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Impulsionado por lobby, gás natural acumula vitórias em 2024 no Brasil

Impulsionado por lobby, gás natural acumula vitórias em 2024 no Brasil

Setor emplacou “jabuti” em projeto de eólicas offshore e viu complexo termelétrico avançar no Pará

Por Rafael Oliveira – Agência Pública – 16/12/2024

No tabuleiro da produção energética no Brasil, o peão do gás natural avançou várias casas em 2024. A vitória mais recente ocorreu na semana passada, quando o lobby do setor conquistou a aprovação de um jabuti – trecho em um projeto de lei (PL) sem relação com o tema original – que o favorece no PL que regulamenta as eólicas offshore.

Mas houve outras conquistas ao longo do ano. No Pará, a instalação de um gigantesco complexo termelétrico está acelerada, e durante a reunião do G20 (grupo das nações mais ricas), o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia (MME), assinou um memorando de entendimento com a Argentina para importação do gás de Vaca Muerta, que pode ajudar a baratear o combustível fóssil no país.

Em um momento em que o Brasil deveria estar, na visão de especialistas, reduzindo o uso de combustíveis fósseis, os principais responsáveis pelas mudanças climáticas, a previsão é de crescimento. O Plano Decenal de Expansão de Energia 2034, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao MME, estima mais que dobrar a produção bruta do gás natural, chegando a 315 milhões de metros cúbicos por dia nos próximos 10 anos.

A defesa do crescimento do combustível de origem fóssil, que conta com o apoio de Silveira, se baseia em dois argumentos principais que são fortemente rechaçados por ambientalistas.

O primeiro é de que o gás natural seria fundamental para a transição energética do país. “O gás natural é fóssil, mas é o mais limpo dos fósseis. Quem quer excluir o gás natural no Brasil da transição energética é míope e quer que a energia fique mais cara, quer que o país não tenha segurança energética”, defende Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) e uma das principais vozes pró-gás natural do país.

De fato, o gás natural é menos poluente que outros fósseis, como petróleo e carvão, e é visto como importante combustível de transição em países que dependem muito dessas duas fontes, como ocorreu nos Estados Unidos. Mas não é o caso do Brasil. Aqui, na maior parte dos casos, o gás não está entrando como substituto de fósseis mais poluentes, mas como acréscimo.

Ou seja, em vez de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o aumento da presença de gás vai sujar a nossa matriz elétrica, apontam especialistas. Além de, ao contrário do que diz Pires, aumentar a conta de luz. Gás é mais caro que água, sol ou vento.

POR QUE ISSO IMPORTA?
Aumento da presença do combustível fóssil na nossa matriz elétrica pode aumentar nossas emissões de gases de efeito estufa e o preço da conta de luz

País planeja dobrar produção de gás nos próximos dez anos, apesar de compromisso global por transição para longe dos combustíveis fósseis, necessária para conter o aquecimento global

“O que o setor do gás quer é correr atrás de um tempo perdido que não vai voltar”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “O único lugar que ainda se pode argumentar que o gás deve fazer parte é a indústria. Mas, fora isso, o gás só atrasa a transição energética. Quanto mais tempo ficarmos com o gás natural, mais vai demorar para dar escala a outras alternativas.”

O segundo argumento pró-gás remete ao apagão do início dos anos 2000, quando o abastecimento de energia elétrica no país era quase completamente dependente de fontes hidrelétricas, e uma seca intensa obrigou o governo a promover um racionamento de energia. Foi quando várias termelétricas foram construídas no Brasil para evitar o desabastecimento.

De lá para cá, no entanto, a participação de outras fontes renováveis, como solar e eólica, aumentou significativamente, reduzindo a dependência das chuvas. A partir de então, a justificativa passou a ser que essas duas fontes são intermitentes e, portanto, não seriam confiáveis como as fontes fósseis.

“Existem soluções para lidar com a intermitência dessas fontes, como o armazenamento de energia em baterias e o aumento da transmissão”, aponta Baitelo. “Em algumas épocas do ano estamos desperdiçando energia renovável adoidado. O Brasil está com energia sobrando, com leilões sendo cancelados. Não é falta de energia, é falta de planejamento, falta de um sistema robusto”, complementa

O Iema, onde Baitelo atua, é um dos membros da Coalizão Energia Limpa, que em junho deste ano publicou o relatório “Regressão Energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática”. O estudo sistematiza os acontecimentos do setor de gás natural nos últimos anos e aponta os problemas da expansão do uso do combustível fóssil, que responde pela maior parte das emissões do setor elétrico brasileiro.

Com o aumento das emissões de gases do efeito estufa, o planeta fica cada vez mais distante da meta de conter o aquecimento global em 1,5 °C. O resultado disso é o crescimento de eventos climáticos extremos, incluindo chuvas avassaladoras, como as que atingiram o Rio Grande do Sul, secas prolongadas como as que vêm afetando a bacia do rio Amazonas e ondas de calor.

O gás natural também está associado a danos ambientais locais, como riscos de vazamento, supressão de vegetação nativa, uso intensivo de água e poluição do ar – com possíveis impactos na saúde respiratória da população que vive na região da termelétrica. Segundo um estudo do C40, uma organização de cidades preocupadas com o meio ambiente, a poluição causada pelo gás natural pode resultar em mais de 48 mil mortes prematuras extras no Brasil até 2050.

Térmicas-jabuti vão encarecer conta de luz e aumentar emissões

Apontado como principal conquista do lobby do gás natural em 2024, o jabuti inserido no PL que regulamenta as eólicas offshore (em alto mar) é fruto de uma dobradinha com o ainda mais poluente carvão mineral. O projeto, que originalmente visava fortalecer uma fonte de energia limpa, acabou gerando benefícios também para os combustíveis fósseis.

O texto modifica um  jabuti anterior que o setor tinha emplacado na lei que permitiu a privatização da Eletrobras, em 2021. Há três anos, tinha sido inserida a obrigatoriedade de instalação de 8 gigawatts (GW) de usinas térmicas. Mas como essa quantidade não se mostrou viável  economicamente, o novo jabuti diminuiu a previsão para 4,25 GW. E criou dispositivos econômicos que favorecem empresas como a de Carlos Suarez, dono da Termogás e conhecido como “rei do gás”, como apontou reportagem d’O Globo.

Jabuti inserido no PL que regulamenta as eólicas em alto mar é fruto de uma dobradinha com o carvão mineral

 

O que se mantém é a inflexibilidade das usinas. Atualmente, a maior parte das térmicas do país só é acionada em caso de necessidade – como ocorreu neste ano diante da seca que atingiu as hidrelétricas. É o que gera a chamada bandeira vermelha. Quando a situação se estabiliza, elas são desligadas, e o preço volta ao normal. Com isso, as térmicas operam, em média, apenas 20% a 30% por ano. Mas os jabutis colocados tanto na lei da Eletrobrás quanto no PL das eólicas offshore estabelece que as térmicas devem operar obrigatoriamente por 70% do tempo.

De acordo com os cálculos da Coalizão Energia Limpa, essas mudanças têm o potencial de emitir 274,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao longo dos próximos 25 anos. Além de gerar um custo adicional para o consumidor de até R$ 658 bilhões, cerca de R$ 25 bilhões por ano. Isso pode representar um aumento de 11% na conta de luz.

“Como as usinas são inflexíveis, o país vai ter de deixar de gerar energia de fontes mais baratas e menos poluentes, como a eólica, solar ou até a hidrelétrica. Vai se contratar uma energia cara, uma energia suja, e todo esse custo adicional poderia estar sendo redirecionado não só para a transição energética, mas também para investimentos em produção de energia renovável”, aponta Anton Schwyter, gerente de energia do Instituto Arayara.

Para Baitelo, o investimento obrigatório nas térmicas-jabuti pode gerar “ativos encalhados”, já que a redução do uso de combustíveis fósseis será cada vez mais imperativo nas próximas décadas. “Os contratos são de 15 de anos, algumas estariam começando [a operar] em 2026, outras em 2028. Isso significa criar térmicas e gasodutos que se estenderiam pelo menos até 2043, ou um pouco a mais. Vale a pena construir essa infraestrutura?”, questiona.

Os efeitos poluentes e no bolso do consumidor dos jabutis inseridos no PL das eólicas offshore não param por aí: o carvão mineral conseguiu emplacar o prolongamento até 2050 de usinas previstas para encerrar as atividades em 2028 – o que beneficia empresas como a Âmbar Energia, do grupo econômico dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O aumento da conta de energia é questionado por Adriano Pires, do CBIE. Para ele, os números são “completamente equivocados” e fruto de um “lobby burro e irresponsável” pró-eólica e solar. “Não vai ter picos de preço como a gente teve nos últimos anos e vai trazer mais segurança ao sistema elétrico brasileiro. Até mais segurança para a própria geração eólica e solar”, diz Pires.

Para o economista, que presta consultoria para empresas do setor, o aumento na emissão de gases do efeito estufa se justifica. “O grande emissor de gases do Brasil não é o setor energético. Tudo na vida tem um custo. Se a gente precisa ter segurança energética, a gente tem, às vezes, que aumentar um pouquinho a emissão de gases. Agora, o benefício da segurança é maior. Por quê? Porque o aumento é mínimo”, diz.

Aprovado no Senado após ganhar os jabutis na Câmara, o projeto aguarda sanção presidencial. Segundo o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), os dispositivos pró-fósseis serão vetados por Lula (PT). O senador afirmou que a questão será judicializada em caso de derrubada do veto pelo Congresso.

Subsídios para fósseis seguem muito maiores do que para renováveis

Na contramão do processo de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, como definido pela Conferência do Clima da ONU de Dubai (COP28), em 2022, o Brasil segue institucionalmente e financeiramente apoiando fontes não renováveis e poluentes.

Segundo um relatório produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os subsídios federais à produção e ao consumo de fontes fósseis chegaram a R$ 81,74 bilhões em 2023, valor muito superior ao destinado a fontes renováveis, que foi de pouco mais de R$ 18 bilhões. Para cada R$ 1 investido em fontes renováveis, R$ 4,52 foram destinados para fontes fósseis. Nos cinco anos anteriores, entre 2018 e 2022, os subsídios aos fósseis foram cinco vezes maiores do que às renováveis.

A predileção pelos fósseis também aparece no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, que estabelece o planejamento orçamentário do governo para o período. O PPA enviado ao Congresso Nacional destinou ao Programa Transição Energética somente 0,2% do valor alocado para o Programa Petróleo, Gás, Derivados e Biocombustíveis, segundo nota técnica do Inesc.

O favorecimento aos combustíveis não renováveis foi constatado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No final de novembro, após auditoria nas políticas públicas e ações do governo federal em relação à transição energética, o TCU fez uma série de determinações e recomendações para o MME.

Na justificativa para seu voto, o ministro Walton Alencar Rodrigues destacou que “o sistema é pouco adequado para objetivos mais ambiciosos de reindustrialização verde”, apontando que a presença de investimentos em combustíveis fósseis no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é bem maior do que a de energias renováveis ou de baixo carbono: 62% contra 38%.

Além das isenções e subsídios federais, vários projetos relacionados ao setor de gás natural são financiados pelo BNDES. Nos últimos anos, o banco de desenvolvimento financiou projetos na cidade paraense de Barcarena (UTE Novo Tempo, em R$ 1,8 bilhão) e nas fluminenses São João da Barra (UTE GNA Porto do Açu III, R$ 3,9 bilhões) e Macaé (UTE Marlim Azul, R$ 2 bilhões).

Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira

O gás natural também é protagonista de uma iniciativa do ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira. Trata-se do “Gás para Empregar”, instituído via decreto do presidente Lula em agosto. O programa tem como objetivo diversificar e aumentar a oferta de gás natural no mercado doméstico e diminuir o preço para o consumidor final, além de atrair  investimentos privados para a infraestrutura necessária.

Uma das iniciativas ligadas ao programa foi a assinatura do memorando de entendimento entre Brasil e Argentina durante a reunião do G20, no mês passado, para viabilizar a importação de gás natural argentino a partir do ano que vem. O montante, inicialmente de dois milhões de metros cúbicos por dia, pode chegar a 30 milhões de m³/dia em 2030.

O acordo, celebrado por Silveira, vai importar gás do controverso campo de Vaca Muerta, a segunda maior reserva de gás fóssil não convencional do mundo. A extração por lá se dá por meio do fracking, técnica criticada por ambientalistas por conta de seu impacto socioambiental.

O fracking, muito popular nos EUA, é proibido em países como França, Alemanha e Reino Unido, além de estados brasileiros como Paraná e Santa Catarina. Apesar disso, é frequentemente defendido por Silveira, que já afirmou que o veto à técnica “pode trazer grandes prejuízos ao Brasil”.

Em Barcarena, gás avança a passos largos

No Pará, em um município colado a Belém, que será sede da próxima Conferência do Clima da ONU (COP30), no ano que vem, uma subsidiária da multinacional New Fortress Energy (NFE) conseguiu avançar a passos largos em seu complexo de gás natural. Em fevereiro, a empresa inaugurou em Barcarena o primeiro terminal de importação de gás natural liquefeito (GNL) da região Norte e estacionou uma Unidade Flutuante de Armazenamento e Regaseificação (FSRU, na sigla em inglês) no porto local.

Também avançou nas obras da primeira etapa da usina termelétrica (UTE) Novo Tempo, que terá mais de 600 megawatts (MW) de capacidade instalada e tem previsão de inauguração em julho do ano que vem. Mas o projeto não para por aí: no final do ano passado a NFE assumiu o contrato de um projeto originalmente planejado para ser construído em Caucaia (CE), transferindo-o para Barcarena. A UTE Portocém, com capacidade prevista de 1,6 gigawatts (GW), também está em obras e tem o início da operação previsto para o início de 2027.

Segundo documentos internos da NFE enviados ao Ibama, o complexo termelétrico (que engloba a Novo Tempo e a Portocém) pode atingir a capacidade instalada de 2,6 GW ao final de todas as obras, se tornando o maior da América Latina. O valor equivale a quase 20% da capacidade instalada de Itaipu, a maior produtora de energia do Brasil.

Usina Termelétrica (UTE) Novo Tempo em Barcarena no Pará

 

Como mostrou a Agência Pública em reportagem publicada em julho, o vultoso empreendimento de gás natural está se instalando em um município com um histórico de dezenas de acidentes ambientais e uma população saturada dos impactos causados pelas empresas com a leniência do poder público.

“Todo ano tem novos desastres e todo ano são instalados novos empreendimentos, sem nenhum controle sobre os que já existem. Os desastres são praticamente iguais, a poluição é comprovada e aumenta o tempo todo, e mesmo assim o [governo do] estado chama mais empresas para se instalarem. Barcarena é uma bomba prestes a explodir”, disse à época o professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA) Marcel Theodoor Hazeu.

 

Nem tudo são flores para o gás natural

Nem só de conquistas viveu o setor de gás natural em 2024, no entanto.

Para Adriano Pires, consultor da área e voz pró-gás natural, frustrou a falta de novos leilões de energia por parte do governo federal e a manutenção do domínio da Petrobras na comercialização do gás – o que, para ele, dificulta a redução no preço do combustível.

Paralelamente a isso, uma demanda antiga do setor, a ampliação da infraestrutura, subiu no telhado: a discussão sobre o Brasduto, uma malha nacional de gasodutos a ser construída com dinheiro público, sequer voltou a dar as caras, depois de tentativas frustradas em 2022 e 2023.

Parte das derrotas do setor se deve à resistência de setores da sociedade civil contra o avanço do combustível fóssil.

Em Caçapava (SP), localizada a 115 km da capital, a Natural Energia encontrou dificuldades para fazer andar o processo de licenciamento ambiental da UTE São Paulo, que tem previsão de gerar 1,74 GW de energia e ser integrada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Os possíveis impactos socioambientais e climáticos, incluindo a emissão de 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, têm feito com que ativistas e especialistas lutem contra a instalação do empreendimento.

No início do ano, em janeiro, a mobilização social fez com que o Ministério Público Federal (MPF) entrasse com uma ação civil pública que conseguiu barrar a realização de uma audiência pública e suspender o licenciamento.

A despeito de um parecer contrário do próprio Ibama em abril, apontando problemas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a Natural Energia conseguiu retomar o andamento do projeto, com novas audiências públicas sendo marcadas para o início de julho. Novamente, a mobilização social impediu que as audiências se concretizassem, dessa vez por meio de manifestações populares que inviabilizaram a realização.

No início de agosto, a empresa protocolou um EIA atualizado no sistema do Ibama, mas não houve novos avanços no licenciamento até o momento. Ainda não há perspectivas de realização de novas audiências públicas.

Além de movimentos e organizações ambientalistas, a possível instalação do empreendimento também despertou reações de outros setores. O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), por exemplo, capitaneou um manifesto contrário à UTE. E as câmaras de vereadores de 12 municípios da região do Vale do Paraíba, incluindo a de Caçapava, aprovaram moção de repúdio contra a instalação da térmica a gás fóssil.

Edição: Giovana Girardi

 

Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’

Artigo de Opinião | Um Dia é Insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’

O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação.

Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial, frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente.

Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.

 

 

 

Em 22 de Abril de 2009, o Dia da Mãe Terra, ou Dia da Terra, foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um momento para trocarmos reflexões sobre nossos impactos e a necessidade de se viver em harmonia com a natureza. Os debates giram em torno da crescente degradação ambiental e do esgotamento dos recursos naturais, resultantes dos padrões insustentáveis de consumo e produção. Tais padrões já trazem consequências severas tanto para a Terra quanto para a saúde e o bem-estar da humanidade. Nesse sentido, dentre as diversas reflexões que a data abrange, é de suma importância incluirmos a organização em que nossa sociedade se apresenta: Quem é privilegiado, nesse sistema? Quem é desfavorecido? E por quê?

O dia 22 de abril também marca a chegada dos colonizadores no Brasil. De descobrimento, a data nada tem, mas a partir daí, diversas descobertas vieram. Os colonizadores descobriram terras férteis para os seus cultivares, sustentados pela exploração, e, posteriormente, o ouro e a prata. As imigrações se reduziram no decorrer do século XX, mas o Brasil seguiu/segue na posição de território colonizado a ser explorado, em especial, com o advento do capitalismo. Assim, também foram descobertos o cobre, o petróleo, a silvinita, o gás natural e, mais recentemente, o gás de xisto.

Já os povos que aqui viviam antes de 1500, descobriram o projeto genocida dos invasores, iniciado na colonização, mas que se perpetua até os dias de hoje. Enquanto os exploradores, passados e atuais, sob o incentivo do governo, buscam novas descobertas sob e sobre a terra, os povos indígenas seguem vivendo no ponto cego da perspectiva desenvolvimentista, protegendo e celebrando a terra da qual dependem, hoje e todos os dias.

Mas e nós? Os demais brasileiros e brasileiras que não somos indígenas, tampouco europeus ou grandes empresários? Neste dia de reflexão, devemos apoiar essas explorações ou devemos zelar pelo meio ambiente? onde queremos ver nosso país chegar? Nossa Terra? Diversos povos têm suas respostas para essas perguntas, a exemplo do povo Yanomami. Destaca-se um trecho do livro A queda do céu, em que Davi Kopenawa trata sobre o tema:

 

“Tudo o que cresce e se desloca na floresta ou sob as águas e também todos os xapiri e os humanos têm um valor importante demais para todas as mercadorias e o dinheiro dos brancos. Nada é forte o bastante para poder restituir o valor da floresta doente. Nenhuma mercadoria poderá comprar todos os Yanomami devorados pelas fumaças de epidemia. Nenhum dinheiro poderá devolver aos espíritos o valor de seus pais mortos!”

 

A maior parte de nós não vive nas florestas, mas todas e todos, sem exceção, dependem dos serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas naturais deste continente, que, além dos aspectos ambientais, trazem benefícios econômicos e sociais, relativos ao bem-estar humano. A Floresta Amazônica tem papel fundamental nos ciclos das chuvas que sustentam a nossa agricultura, que mantém nossa segurança hídrica e a estabilidade climática do país. A Floresta Amazônica também condiciona a existência de outros biomas brasileiros, que desempenham papel semelhante. Ademais, áreas bem preservadas e ambientalmente equilibradas impedem a proliferação de doenças, como dengue, zika e chikungunya.

Temos tantos outros exemplos de benefícios advindos das áreas naturais deste país, mas, apenas para o que foi aqui citado, não há mercadorias que os compensem. Os Yanomami têm razão, não há dinheiro capaz de pagar pela nossa segurança alimentar, pela água que bebemos ou pela saúde de nossas famílias, tudo isso é grande e pesado demais e tem valor, não preço.

No entanto, o país nasceu e se desenvolveu sobre uma grande inversão de princípios, onde o lucro do empresário é priorizado, em detrimento do bem-estar social e da preservação ambiental. Questão essa explícita em casos como Brumadinho, Mariana, Maceió e no avanço das fronteiras de exploração de petróleo e gás. Os leilões de concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizam, regularmente, ofertas de blocos de exploração offshore (no mar) e onshore (em terra), sobre e às margens das Terras Indígenas e territórios tradicionais, aumentando conflitos e a pressão sobre os territórios e colocando em risco ecossistemas aquáticos e terrestres.

Ao mesmo tempo em que os projetos exploradores avançam, são aprovados projetos de lei que anulam a proteção de territórios indígenas, como o PL 490/2007. Nos últimos 38 anos, as Terras Indígenas, demarcadas ou não, foram as áreas protegidas mais preservadas do país, como apontam estudos, de 2022, do MapBiomas, ainda assim o governo insiste em medidas que desfavorecem, justamente, essas populações. Nesse contexto, se observa que, mais do que pequenas ações pessoais, devemos agir coletivamente contra os verdadeiros devastadores, contra os exploradores contemporâneos, que tratam nosso país como uma despensa a ser exaurida, às custas de todas, todos e tudo o que aqui vive. Mais do que isso, devemos nos mobilizar em conjunto e em apoio àquelas pessoas e comunidades que dedicam suas vidas à defesa da vida e da floresta. 

O planeta já existia antes de elegermos este o seu dia. Não temos como afirmar, nestes mais de quatro bilhões de anos de existência, a data em que de fato nasceu a Terra, a hora, o momento exato de sua criação. Assim, ainda que pensemos apenas nos 200 mil anos de existência da nossa espécie, um dia é insuficiente para celebrarmos o planeta que chamamos de ‘mãe’, ou mesmo para agirmos por ele, em especial frente aos impactos que geramos, em nossa história mais recente. Já passa da hora de agirmos de forma contínua contra empresas que matam nossos rios, contra empreendimentos que colocam em xeque nossa segurança hídrica e contra ações de governos que ferem os direitos daqueles que defendem as florestas.

O que desejo para o ‘aniversário’ da Terra, é que a presente data seja um marco, uma virada nas nossas ações e mobilizações. Com isso, concluo com uma boa reflexão de Bertolt Brecht, através de uma tradução adaptada: “Há quem lute um dia e é bom, há quem lute um ano e é melhor, há aqueles que lutam vários anos e são muito bons, mas há quem lute por toda a vida, esses são os imprescindíveis.”

Dia Mundial da Água: Ameaças que Quase Ninguém Vê

Dia Mundial da Água: Ameaças que Quase Ninguém Vê

Por que falar de transição energética no Dia Mundial da Água é fomentar a proteção e preservação deste recurso tão vital?  

 

Nesta sexta-feira (22) é marcado o Dia Mundial da Água, data que remonta a 1992  quando, em terras Brasilis, mais especificamente no Rio de Janeiro, a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou a sua criação durante a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92).

 

De lá para cá em nosso planeta, dois milhões de pessoas – 26% da população – não têm acesso a água potável segura e 3,6 milhões – 46% – não têm acesso a saneamento gerido de forma segura, de acordo com um relatório da UNESCO de 2023. E, infelizmente, a previsão é de que as mudanças climáticas agravem ainda mais estas carências.

Embora 70% da superfície da Terra esteja coberta por água, estima-se que apenas 0,5% seja utilizável e esteja disponível. Portanto, não é difícil constatar que este recurso, que é um bem vital para a humanidade, precisa ser preservado.

Tendo em vista este contexto alarmante e a necessidade urgente de ampliar os esforços de preservação da água no mundo, a data ganha ainda outro significado que é o de informar, mobilizar e alertar sobre perigos que ainda não são do conhecimento de muitos, mas que colocam em risco bacias hidrográficas, aquíferos, rios e mares para beneficiar grandes corporações de exploração de Gás, Carvão e Petróleo. 

Estas ameaças têm nome e são combatidas todos os dias pelo Instituto Internacional Arayara, que é uma organização da sociedade civil atuante para uma transição energética justa no Brasil e no mundo, e que têm travado batalhas, em diversos campos, para a preservação da água, um dos recursos mais importante para a vida.

Algumas destas ações mobilizam esforços de litigância, mobilização social, incidência política, articulação internacional e produção de conhecimento sobre ameaças ainda pouco conhecidas pela sociedade em geral. 

Para se juntar a estes esforços e combater tanto as iniciativas nefastas de adoecimento dos recursos naturais, já escassos, quanto o avanço das mudanças climáticas, é necessário fomentar o debate sobre temas como a transição energética, informar ao maior número de pessoas sobre a problemática e impulsionar a utilização de alternativas viáveis e sustentáveis de fonte de energia. Falar de energia limpa, fontes renováveis e preservação da vida é, portanto, celebrar o Dia Mundial da Água.

 

Saiba mais sobre essas ameaças que quase ninguém vê a partir das ações da Arayara:

 

Você conhece o Fracking?

 

A campanha Coalizão Não Fracking Brasil pela Água e Vida visa mobilizar a sociedade civil organizada e outros atores importantes para  bloquear a entrada do fracking no Brasil. 

O Fracking é uma tecnologia usada na extração não convencional do gás de xisto e envolve o uso de uma mistura de produtos químicos, água e areia injetada sob alta pressão no solo para liberar gás natural. Os produtos químicos utilizados podem contaminar a água subterrânea e superficial, além de ser necessário usar uma grande quantidade dos recursos hídricos em seus processos (de 7 a 30 milhões de litros de água), afetando principalmente áreas de escassez hídrica.

Após quase seis anos de campanha, os estados do Paraná e de Santa Catarina já têm legislações que  proíbem totalmente a exploração do gás de xisto pelo método de fracking, ou fraturamento hidráulico, em todo seu território, contribuindo para a preservação do aquífero Guarani, uma das principais reservas de água doce do planeta,  qual tem extrema importância ambiental, econômica e social para países da América do Sul (Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil), beneficiando o uso doméstico, industrial e agropecuário.

 

Como contribuir: 

O seu município pode aderir ao Projeto de Lei que proíbe o fracking na sua cidade. Acesse o site https://naofrackingbrasil.com.br/modelo-de-projeto-de-lei/ , baixe o documento e converse com seus vereadores e lideranças locais. 

 

 

Xô Termoelétrica

 

A luta pela transição energética justa é um dos principais objetivos do Instituto Arayara. Nossos estudos sobre a produção de energia elétrica a partir de Usinas Termelétricas movidas à carvão mineral  e gás natural mostram  seus diversos impactos negativos sobre a água.

Em 2024, a Arayara entrou como Amicus Curiae na Ação Civil Pública do Ministério Público que solicitou o cancelamento da Audiência Pública sobre o licenciamento da Termelétrica São Paulo, no município de Caçapava. O pedido foi aprovado pela justiça, depois de observadas falhas no processo de licenciamento ambiental e falta de tempo adequado à participação popular plena no caso. 

O empreendimento planeja ser a maior termoelétrica da América Latina e demanda uma grande quantidade de água em seus processos. O recurso hídrico seria captado da bacia do Rio Paraíba do Sul, que já sofre com problemas de escassez hídrica e poderá impactar todo o estado de São Paulo. 

Como contribuir: 

Acompanhe as ações do movimento local organizado. Siga no instagram o perfil @frenteambientalistavalesp e participe das mobilizações digitais e presenciais!

 

Carvão Aqui Não

 

Arayara elaborou o estudo “Legado Tóxico”, em parceria com o Observatório do Carvão Mineral, que expõe os impactos da cadeia produtiva do carvão mineral na Usina Termelétrica Jorge Lacerda. 

A contaminação dos recursos hídricos no Território Jorge Lacerda – Vale da Contaminação do Carvão abrange três bacias hidrográficas: Bacia Hidrográfica Rio Tubarão, Bacia Hidrográfica Rio Urussanga e Bacia Hidrográfica Rio Araraquara, comprometendo a qualidade das águas superficiais desde as áreas de extração do carvão mineral até a sua foz no Oceano Atlântico, incluindo a área do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda.

A Drenagem Ácida de Mina (DAM), resultante da oxidação de sulfeto de ferro nos processos da exploração de carvão mineral, contamina os recursos hídricos ao elevar sua acidez, levando, consequentemente, à mortandade da biota, além de disponibilizar elementos químicos potencialmente tóxicos para o ser humano.  

Como contribuir:

Informe o maior número de pessoas sobre o impacto na saúde https://arayara.org/como-a-mineracao-do-carvao-afeta-a-tua-saude/ 

 

Leilão Fóssil Não

 

Em 13 de dezembro de 2023, a ANP realizou a sessão pública de apresentação das ofertas para o 4º ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC), evento que ficou conhecido como o “leilão do fim do mundo”. Dos 603 blocos ofertados, 77 blocos foram judicializados pela Arayara, e desses 77 blocos,  94% não tiveram ofertas, apenas 4 foram adquiridos, evitando possíveis contaminações de áreas de alta importância ambiental por vazamento de petróleo e outros produtos químicos resultantes da exploração de Petróleo e Gás, como os montes oceânicos da cadeia submarina de Fernando de Noronha,  bacias hidrográficas e o oceano. 

Como contribuir:

Assine a petição Mar Sem Petróleo, apoie e divulgue essa causa! https://marsempetroleo.arayara.org/ 

 

 

Engaje-se com nossas campanhas e ações, e faça parte desta luta em prol de um futuro mais sustentável – e com água – para todas as pessoas.