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Seminário da FNCE discute desafios e oportunidades da transição energética rumo à COP30

Na manhã de ontem (14), a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) — articulação da qual o Instituto Internacional ARAYARA é membro — , realizou o seminário online e gratuito “Clima, sociedade e energia: oportunidades e desafios da transição energética no Brasil rumo à COP30”.

O evento reuniu autoridades, especialistas e representantes da sociedade civil para discutir os desafios e as oportunidades da transição energética no Brasil, visando a preparação do país para a COP30.

A abertura do evento foi marcada por declarações importantes de Luiz Eduardo Barata, presidente da FNCE, que enfatizou a relevância do evento neste ano de COP30. Barata destacou o papel crucial da transição energética no Brasil e a necessidade de superar os desafios de acesso à energia no país. “Queremos contribuir com a presidência da COP mostrando a importância que existe na inter-relação entre o clima e a energia”, afirmou.

Barata também destacou o impacto da falta de acesso à energia para milhões de brasileiros, o que compromete não apenas a cidadania, mas também a qualidade de vida e o acesso à educação. Ele ressaltou que a FNCE tem se empenhado em buscar soluções sustentáveis para melhorar o acesso à energia de forma inclusiva.

A Visão do Brasil para a COP30

Ana Toni, por sua vez, frisou a relevância da FNCE na articulação do debate sobre energia sob a ótica dos consumidores. Ela afirmou que, apesar da matriz energética brasileira ser historicamente renovável e robusta, o Brasil demorou a tratar com seriedade o tema da energia. “Eventos como este são fundamentais para discutir que tipo de transição energética queremos , além de preparar o Brasil para a COP30”, disse Toni, 

Segundo ela, o Brasil costuma chegar de forma tímida nos debates das COPs sob, mas há uma expectativa de maior protagonismo na próxima edição: “A COP28 já apontou temas que precisamos enfrentar com mais clareza na COP30. Não vejo as incoerências como algo negativo — pelo contrário, elas refletem o nosso nível de maturidade para lidar com questões complexas. Foi muito positivo termos conseguido expor esses desafios de forma menos polarizada neste debate.”

Ana Toni reforçou que a transição energética precisa ser planejada diante do aumento da demanda por energia, e que os compromissos assumidos até aqui devem ser reavaliados considerando o novo cenário de consumo: “Precisamos de políticas específicas, mas também de uma visão sistêmica. Eficiência energética deve ganhar mais espaço, assim como a distinção entre crescimento econômico e prosperidade real. É preciso desvincular o desenvolvimento do aumento das emissões.”

Ela concluiu defendendo que os debates internacionais sejam de fato priorizados na COP30: “Não precisamos ir a Belém para fazer apenas debates nacionais. A prioridade deve ser como colocar em prática, de forma coletiva, os próximos passos da descarbonização do setor elétrico”, completou.

A urgência de uma transição energética justa

O primeiro painel do evento foi dedicado à descarbonização dos sistemas isolados da Amazônia. Alexandre Viana, CEO da Envol Consultoria, apresentou o estudo desenvolvido em parceria com a FNCE, destacando os desafios do acesso à energia na região amazônica, onde cerca de 1 milhão de pessoas ainda não têm acesso regular à eletricidade. Viana ressaltou que, embora as emissões dos sistemas isolados sejam relativamente baixas, há um imperativo ético e ambiental para a implementação de soluções sustentáveis na Amazônia.

“Mesmo onde há fornecimento, ele é intermitente e poluente, com tarifas elevadas. Isso agrava a inadimplência e prejudica o desenvolvimento local”, afirmou Viana.

Alessandra Mathyas, analista de conservação do WWF-Brasil, reforçou a importância de considerar o acesso à energia como um direito fundamental das comunidades. “O acesso à energia é essencial para o ‘bem viver’ das populações, e deve respeitar os direitos dos povos tradicionais”, afirmou Mathyas.

Alternativas para o fim do carvão no setor elétrico

O segundo painel abordou alternativas para o fim do carvão mineral no setor elétrico. Sílvia Cappelli, procuradora do Ministério Público do Rio Grande do Sul, compartilhou reflexões sobre as crises climáticas no estado e a importância de uma abordagem preventiva, interdisciplinar e transdisciplinar.

Donato Filho, da Volt Robotics, defendeu a reconversão das usinas de carvão, sugerindo a instalação de tecnologias de geração renovável, aproveitando a infraestrutura existente. “Queremos construir algo melhor. A reconversão das usinas pode tornar o Brasil um exemplo mundial de transição justa”, afirmou Donato, ressaltando que a transformação não deve excluir a mão de obra qualificada.

Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico da ARAYARA, destacou a urgência de uma transição energética no Brasil que promova justiça climática, garantindo acesso universal à energia limpa, acessível e sustentável, incluindo trabalhadores e toda a cadeia produtiva. Ele ressaltou que é necessário um novo paradigma energético que vá além da simples redução de emissões.

Araújo apresentou dados do relatório Boom and Bust Coal 2024, que mostra que, enquanto o uso de carvão avança na Ásia, países europeus reduzem sua dependência, priorizando saúde pública e sustentabilidade. Ele apontou os impactos ambientais da mineração e exploração do carvão no Sul do Brasil, destacando que o setor acumula um passivo ambiental de R$10 bilhões, valor que poderia gerar mais de 60 mil empregos se investido na recuperação da região.

O diretor criticou tentativas no Congresso de reverter vetos a subsídios ao carvão – como o PL Eólicas Offshhore – que podem resultar em aumentos nas tarifas de energia, o que acarretaria empobrecimento e desemprego. Citou as usinas de Candiota e Jorge Lacerda, que, se mantidos os subsídios até 2050, custarão cerca de R$100 bilhões e aumentarão as emissões de carbono.

Como solução, Araújo defendeu a realocação de recursos para financiar o “phase-out” do carvão, com foco em requalificação profissional, geração de empregos sustentáveis e compensação a municípios afetados. Segundo ele, essa medida poderia gerar até R$40 bilhões de economia na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), reduzir tarifas em até 17% e contribuir para a reconstrução do RS e as políticas climáticas nacionais. Ele concluiu que uma transição energética justa exige base legal, responsabilidade social e compromisso com um modelo limpo e acessível.

Resiliência e adaptação ao clima no setor elétrico

O terceiro painel abordou os desafios de resiliência no setor elétrico diante das mudanças climáticas. Ivina Suzuki, especialista do Instituto Clima e Sociedade (iCS), ressaltou que o setor elétrico está altamente vulnerável aos impactos climáticos. “Eventos extremos como secas e enchentes sobrecarregam o sistema, deixando populações sem acesso a energia”, alertou Suzuki, defendendo a necessidade de uma adaptação rápida e integrada da cadeia elétrica para garantir a resiliência do setor.

Pedro Regoto, da Climatempo, destacou a aceleração do aquecimento global, com temperaturas ultrapassando os limites do Acordo de Paris. “A relação entre aumento das emissões de CO₂ e aquecimento global é direta. O setor elétrico precisa se adaptar para enfrentar esses desafios”, afirmou Regoto, defendendo que a transição para uma matriz de baixo carbono pode ser uma oportunidade para reduzir riscos e avançar nas metas de desenvolvimento sustentável.

O papel da política e da infraestrutura na transição energética

Mário Miranda, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (ABRATE), discutiu os desafios da integração de fontes renováveis ao sistema elétrico. Ele enfatizou que a flexibilidade e resiliência do sistema de transmissão são cruciais para garantir a continuidade do fornecimento, especialmente em um cenário de mudanças climáticas intensas.

Leonardo Queiroz, superintendente-adjunto da ANEEL, também abordou a importância da adaptação das infraestruturas elétricas. “Estamos preparados tecnicamente, mas é preciso continuar investindo em resiliência”, afirmou Queiroz, defendendo a regulação do uso de recursos energéticos distribuídos, como a geração solar descentralizada.

No Painel 4, que abordou Lições e Desafios de uma Matriz Altamente Renovável, Edvaldo Santana, consultor e ex-diretor da ANEEL, destacou que a integração de fontes renováveis às redes elétricas é um desafio global, como evidenciado pelo recente apagão na Espanha. Segundo ele, o sistema elétrico foi historicamente estruturado em torno das termelétricas, e a rápida entrada das renováveis exige uma nova lógica, impactando a segurança do fornecimento.

“Santana destacou falhas na integração entre fontes renováveis e a infraestrutura elétrica existente. Citou como exemplo a Península Ibérica, onde, ao contrário do Brasil, o uso de reguladores de tensão não é obrigatório — e, quando instalados, muitas vezes não se sabe se estão funcionando de forma adequada.”

Ele alertou para a urgência do tema: “Se reconhecemos as mudanças climáticas como uma ameaça real, investir em energia limpa é uma necessidade. Se há custos, devemos enfrentá-los com soluções — não com retrocessos.”

A urgência da descarbonização e o papel das políticas públicas

Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima, defendeu a desativação das usinas termelétricas a carvão até 2027, alertando para os danos ambientais causados pela queima de carvão. Ela criticou a recente extensão da operação da UTE Jorge Lacerda até 2040, considerando-a economicamente e ambientalmente insustentável. “O Brasil tem potencial para ser líder na transição energética, mas isso exige decisões políticas firmes”, afirmou Araújo.

Jerson Kelman, Professor da UFRJ e ex-diretor-geral da ANEEL, criticou a atuação do Congresso Nacional, que vem legislando sobre energia sem base técnica. O presidente Lula vetou os “jabutis” (emendas sem relação com o tema principal do projeto), mas há o risco de que o Congresso derrube esses vetos. Existe ainda a possibilidade de que medidas provisórias incorporem propostas sem embasamento técnico, como a reinclusão de programas como o Proinfa, o que representa retrocesso.

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