Pela nossa saúde, devemos recomeçar pela saúde do planeta. Isso é o que escrevem e falam, em alto em bom som, 40 milhões entre médicos e profissionais de saúde de todo o mundo, de 90 países. Em uma declaração conjunta lançada nesta terça-feira, 26-05-2020, com a hashtag #HealthyRecovery, os profissionais de saúde pediram aos líderes dos países do G20 que se engajassem concretamente na batalha contra a crise climática, por um mundo menos poluído e mais verde, com uma pegada sustentável de forma a tentar evitar futuras pandemias.
A reportagem é de Luca Fraioli, publicada por La Repubblica, 26-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os médicos, representados por várias associações (na Itália, por exemplo, o ISDE Médicos pelo Meio Ambiente e Federação de Médicos de Cirurgia e Dentistas do FNOMCeO), pedem aos governos que priorizem os investimentos em saúde pública, em ar e água limpa, em investimentos capazes de reduzir as emissões que provocam mudanças climáticas. O objetivo é convidar os líderes mundiais a pensar em uma retomada pós-Covid-19 que coloque no centro a saúde humana, começando com o que podemos fazer para criar maior resiliência para as futuras pandemias. E, portanto, os profissionais pedem investimentos para a redução da poluição atmosférica que mata milhões de pessoas no mundo e enfraquece os nossos corpos, por exemplo, em nível pulmonar, como observado durante a emergência do coronavírus. Mas também investir em agricultura sustentável, para dar um adeus aos combustíveis fósseis em favor de fontes renováveis, por uma mobilidade com baixas emissões de carbono.
“Se os governos fizessem grandes reformas nos atuais subsídios aos combustíveis fósseis, deslocando a maioria deles para a produção de energia renovável e limpa, nosso ar seria mais saudável e as emissões que afetam o clima seriam drasticamente reduzidas, alimentando uma retomada econômica que, de hoje até 2050, daria estímulos aos ganhos globais do PIB em quase 100 trilhões de dólares”, consta no texto da carta.
No total, os signatários da carta representam mais da metade da força de trabalho médica e sanitária. O apelo deles é para que no futuro voltemos a ser “mais fortes, saudáveis e resistentes” e por um maior envolvimento da comunidade médica e científica no desenvolvimento de pacotes úteis para redesenhar um mundo melhor.
Milhares de médicos, enfermeiros e profissionais de saúde em todo o mundo morreram durante a pandemia de Covid-19. Os signatários desse apelo pedem que, pela dor provocada pela perda dos colegas, possamos recomeçar raciocinando para construir um planeta diferente, pronto para enfrentar outras eventuais epidemias, melhor na gestão da saúde pública e do meio ambiente.
Os médicos dizem que os serviços de saúde também terão que impulsionar a revolução no futuro para reduzir as emissões: exemplos já vêm do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, que já reduziu suas emissões em quase um quinto na última década (e anunciou zero emissões de carbono antes de 2050), ou da American Medical Association e do Royal College of General Practitioners, que aprovaram resoluções solicitando o desinvestimento de empresas que utilizam ainda combustíveis fósseis, ou ainda os hospitais em Boston e de Wisconsin que estão gerando sua própria energia elétrica com eficiência energética. Eles argumentam que, com um esforço conjunto de todos, podemos projetar um planeta saudável para uma vida saudável.
A carta – For a #HealthyRecovery.
Aqui segue o texto do apelo assinado por 40 milhões de médicos e endereçado a todos os líderes do G20 e para conhecimento de todos os consultores científicos, médicos, sanitários do G20.
“Os profissionais de saúde estão unidos no apoio a uma abordagem pragmática baseada na ciência para gerenciar a pandemia do COVID-19. Nesse mesmo espírito, também nos mantemos unidos no apoio a uma recuperação saudável da crise.
Testemunhamos em primeira mão como as comunidades são frágeis quando sua saúde, segurança alimentar e liberdade de trabalho são interrompidas por uma ameaça comum. As diversas faces dessa tragédia em andamento são muitas e ampliadas pela desigualdade e pelo subinvestimento nos sistemas de saúde pública. Testemunhamos morte, doença e sofrimento mental em níveis não vistos há décadas.
Esses efeitos poderiam ter sido parcialmente mitigados ou possivelmente até evitados por investimentos adequados em preparação para pandemia, saúde pública e gestão ambiental. Devemos aprender com esses erros e voltar mais fortes, saudáveis e mais resilientes.
Antes da COVID-19, a poluição do ar – principalmente originária do tráfego, uso residencial ineficiente de energia para cozinhar e para aquecimento, usinas a carvão, queima de resíduos sólidos e práticas agrícolas – já estava enfraquecendo nossos corpos. A poluição aumenta o risco de desenvolvimento e a gravidade de: pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer de pulmão, doenças cardíacas e derrames, levando a sete milhões de mortes prematuras a cada ano. A poluição do ar também causa resultados adversos na gravidez, como baixo peso ao nascer e asma, colocando mais pressão em nossos sistemas de saúde.
Uma recuperação verdadeiramente saudável não permitirá que a poluição continue a deteriorar o ar que respiramos e a água que bebemos. Não permitirá que as mudanças climáticas e desmatamento continuem avançando, potencialmente desencadeando novas ameaças à saúde de populações vulneráveis.
Em sociedades e economias saudáveis, os mais vulneráveis são cuidados. Os trabalhadores têm acesso a empregos bem remunerados que não exacerbam a poluição ou a degradação da natureza; as cidades priorizam pedestres, ciclistas e transporte público, e nossos rios e céus são protegidos e limpos. A natureza prospera, nosso corpo é mais resistente a doenças infecciosas e ninguém é levado à pobreza por causa dos custos excessivos com a saúde.
Para alcançar essa economia saudável, precisamos usar incentivos e desincentivos mais inteligentes a serviço de uma sociedade mais sadia e resiliente. Se os governos fizessem grandes reformas nos atuais subsídios aos combustíveis fósseis, deslocando a maioria para a produção de energia renovável limpa, nosso ar seria mais limpo e as emissões climáticas reduziriam massivamente, possibilitando uma recuperação econômica que estimularia ganhos globais de quase 100 trilhões de dólares até 2050.
Ao direcionar sua atenção para a resposta pós-COVID, solicitamos que o ministro da saúde e o ministro da ciência/ atual chefe da saúde e chefe da ciência estejam diretamente envolvidos na produção de todos os pacotes de estímulo econômico, avaliem as repercussões de curto e longo prazo na saúde pública que esses estímulos podem ter e deem seu aval de aprovação.
Os enormes investimentos que seus governos farão nos próximos meses em setores-chave como assistência médica, transporte, energia e agricultura devem ter a proteção e promoção da saúde incorporadas em seu núcleo.
O que o mundo precisa agora é de uma recuperação saudável (#HealthyRecovery). Os planos de estímulo para recuperação pós-pandemia devem ser uma receita para alcançar isso.
Os efeitos adversos das mudanças climáticas sobre a saúde humana podem ser diretos ou indiretos. No próximo século, a mudança climática deve ser classificada como uma das mais sérias ameaças à saúde. Dois grupos sofrem mais com o aquecimento global e as oscilações bruscas de temperatura: o grupo das crianças e dos idosos.
As mudanças estão diretamente associadas à poluição do ar, que gera mais incidência de doenças respiratórias e cardíacas. Eventos climáticos extremos (inundações, tempestades e seca) causam transtornos mentais. Eventos climáticos extremos aumentam as doenças infecciosas pela contaminação de alimentos e da água.
A produção da agricultura é afetada e, com menos comida, mais crianças serão malnutridas. O aquecimento global acelera a propagação de doenças infecciosas e tropicais.Mas ainda dá tempo de mudar esse cenário. Depende de cada um nós.
Cerca de 3 mil internações por dia — essa é a média de hospitalizações no SUS de pessoas com doenças como pneumonia, diabetes e hipertensão. Segundo levantamento da Agência Pública, essas enfermidades levaram a mais de 1 milhão de internações na rede pública de saúde brasileira apenas em 2019, número que coloca milhares de brasileiros na faixa com maior risco para a infecção por coronavírus. E não se trata apenas de idosos: a maioria dessas hospitalizações (59%) envolveu pessoas com menos de 60 anos.
Além das internações, a reportagem contabilizou 83 mil mortes por essas condições no país em 2019 — cerca de 230 por dia. Para chegar a esses dados, a Pública levantou todas as internações e óbitos hospitalares em 2019 cuja causa principal foi tuberculose respiratória, pneumonia, asma, diabetes, obesidade, hipertensão e insuficiência renal.
O número total de brasileiros que estão no grupo de risco para o coronavírus na realidade é ainda maior, já que inclui também pessoas que foram atendidas em hospitais particulares e milhares de brasileiros que possuem doenças crônicas mal tratadas e não passaram pelos serviços de saúde.
Pneumonia causa 635 mil internações em um ano e mata 160 por dia
Pneumonias são a causa de internação mais comum no SUS dentre as condições que aumentam os riscos para infecções pelo coronavírus. Em 2019, foram mais de 635 mil hospitalizações no Brasil de pessoas com pneumonia — uma média de 1,7 mil por dia.
A quantidade de mortes também é alta: mais de 60 mil pessoas morreram no país por pneumonia apenas no ano passado, uma média de 160 mortes a cada dia. O número é quase 50% maior que a quantidade de pessoas que foram assassinadas no Brasil em 2019.
Como explica o professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), Aluísio da Silva Junior, a infecção pelo coronavírus é muito agressiva aos pulmões, diminuindo sua capacidade respiratória. Doenças em que as vias aéreas inferiores já são prejudicadas, como a pneumonia, agravam o quadro de Covid-19 por possibilitar uma “sobreposição de problemas” e uma sobrecarga da resposta imune.
“Imagina se você já tem essa agressividade natural do vírus e ainda tem uma predisposição, então alguém com asma, alguém com bronquite, alguém com uma doença crônica pulmonar devido a fumar, uma enfisema, essas pessoas também vão sofrer muito mais”, comenta o professor.
A asma, doença pulmonar crônica, levou a 79 mil internações em 2019 no SUS. O número de óbitos, contudo, é baixo: foram 442 no ano, a maior parte de idosos.
Tuberculose reflete desigualdade: periferia e presos são os que mais sofrem
Segundo o professor Vandack de Nobre Júnior, do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a alta prevalência da tuberculose em países mais desiguais é um reflexo das condições sociais e econômicas.
“A OMS publicou recentemente um guia de orientações para a necessidade dos países terem muita atenção e manterem os programas de cuidados básicos com essas condições de saúde e prevenção de doenças como tuberculose, a questão dos programas de vacinação e o próprio pré-natal, porque o receio é que o descuido em relação a essas condições ‘abra o terreno’ para a entrada da Covid-19 de uma maneira mais forte e você acabar tendo também um excesso de mortes ou de agravos a essas doenças”, comenta.
Diabetes e insuficiência renal levam a 20 mil mortes no ano
Após pneumonias, complicações causadas por diabetes foram a segunda maior causa de internação no SUS em 2019 dentre as doenças que aumentam risco para a Covid-19. Segundo dados do DataSUS, foram mais de 135 mil internações por diabetes em 2019, levando a 5,7 mil mortes. Já insuficiências renais — que podem estar relacionadas à diabetes — levaram a 121 mil internações e um número de 15 mil óbitos.
A Sociedade Brasileira de Diabetes alertou que as pessoas com maiores chances de terem quadros graves por associação da Covid-19 com a diabetes são as “com longa história de diabetes, mau controle metabólico, presença de complicações e doenças concomitantes e especialmente os idosos”. Segundo a entidade, o risco de complicações para pessoas com diabetes bem controlado é menor. A recomendação é monitorar frequentemente a glicemia e ajustar medicações e insulinas apenas com orientação médica.
Hipertensão, uma das doenças que aumenta o risco para infecções por coronavírus, é mais frequente entre pessoas com menos escolaridade segundo Ministério da Saúde
Hipertensão atinge um a cada quatro brasileiros que vivem nas capitais
Outras duas situações que podem estar correlacionadas — a hipertensão e a obesidade — causaram juntas mais de 88 mil internações no SUS em 2019. Esse número representa mais de 243 hospitalizações por dia.
Segundo relatório divulgado pelo Ministério da Saúde, dentre as mortes confirmadas no Brasil por Covid-19, quase metade apresentava alguma doença cardiovascular, como a hipertensão. De acordo com pesquisa do Ministério, cerca de um a cada quatro brasileiros que vive em capitais possui hipertensão e a doença é mais frequente entre brasileiros com menor escolaridade.
A Sociedade Brasileira de Hipertensão chegou a divulgar nota em resposta ao pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro de 24 de março que criticou medidas de isolamento tomadas pelos governadores. No texto, a entidade reforçou que as medidas deveriam ser mantidas e que “os países que demoraram em tomar essas medidas têm sofrido maior número de casos e fatalidades”.
Doenças comuns em brasileiros colocam adultos e jovens no grupo de risco
De acordo com o Ministério da Saúde, a maior parte das mortes por Covid-19 envolveu pessoas com doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas, hipertensão e pacientes com câncer com a imunidade reduzida. Apesar da maioria se concentrar em idosos, essas comorbidades colocam adultos, jovens e mesmo crianças no grupo de risco para infecções pelo coronavírus, que podem levar a mortes ou a quadros graves da doença, necessitando internações.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos alerta também o risco para obesos (com IMC acima de 40), quem tem doenças crônicas nos rins ou passa por diálise, pacientes com doenças no fígado e pessoas com outras condições que debilitam o sistema imunológico, como transplantes recentes de medula, AIDS ou que fazem uso prolongado de corticóides. O CDC ainda acrescenta que há discussão sobre o risco para grávidas e mulheres no pós-parto.
Como explica o professor da UFF, Aluísio da Silva Junior, as doenças consideradas fatores de risco para complicações nos casos de infecção pelo coronavírus tem algumas características comuns. “Todas essas doenças têm como componente comum a baixa de imunidade das pessoas e a dificuldade de resposta [imune] do organismo à agressões”, aponta.
Fatores sociais, como falta de saneamento, condições precárias de moradia e mesmo desigualdade de renda são considerados um agravante indireto nos caso de infecções pela Covid-19, como explica o professor adjunto da UFF, André Ricardo da Silva. “Pode ocorrer infecção [de pessoas] fora do grupo de risco, mas se ela mora com outras que apresentam um desses fatores [de risco], há mais chances delas se infectarem e o quadro evoluir para algo mais grave”. Ele também aponta que condições como desnutrição e falta de saneamento básico, mais comuns em populações vulneráveis, contribuem para uma saúde mais debilitada e, consequentemente, suscetível à complicações em uma infecção pelo coronavírus.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, chama a atenção para o fato de que menores de 60 anos, além de serem os principais transmissores do coronavírus, não estão imunes a desenvolverem quadros graves da doença ou mesmo à morte. “Esta é uma doença séria. Embora as evidências sugiram que aqueles com mais de 60 anos correm maior risco, jovens, incluindo crianças, morreram”, afirmou.
Por Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil
Depois de passar cinco anos aplicando o glifosato em sua pequena lavoura de café, o agricultor Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu um quadro de epilepsia e esquizofrenia que, segundo perícias feitas por um neurocirurgião, foi consequência à exposição ao agrotóxico. Com laudos médicos atestando que suas doenças eram sequelas da intoxicação, o pequeno agricultor obteve uma rara conquista judicial contra a gigante Monsanto em 2009. Mas sua vitória durou pouco. A empresa recorreu e ganhou em segunda e em terceira instância com argumento de que o caso estava prescrito.
Hoje, aos 68 anos de idade, Sebastião mora em Vitória, capital do Espírito Santo, longe das terras que cultivou durante quatro décadas. Aposentado e sofrendo com um delicado quadro de saúde, ele manda um recado para outros produtores que seguem aplicando o glifosato: “Não usaria de novo nem que me pagassem. Quando não mata a pessoa na hora, ele mata aos poucos”, afirma.
Tudo começou em 1992, quando ele buscava melhorar o resultado da plantação de café do seu sítio, de cerca de três alqueires de terra em Boa Esperança. Foi quando começou a usar o herbicida Round Up, produto da multinacional Bayer/Monsanto que tem como base o glifosato. De fato, o produto melhorou a produtividade da lavoura, mas aos poucos derrubou a saúde do agricultor.
Em 1997 veio o primeiro baque. “Estava um dia na roça e comecei a me sentir mal. A cabeça doía muito. Desmaiei, fiquei inconsciente e minha esposa me levou ao médico”, relembra Sebastião.
Ele passou 12 dias internado em um hospital em Vitória até receber o primeiro diagnóstico: esquizofrenia e epilepsia. Teria que deixar a fazenda e mudar-se para a capital para iniciar o tratamento. “Fiquei desesperado, toda renda da minha família vinha da roça”, conta.
O diagnóstico chegou cinco anos após ter ele contato com o herbicida da Monsanto pela primeira vez. Desde então, a saúde só piorou: depressão, pressão alta, diabetes, glaucoma, artrose e alterações no sistema nervoso estiveram entre os diagnósticos. “Foram idas e vindas ao hospital, vários médico e psiquiatras, e tudo só piorava. Os médicos disseram que era consequência do contato com agrotóxicos”, diz.
Sebastião, que é casado e tem quatro filhos, diz ter mais de 50 laudos médicos que apontam a intoxicação por Round Up.
De acordo com laudos médicos, Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu epilepsia e esquizofrenia devido à exposição ao agrotóxico em sua lavoura
Dois meses depois, outro laudo do mesmo médico atesta um “quadro de epilepsia temporal e distúrbio do comportamento que o impede (o agricultor) de exercer atividades de profissão e de negócios temporariamente”.
Em laudo de três anos depois, em 2000, Tannure escreve que os quadros de esquizofrenia e epilepsia temporal tornavam Sebastião incapaz em caráter permanente. Em 2002, mais um laudo do neurocirurgião atesta que o agricultor estava há cinco anos em tratamento neurológico e o encaminha para a psiquiatra “por apresentar invalidez permanente por acidente de trabalho, ocorrido pelo manuseio de agrotóxico do tipo Roundup, aplicado na sua lavoura para eliminação de ervas daninhas, o que lhe causou sequelas físicas e mentais”.
Outro exame, feito em 2008, ainda encontrou resíduos do agrotóxico no sangue de Sebastião, 11 anos após ele parar de utilizar o herbicida.
“Decidi guardar todos os remédios que eu tomava, já são mais de 100 mil comprimidos”, conta. Ele apresenta o saco onde guarda as embalagens, com mais de um metro de altura, como prova das consequências dos agrotóxicos em sua vida. Entre os medicamentos encontram-se o Rivotril (antidepressivo e ansiolítico), o Lodipil (hipertensão), Pamelor (antidepressivo) e o Tegretol (epilepsia e dor neuropática).
O agricultor Sebastião Bernardo da Silva foi contaminado pelo pesticida Round Up em sua lavoura de café
A conta das doenças
Após o primeiro diagnóstico, em 1997, Sebastião deixou a família no interior e foi morar com uma tia em Vitória. “Nunca mais voltei para a roça”, lamenta. Meses depois ele vendeu o sítio e toda família se mudou para a capital.
Apenas em 2000 Sebastião conseguiu aposentar por invalidez. Hoje, recebe um salário mínimo, mas gasta quase a metade, cerca de R$ 450, apenas com medicamentos. “Tomo remédios para diminuir as dores que sinto. Tenho insônia, então preciso de comprimidos para dormir. Além do medicamento para diabete e os problemas na cabeça”, diz.
A filha do aposentado, Suelly da Silva, acompanha de perto a luta do pai. “Desde a primeira ida ao hospital, lá em 97, o médico disse que as doenças eram consequências do agrotóxico que ele mexeu. E aí vem aparecendo problemas novos, agora os dedos do pé dele não estão movimentando mais”, conta.
Em 2005, Sebastião ajuizou ação de indenização de responsabilidade civil por dano material e moral contra a Monsanto, sob o argumento de que o manuseio do herbicida Roundup em sua lavoura foi a causa de uma série de problemas de saúde, que culminou com a concessão de aposentadoria por invalidez. “Demorei muito para me recuperar a ponto de pensar no processo”, explica ele.
A decisão saiu quatro anos depois. O juiz Abgar Torres Paraíso, da 11ª Vara Especializado em Defesa do Consumidor julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou a Monsanto a pagar ao agricultor R$ 250 mil como indenização por danos morais, uma pensão mensal e vitalícia no mesmo valor pago pela Previdência Social, além de um valor mensal de R$ 139,49 cobrado de novembro de 1997 até a data da decisão, em 2009, totalizando cerca de R$ 23 mil.
O valor da da indenização foi baseado na multa mais alta aplicada pelo STJ até então, no valor de R$ 360 mil em um caso onde a vítima havia ficado em estado vegetativo por erro um erro médico. Com base nesse valor, o juiz estipulou o valor indenizatório para o agricultor que ficou com incapacidade total.
A empresa recorreu a decisão. Na segunda instância, além de argumentar que as provas apresentadas demonstram “de forma inequívoca a inexistência” o nexo causal entre as doenças e o agrotóxico, a defesa apelou pelo prazo de prescrição para a denúncia. De acordo com o artigo Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, o pedido de reparação pelos danos causados por um produto prescreve em cinco anos, sendo que a contagem passa a valer no momento em que o dano é conhecido.
A defesa de Sebastião alega que o prazo de conhecimento do dano deveria ser contado a partir de 23 de fevereiro de 2002, data em que o neurocirurgião Fred Tannure emitiu laudo definitivo acerca de sua invalidez permanente.
O Tribunal capixaba avaliou o que o prazo prescricional iniciou-se quando Sebastião passou a sofrer com os problemas de saúde. “O apelado tinha ciência inequívoca de seus problemas de saúde desde o ano de 1997, quando foi internado com suposto quadro de intoxicação aguda por agrotóxicos, apresentando crise convulsiva e distúrbio mental, como se extrai dos atestados médicos juntados aos autos, inclusive do laudo datado de 23.02.2002, circunstância que, segundo o próprio apelado, o levou a abandonar, naquele mesmo ano (1997), o trabalho rural”, diz a decisão.
Sebastião, então, recorreu e, em 2015, o relator da ação no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou contra o agricultor, seguindo o entendimento do Tribunal do Espírito Santo. “Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos”, afirmou na decisão. Os ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o relator, e por unanimidade a seção decidiu por arquivar o processo.
Sebastião lamenta: “Receber a indenização me ajudaria a pagar o tratamento de remédios que estou tomando. Queria que algum advogado pudesse me ajudar”.
Líder de vendas e de processos
O agricultor cultivou suas terras no Espírito Santo por quatro décadas
O glifosato, nome do ingrediente ativo do Round Up, é o agrotóxico mais usado no país. Apenas em 2018, foram vendidos 195 mil toneladas, segundo o Ibama.
Existem hoje 123 produtos formulados à base do glifosato. Eles são usados para o controle de mais de 150 plantas infestantes em variados cultivos – de soja e café até feijão, maçã e uva.
Em 2016, a empresa alemã Bayer adquiriu a americana Monsanto pelo valor de US$ 63 bilhões. Desde então, a empresa é a líder mundial no mercado de sementes, fertilizantes e agrotóxicos.
A gigante do mercado de pesticidas enfrenta uma série de ações contra o glifosato: cerca de 20 mil processos apenas nos Estados Unidos. Em agosto de 2018, foi condenada a pagar US$ 289 milhões ao jardineiro Dewayne Joshson, que enfrenta um linfoma desenvolvido por utilizar o herbicida. Em março do ano, também foi condenada a pagar R$ 80 milhões de indenização ao aposentado Edwin Hardeman, que enfrenta um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que tem origem nas células do sistema linfático, por ter mantido contato com o Round Up por 20 anos.
No Brasil, são raros oscasos em que um trabalhador que aplica o agrotóxico consegue receber os danos da empresa que o fabricou , conta a pesquisadora Ranielle Caroline de Sousa. Doutora pela Universidade de Brasília, ela fez um extenso levantamento sobre o assunto e encontrou apenas um caso como o de Sebastião, em que o trabalhador ganhou ao responsabilizar a fabricante de agrotóxicos. Mas, no único caso em que a empresa foi condenada sem opção de recorrer, a vítima era o piloto do avião que pulverizava o pesticida.
Ela explica que a maior dificuldade nesses processos é demonstrar o nexo causal. “O caso do Sebastião é importante justamente porque ele conseguiu demonstrar que as doenças e incapacidades que ele desenvolveu foram consequência da relação direta com o Round Up”, afirma.
A Agência Pública e a Repórter Brasil questionaram a Bayer/Monsanto sobre o caso e processo do agricultor Sebastião Bernardo da Silva. A empresa respondeu, por nota, que “a ação transitou em julgado e não ficou comprovado nenhum nexo causal entre o uso do glifosato e as doenças alegadas pelo demandante”.
“As soluções à base de glifosato têm sido utilizadas com segurança e sucesso no Brasil e, globalmente, há mais de 40 anos. Há um robusto número de pesquisas sobre herbicidas à base de glifosato, composto por mais de 800 estudos, e um extenso consenso científico partilhado pelos principais órgãos reguladores em todo o mundo, de que o glifosato é um produto seguro, sempre que observadas as orientações de bula”, informa o texto.
Cientistas e organizações discordam desse argumento da empresa. Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) da Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 2015 concluiu que o glifosato é “provavelmente cancerígeno” para humanos. Outro estudo, agora de 2017, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) mostrou que o uso de glifosato provoca alterações no DNA, resultando em doenças crônicas como diabetes, doenças neurológicas, alzheimer, esclerose lateral amiotrófica (ALS) e doença de Parkinson.
“Quando o glifosato é considerado provável cancerígeno, temos uma afirmação relacionando ele a doenças crônicas, que passam também por alterações hormonais e produção de um conjunto de efeitos que podem contribuir com essa quantidade de doenças”, conta Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), referindo-se às condições de Sebastião. “Infelizmente, não há programas voltados à saúde do trabalhador que acompanhem o agricultor e façam mensurações dos efeitos a longo prazo dos produtos, o que faria você ter um conjunto de provas”, explica.
Segundo Luiz Cláudio, que já atuou como gerente-geral de toxicidade da Anvisa, quando a ciência aponta que o produto é perigoso para à saúde, o regulador tem que tomar uma atitude da mesma proporção, agir preventivamente, retirando o produto do mercado. “Mas as agências reguladoras, tanto do Brasil, quando da Europa e dos Estados Unidos, são vinculadas ao setor econômico, e chegam a conclusão de que o parecer da OMS dizendo que o produto é cancerígeno não é válido”, explica.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
Continuam as evidências de que respirar ar sujo faz mal ao cérebro
Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) Neurology Monday descobriu que os residentes em Estocolmo, na Suécia, que foram expostos a níveis relativamente baixos de poluição do ar estavam em maior risco de demência, especialmente se eles também sofriam de doenças cardíacas.
“Nossas descobertas sugerem que a poluição do ar desempenha um papel no desenvolvimento da demência, e principalmente através da etapa intermediária das doenças cardiovasculares e, principalmente, do AVC”, afirmou a principal autora do estudo, Giulia Grande, pesquisadora do Departamento de Neurobiologia, Ciências do Cuidado e Sociedade de Karolinska. Institutet, disse em um comunicado de imprensa.
Vários estudos descobriram associações entre a exposição à poluição por partículas e distúrbios cerebrais, como demência, câncer e distúrbios neurodegenerativos, e depressão e suicídio. Há evidências de que partículas podem entrar no cérebro diretamente pelo nariz e pela corrente sanguínea; no entanto, este estudo se concentrou mais em como a exposição à poluição do ar interagia com a saúde do coração e do cérebro.
Embora estudos anteriores tenham sugerido que a exposição a doenças cardiovasculares e à poluição do ar estão correlacionadas com o risco de demência, este é o primeiro a considerar os três juntos, informou a CNN.
Os pesquisadores acompanharam cerca de 3.000 adultos de Estocolmo, com idade média de 74 anos, até 11 anos. Eles descobriram que a exposição a longo prazo à poluição do ar aumentava o risco de demência, mas esse risco aumentava significativamente se o indivíduo sofria de acidente vascular cerebral. Quase 50% dos casos de demência relacionados à exposição à poluição do ar foram explicados por acidente vascular cerebral.
Além disso, os pesquisadores observaram que os participantes do estudo estavam morando no distrito de Kungsholmen, no centro de Estocolmo, onde os níveis de poluição estão com segurança abaixo do limite internacional.
Acompanhando sua exposição por um período de 20 anos, os pesquisadores descobriram que o risco de demência de uma pessoa aumentou em mais de 50% a cada aumento de 0,88 microgramas por metro cúbico e em mais de 10% a cada 8,35 microgramas por cúbico aumento do medidor de óxido de nitrogênio, informou a UPI.
Grande disse à UPI que os resultados sugerem a necessidade de padrões mais altos de poluição.
“Nossos resultados derivam de uma área central de Estocolmo, onde o controle da poluição do ar ambiental tem sido cada vez mais rigoroso nas últimas décadas”, afirmou Grande. “Curiosamente, o limite mais alto que relatamos não está apenas abaixo do atual limite europeu de partículas finas, mas também abaixo do padrão dos EUA. Em outras palavras, conseguimos estabelecer efeitos nocivos em níveis abaixo dos padrões atuais. Da próxima vez, os padrões de qualidade do ar revisados, esse risco também deve ser considerado.”
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