivência econômica e vivem no ambiente que foi contaminado. Estão com insegurança alimentar e sofrendo uma pressão que vai gerar um comportamento de negar o problema ou desconsiderar, banalizar tudo isso e continuar como se nada tivesse acontecido para conseguir sobreviver. Ou ficar numa situação de revolta, indignação e reação porque vão precisar se organizar e reagir para poder se defender.

Temos aproveitadores neste País que estão torcendo para que eles saíam do território, para explorar para o turismo e construir resorts. Porque eles estão nas praias mais bonitas deste País. Pode ser que tenha gente que vá se aproveitar da desgraça dessas pessoas, que têm que estar preparados para resistir nesses territórios, que são deles, eles moram lá, vivem disso. É necessário um apoio para que, enquanto a pesca não for totalmente liberada e o comércio não for restaurado, eles tenham um suporte econômico e social. A saúde pública também tem que acompanhá-los, estar do lado, acolhê-los, monitorá-los. Mas não como se fossem uma amostra de sangue, eles não são pedacinhos, eles são íntegros. É uma população que antes tinha soberania alimentar, completamente sustentável, e que perdeu essa condição por um desastre que quem tem que assumir a responsabilidade é o Governo Federal e a indústria de petróleo.

Independente do culpado, qual a responsabilidade da indústria do petróleo nesse desastre?

A indústria do petróleo contribui para um fundo porque é uma atividade de altíssimo risco para desastre. Esse recurso não foi liberado, ele deveria apoiar as populações tradicionais e dar sustentabilidade. Eu não vi até agora a Petrobras aparecer nesse problema. Na reunião do governo, se falou algo na casa de R$ 8 bilhões, é muito dinheiro. Isso tem que ser descontingenciado para esse desastre. É preciso incluir as marisqueiras nesse apoio, elas têm uma invisibilidade grande e são elas que ajudam a sustentar as famílias. Os jovens pescadores, desde 2008, não têm novas carteiras de pescadores (o Registro Geral da Pesca – RGP). Eles estão pescando com os pais que têm o registro, mas não estão legalizados. As crianças que vivem na areia e no mangue contaminado precisam ser acompanhadas no longuíssimo prazo para ter um programa especial da saúde ambiental infantil, que já tem linha da Opas e da OMS. Tudo isso é insegurança para essa população.

Fonte: Marco Zero Conteúdo