+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Surfistas na COP 30: a luta pelo clima desde o oceano e as pororocas

Roda de conversa no ARAYARA Amazon Climate Hub reflete sobre o surf enquanto forma de observação crítica e expressão cultural das relações entre as pessoas e o mar.

 

A rede EcoSurf, em parceria com a Associação Alternativa Terrazul realizou, na tarde de hoje (11), no Pátio Yard do Amazon Climate Hub,  roda de conversa Diálogos da Floresta e do Mar: Perspectivas dos Povos e Comunidades do Maretório Brasileiro. O evento uniu a comunidade oceânica e das florestas de distintos biomas brasileiros, com lideranças movidas pela mesma intenção: proteger e defender a vida.

Formando um círculo central em cadeiras de praia, numa estrutura de palco em um ambiente ao ar livre repleto de artes pelas paredes, a roda de conversa lotou o pátio do Amazon Climate Hub e emocionou os participantes que ali, ao se enxergarem, puderam compreender a força do impacto de suas ações ao redor do país.

 

Surf pelo Clima

João Malavolta, CEO e fundador do Instituto EcoSurf, abriu o evento apresentando a plataforma #SurfPeloClima, que, por meio de uma pesquisa com mais de 40 perguntas e 538 entrevistados, subsidiou a construção do manifesto Surf Pelo Clima – lançado no evento – e a criação do movimento Surf na COP 30. “Nossa ideia (com a pesquisa) é justamente aprofundar o que pensa o surfista brasileiro quando o assunto é mudança climática e poluição”, pontua João.

 

Na sequência, a surfista, ativista, bióloga marinha e Coordenadora da Ecosurf em Santa Catarina. Amanda Suita, compartilhou sua experiência desde a infância quando, aos dez anos, se mudou com sua família para o litoral de São Paulo, em Santos, saindo da capital paulista. Amanda conheceu o mar e se apaixonou, em primeiro lugar, pelas ondas. Em seguida, pela força de transformação socioambiental da comunidade empoderada. Foi quando decidiu estudar biologia marinha e se tornou uma ativista socioambiental, atuando para conscientizar as pessoas em torno da necessidade de cuidar do planeta e dos povos.

 

“Promovemos ações de educação ambiental e despoluição da zona costeira de Imbituba desde 2014 e, através da ciência cidadã, nossos projetos já envolveram cerca de 2000 voluntários, recolhemos mais de 170 mil resíduos em 14 pontos de praias do município junto com grupos e associações locais durante essa campanha anual. As ações encorajam as pessoas a agir e geram sensibilização da comunidade em torno da importância de proteger o oceano”, declarou Amanda Suita, que mencionou estar emocionada ao ver tantas pessoas que admira tendo a oportunidade de se conectar no Amazon Climate Hub.

 

Vocês sabem qual é o maior regulador de temperatura do planeta?

 

Em uma palestra provocadora e reflexiva, André Comaru, ativista e empreendedor socioambiental da Kite 4 Ocean, frequentemente parava e pedia para as pessoas responderem suas perguntas, prendendo a atenção do público. Uma delas, com resposta unânime, foi esta  Vocês sabem qual é o maior regulador da temperatura do planeta? Oceano!, entoou a plateia. Não ouvi direito. OCEANO!, responderam com mais ênfase.

 

Nascido e criado em Fortaleza, na praia de Iracema, surfista e apaixonado pelas causas socioambientais, André vive entre Brasil, Austrália e Ilhas Fiji desde 2019. “Tenho o privilégio de poder chamá-las de casa também, e lá toco alguns projetos de cunho socioambiental. Apaixonado por essa causa, resolvi trazer essa luta para o Brasil porque minha experiência acabou me trazendo pra cá por perceber que nosso país precisava muito mais dessa luta”, comenta.

O empreendedor comenta que faz parte da ONG Instituto Ventos na qual, através do kitesurf, realiza-se expedições para levar saúde pública, englobando animais humanos, não-humanos e o planeta. ”Nesse projeto, saímos velejando com várias pessoas que acreditam em um mundo mais justo e levamos saúde para comunidades”, pontua.

 

“A gente desenvolve trabalhos de educação ambiental dentro das escolas municipais, muitas limpezas e atividades na prática para empresas, estudantes, e deixamos legados de escolas lixo zero”, comenta André Comaru.

 

Para evitar a chegada de plástico e resíduos das cidades nas praias e no oceano, o Instituto instala ecobarreiras – barreiras flutuantes com uma rede extremamente calculada para não atingir a biodiversidade. 

 

“Nunca pegamos um peixe, mas sempre muito lixo, especialmente plástico. Para barrar o lixo de chegar na praia, a gente precisava subir o curso do rio. 85% do lixo que chega até o nosso oceano, na verdade, começa na cidade. Já conseguimos impedir que mais de 200 mil kg (de lixo) chegassem ao oceano em 1 ano e meio de projeto”, celebra André.

 

Nosso próprio corpo se perde na nossa cultura, que segue sendo explorada 


A marisqueira e kitesurfista Letícia Oliveira, mulher negra jovem, liderança comunitária em Cumbuco (Ceará), foi ovacionada com uma salva de palmas quando entrou. Em sua fala, trouxe a emoção e também a dor de um povo que é pouco escutado, de um território tantas vezes explorado e invadido, inclusive pela especulação imobiliária e pelo turismo em massa. De acordo com ela, é fundamental fortalecer as lideranças comunitárias para fortalecer essa resistência ao modelo predatório de desenvolvimento.

 

“Estamos aqui também para que a gente não seja esquecido, que dentro do nosso território nós sejamos protagonistas da nossa história. É muito forte pra mim estar aqui representando meu povo. Nosso próprio corpo se perde na nossa cultura que segue sendo explorada”, comenta Letícia. “Mas vocês ainda vão ouvir falar muito do meu povo, eu tenho dois filhos, dois surfistas lindos, que vão continuar lutando”, comenta emocionada.

 

Auera-Auara, surfistas da selva!

 

Noélio Sobrinho, presidente da Federação Paranaense de Surf, não surfa no mar, mas na pororoca. Pororoca ou mupororoca é a forma como são denominados os macaréus que ocorrem na Amazônia. Trata-se de um fenômeno natural produzido pelo encontro das correntes fluviais com as águas oceânicas. A palavra pororoca, de origem tupi-guarani POROC POROC, significa “destruidor, grande estrondo”, e é o nome dado à onda mais longa do planeta, que corta a selva amazônica. 

 

O surfista de pororoca abriu sua fala com uma saudação dos surfistas da floresta: Auêra-Auara, expressão que significa “bem-estar”. Em seguida, apresentou o projeto das Miriti Boards, pranchas que, de acordo com Noélio, sufram com a alma da Amazônia.

 

“Quando comecei a surfar há mais de 40 anos atrás, as pranchas sempre vieram “da gringa”, agora fazemos de miriti. Uma palmeira da Amazônia que normalmente é utilizada para fazer brinquedos, doces, especialmente na época de Círio de Nazaré. Começamos a fazer uma fábrica de pranchas feitas de muriti, que chamamos de Muriti Boards. Conhecida como “isopor natural” da Amazônia, é uma madeira tradicional da cultura paraense”, apresenta Noélio, que chamou ao palco o ativista do surf na pororoca e seu parceiro, Marcelo Birita, responsável pela fabricação das pranchas.

 

Não só o pobre vai sentir os impactos da crise climática

 

Direto de Santa Catarina, a pesquisadora, surfista, ativista socioambiental e doutoranda da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Denise Siqueira, trouxe a reflexão em relação à necessidade de mudarmos o sistema para superarmos a crise climática. Para ela, o capitalismo precisa ser ultrapassado para garantirmos a defesa da vida, que compreende os humanos e animais não-humanos. “Não é só o pobre que vai sofrer os impactos da crise climática. Somos todos nós. Olha a tragédia no Rio Grande do Sul, cidades inteiras embaixo d’água. O tornado que atingiu o Paraná dois dias atrás, acabou com a cidade”, pontua Denise, que também é uma pessoa com deficiência e para-atleta. 

 

Também participou da roda de conversa a ambientalista, surfista e diretora técnica da Alternativa Terrazul, consultora da UNESCO e integrante da Comissão Nacional dos ODS. Fernanda Rodrigues.


De acordo com o Instituto Ecosurf, a roda de conversa partiu da compreensão de que “o surf é mais do que um esporte — é também uma forma de observação crítica e expressão cultural das relações entre as pessoas e o mar”. A atividade buscou fortalecer a voz dos povos do maretório brasileiro como protagonistas na defesa do Oceano e na construção de um futuro justo e sustentável.

Fotos: Odaraê Filmes

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

MPF e comunidades tradicionais discutem a exploração do petróleo na Foz do Amazonas

Ministério Publico Federal promoveu nesta terça-feira (11/11), com a participação de procuradores, uma mesa de discussões sobre a exploração do petróleo na Foz do Amazonas. O evento, paralelo à COP30, reuniu o cacique Raoni, a líder indígena Luene Karipuna e o vários representantes de etnias do norte Pará e Amapá. Os debates foram acalorados, com posicionamento potente de Raoni e

Leia Mais »

“Da Resistência à Justiça”: especialistas e lideranças regionais discutem futuro energético no Caribe e na América Latina

O ARAYARA Amazon Climate Hub sediou, na tarde desta terça-feira (11), o evento “Da Resistência à Justiça: O Futuro Energético do Caribe e da América Latina”, reunindo organizações e lideranças regionais para debater os desafios e caminhos para uma transição energética justa diante da crescente expansão das atividades de petróleo e gás no Caribe e América Latina. O painel também

Leia Mais »

Science Panel for the Amazon lança novo relatório científico durante a COP30 em Belém

O ARAYARA Amazon Climate Hub sediou hoje o evento Science for an Interconnected Amazon: Findings from the Amazon Assessment Report 2025, marcando o lançamento oficial do Segundo Relatório de Avaliação da Amazônia (AR2025), elaborado pelo Science Panel for the Amazon (SPA). A iniciativa reúne cientistas, povos indígenas, comunidades tradicionais e instituições parceiras de toda a Pan-Amazônia, com o objetivo de

Leia Mais »

Painel no ARAYARA Amazon Climate Hub revela desafios do Luz para Todos no Xingu e lança relatório técnico

O painel “Justiça energética e direitos territoriais: desafios da implementação do programa Luz para Todos no Xingu”, promovido pelo IDGlobal, reuniu especialistas, pesquisadores e lideranças indígenas no ARAYARA Amazon Climate Hub neste domingo (10), durante a COP30, em Belém (PA). O encontro marcou o lançamento do relatório técnico e do policy brief que analisam a implementação do programa em territórios

Leia Mais »