O painel “Justiça energética e direitos territoriais: desafios da implementação do programa Luz para Todos no Xingu”, promovido pelo IDGlobal, reuniu especialistas, pesquisadores e lideranças indígenas no ARAYARA Amazon Climate Hub neste domingo (10), durante a COP30, em Belém (PA). O encontro marcou o lançamento do relatório técnico e do policy brief que analisam a implementação do programa em territórios indígenas da região do Xingu.
O documento, que teve apoio da Rede Energia e Comunidades (REC), que analisa as deficiências jurídicas, normativas e institucionais que comprometem a efetividade do programa nos territórios indígenas. Conduzido por indígenas ou amazônidas formados em Direito, o estudo apresenta uma investigação acadêmica e ação prática, resultando em uma análise detalhada dos entraves jurídicos, normativos e institucionais enfrentados pelas comunidades diante da expansão da infraestrutura elétrica. A iniciativa também propõe recomendações para uma transição energética justa e alinhada aos direitos territoriais.
A atividade foi coordenada por Júlia Soares, pesquisadora do IDGlobal, e contou com a participação da pesquisadora Isabela da Silva e do coordenador de energia do Idec Lourenço Moretto.
Monitoramento revela gargalos e falta de consulta prévia
Júlia Soares explicou que a pesquisa nasce da articulação da REC e de um esforço coletivo realizado em 2024 para monitorar a execução do Programa Luz para Todos em um território amplo e diverso como o Xingu.
“O programa chegou ao Xingu com placas solares, mas trouxe muitos gargalos: falta de consulta prévia livre e informada conforme convenção da OIT, equipamentos sem manutenção, ausência de treinamento técnico e falhas da concessionária Energisa MT. O resultado é uma política que deveria trazer qualidade e permanência, mas entrega energia precária, contas caras e insegurança para as famílias”, afirmou.
Segundo ela, o material lançado — relatório técnico e policy brief — sistematiza essas falhas e se soma a um diálogo ativo com o governo federal, a sociedade civil e os povos do território. “O documento reforça a necessidade de articulação pela transição energética justa, com acesso à energia que respeite as realidades locais.”
Falta de transparência e violações de direitos
Isabela da Silva, mestre em Direito pela USP, destacou que o policy brief aprofunda a análise jurídica de problemas que se repetem em várias terras indígenas do Xingu, incluindo a TI Wawi e outros territórios acompanhados pelo Instituto Socioambiental (ISA).
“Foram analisados diversos acórdãos e identificamos falhas graves de transparência e comunicação. Muitas famílias não sabiam como estavam sendo cobradas e chegaram a ser registradas no Serasa sem sequer entender o motivo”, disse.
A especialista ressaltou que as falhas são multidimensionais: técnicas, econômicas, regulatórias e ligadas à defesa do consumidor. Entre as recomendações apresentadas, ela citou:
-definição de voltagens adequadas e compatíveis com os usos dos povos;
-instalação de medidores em todas as unidades atendidas;
-formação técnica local para autonomia e manutenção;
-canais de atendimento acessíveis, com linguagem culturalmente adequada;
-diálogo contínuo com as comunidades para ajustar a oferta às necessidades reais.
“Acionamos os órgãos competentes para que o programa vá além da promessa de universalização e funcione de fato nos territórios”, concluiu.
Programa falha ao ignorar particularidades culturais e linguísticas
Para Lorenzo Moretto, coordenador de energia do Idec, a pesquisa oferece um aprendizado importante sobre o dimensionamento do serviço e o modo como as comunidades desejam receber a energia.
“É preciso ouvir expectativas e necessidades reais. Implementar política pública sem diálogo com a base é repetir erros. O estudo reforça a importância da Convenção 169 da OIT, que não estava sendo observada pela ANEEL nem pelo Ministério”, afirmou.
Ele apontou falhas na regulamentação, na prestação de informações e na adaptação cultural do programa:
“Não existe direito à informação adequada. A população não fala português, e o sistema não prevê suporte para isso. A voltagem foi definida de forma arbitrária e as demandas energéticas não estavam sendo atendidas. É um problema que começa na norma, passa pela concessionária e chega à casa das pessoas.”
Segundo Lorenzo, a pesquisa ajuda a criar modelos de monitoramento do programa, permitindo avaliar até que ponto a política está alcançando seus objetivos.
Caminho para uma transição energética justa
Para a diretora executiva da ARAYARA, Nicole Figueiredo, o painel reforçou que o acesso à energia elétrica em comunidades indígenas não pode ser conduzido como uma mera expansão de infraestrutura, mas como um direito ligado à vida, à autonomia e à segurança territorial.
A discussão integra a programação do ARAYARA Amazon Climate Hub, espaço que articula saberes ancestrais e inovação climática durante toda a COP30, com debates, oficinas, atividades interativas e transmissão ao vivo.
Foto: ARAYARA/ Oruê Brasileiro










