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POSICIONAMENTO: O mapa do caminho deve ser construído, também, por quem caminha nos territórios afetados pela indústria fóssil.

Na décima-primeira carta da presidência da COP 30, publicada nesta segunda-feira (17), André Corrêa do Lago destaca que o “mundo está observando não apenas o que decidimos, mas como decidimos: se nosso processo reflete verdade, generosidade e coragem”. Ao mesmo tempo, está em discussão a proposta de construção de um mapa do caminho para a transição energética justa a nível mundial. Quando visualizamos “como” o mapa está sendo construído, estarrecidos dizemos: sem participação popular

Nos últimos anos, o Brasil vem promovendo leilões de blocos de petróleo e gás para exploração dos combustíveis fósseis que ameaçam vidas e ecossistemas. O Instituto Internacional ARAYARA já logrou diversas vitórias através de estratégias de litigância, acompanhadas de um trabalho técnico de geomonitoramento robusto, que demonstraram riscos iminentes a povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, e a unidades de conservação fundamentais para a regulação do clima neste momento de emergência que vivemos. 

A ampliação da exploração de petróleo e gás no Brasil a partir de 2023, especialmente nas novas fronteiras da Foz do Amazonas e de Pelotas, avança em sentido oposto às exigências da transição energética. A manutenção de uma agenda de expansão exploratória prolonga a dependência estrutural de combustíveis fósseis, aumenta emissões futuras e direciona investimentos para ativos com alto risco de obsolescência climática. A própria dinâmica das ofertas da ANP evidencia essa tendência: 607 blocos foram ofertados em dezembro de 2023; entre junho e outubro de 2025 somaram-se mais 179 blocos; para 2026 já se projetam 451 blocos disponíveis; e há mais de 1.600 blocos em estudo para entrar nos próximos ciclos da Oferta Permanente. Esse volume de áreas ofertadas demonstra um vetor de política pública incompatível com trajetórias de redução de emissões.

Somente no LRCAP 2026, previsto para ocorrer em março de 2026, foram cadastrados 311 projetos de UTE a gás que totalizam 12.189,96 MW (12,2 GW) para UTEs existentes e 100.680,04 MW (100,68 GW). A operação conjunta de todas essas usinas pode representar a emissão de 91.458.561,00 tCO2e/ano e mais que uma carbon bomb em 15 anos 1,371 GtCO2e.

Embora a justiça já tenha determinado a obrigatoriedade da consulta livre, prévia e informada às comunidades possivelmente afetadas por projetos de infraestrutura (como gasodutos e oleodutos) ou de exploração de petróleo e gás, ano após ano a sociedade civil aciona o poder judiciário para alertar que este direito está sendo violado. Fala-se em mapa do caminho, mas não se dialoga com quem caminha diariamente, com seus pés no território. Um mapa do caminho que ignora as vozes dos que caminham não deve prosperar. Um “mutirão” que é feito apenas por líderes de estado, sem a presença das lideranças comunitárias, não é capaz de refletir a sabedoria de quem está no território, não consegue sanar suas dores e promover justiça climática. Fica, portanto, incompleto — sem as coordenadas fundamentais de que precisamos para caminharmos, de fato, como pretende a própria presidência da COP, juntos, para responder à urgência que vivemos.

Se sua vida fosse ameaçada e, para continuar vivo, lhe oferecessem dinheiro vindo das mesmas pessoas que te ameaçam, você aceitaria? É exatamente o que observamos enquanto narrativa do governo federal em relação à transição energética no Brasil. Tanto o presidente Lula quanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já defenderam que os royalties do petróleo devem financiar a transição energética. É como tentar apagar um incêndio despejando gasolina. A narrativa utilizada perpetua um ciclo vicioso de devastação da natureza e violação de direitos humanos iminente à exploração de petróleo, gás e carvão, e distorce completamente a realidade. Ao afirmar que o dinheiro do petróleo pode financiar a transição energética, o governo federal transforma o agente da crise em salvador, embaralha responsabilidades e adia as decisões estruturais que precisam ser tomadas diante dos compromissos assumidos, inclusive a assinatura do Acordo de Paris.

Um caso emblemático que deve ser lembrado em relação a promessas de royalties é o da cidade de Macaé, no Rio de Janeiro. Conhecida como “capital nacional do pré-sal” e também “capital das usinas termelétricas”, a cidade cresceu rapidamente. Entretanto, mesmo com R$ 1,4 bilhão arrecadados em royalties em 2022, conforme a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), a prosperidade não se distribuiu igualmente. Em 2021, Macaé registrava uma das maiores médias salariais do Brasil, com 5,8 salários mínimos, mas a desigualdade persistia. Enquanto engenheiros e executivos recebiam altos salários, milhares de famílias viviam com menos de meio salário mínimo per capita. 

Além disso, muitos moradores enfrentam falta de saneamento, moradias precárias e dificuldades em serviços básicos. Entre 2014 e 2019, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mais de 60 mil trabalhadores perderam o emprego. A crise foi agravada pela Operação Lava Jato, que paralisou obras e contratos da Petrobras. Como resultado, casas foram abandonadas, escolas ficaram vazias e restaurantes fecharam. A cidade, que já teve o segundo maior polo hoteleiro do estado, viu hotéis encerrarem atividades. Com o preço do barril em queda e a desaceleração da produção, a economia desabou. Assim, o ciclo de prosperidade deu lugar à desigualdade e ao desemprego. 

O Instituto Internacional ARAYARA reitera que não é possível a construção de um “mapa do caminho” para longe dos fósseis sem a escuta ativa das vozes que caminham diariamente nos territórios brasileiros, em especial povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. Se a forma como o mapa é construído não mudar, o caminho repetirá ciclos viciosos que perpetuam desigualdades enquanto prometem prosperidade e justiça. Encerrar a COP 30 com uma proposta resolutiva que encaminhe o fim dos combustíveis fósseis será uma grande vitória para o Brasil e para o mundo, no entanto, se for construído sem as mãos, mentes e vozes das populações afetadas pelos empreendimentos fósseis, possivelmente nos levará ao mesmo lugar já conhecido: o do colapso climático.

Mapa da expansão fóssil no Brasil

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