Dados do Caderno de Conflitos no Campo 2024 mostram um cenário preocupante, com 2.185 conflitos e 13 assassinatos registrados, o segundo maior número da década
Na tarde de ontem (12), as mobilizadoras do Instituto Internacional ARAYARA, Raíssa Felippe e Laís Drumond, participaram em Brasília de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados. A sessão, requerida pelo deputado Tadeu Veneri (PT-PR), abordou a escalada da violência no campo, nas florestas e nas águas, e discutiu a urgência de políticas públicas efetivas para a proteção de povos e territórios.
Segundo o parlamentar, dados do Caderno de Conflitos no Campo 2024, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), revelam um cenário alarmante: foram registrados 2.185 conflitos e 13 assassinatos, o segundo maior número da década.
O encontro reuniu lideranças e representantes de organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), que apresentaram dados alarmantes sobre conflitos agrários, violência contra povos indígenas e comunidades tradicionais, e impactos da crise climática e de grandes empreendimentos sobre populações ribeirinhas e pescadoras.
Conflitos e impactos socioambientais
José Carlos da Silva Lima, do CPT, comenta que 78% dos conflitos no campo são relacionados à disputa por terra e 12% ligados à água. De acordo com Silva, de 2023 para 2024, o número de conflitos aumentou 762%, com destaque para o Maranhão, onde o uso intensivo de agrotóxicos, chamado por agricultores de “guerra química”, é uma das principais causas de contaminação e degradação ambiental.
Ivanilda Torres, do CIMI, pontuou que, apenas em 2024, foram contabilizados 211 assassinatos de indígenas, 39 casos de racismo, 21 de violência sexual e mais de 900 mortes infantis por doenças relacionadas à falta de saneamento, desnutrição e contaminação por atividades como o garimpo. A entidade defendeu a revogação da Lei do Marco Temporal e o avanço da demarcação de 857 territórios indígenas ainda pendentes.
Representante do CPP, Gilberto Lima destacou que 97,3% das comunidades pesqueiras acompanhadas sofrem impactos diretos da crise climática e da expansão de grandes empreendimentos — como portos, parques eólicos, usinas solares e exploração de petróleo e gás — muitas vezes implementados sem a consulta livre, prévia e informada garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo ele, esses projetos têm provocado a perda de áreas de pesca, a insegurança alimentar e a redução da biodiversidade.
Durante a audiência, lideranças como o Cacique Humberto Pataxó denunciaram a pressão de setores como turismo, mineração e agronegócio sobre territórios tradicionais, além de casos de criminalização de lideranças indígenas.
Pressões, invasões e criminalização de lideranças indígenas
Comunidades Pataxó têm enfrentado intensa pressão sobre seus territórios, que sofrem sobreposição com unidades de conservação, assentamentos rurais e áreas de interesse do setor hoteleiro e da mineração.
Durante audiência pública, lideranças como o Cacique Humberto Pataxó denunciaram a pressão de setores como turismo, mineração e agronegócio sobre territórios tradicionais, além de casos de criminalização de lideranças indígenas.
Ele relatou a atuação de Mateus Bonfim, da AGRONEX — empresa financiada por Adolpho Loyola, atual Secretário de Relações Institucionais do Governo da Bahia —, acusado de invadir territórios tradicionais e provocar conflitos com o objetivo de gerar instabilidade. Segundo os relatos, Bonfim teria inclusive convocado a Câmara dos Deputados para visitar a área, em meio a um cenário de tensão.
A situação se agrava com a prisão, há mais de um mês, do cacique da Aldeia Mãe Pataxó Barra Velha, acusado de forma considerada arbitrária por lideranças e organizações de direitos humanos. Para o povo Pataxó, a detenção é parte de um processo de criminalização das lideranças que resistem à invasão e exploração de seus territórios.
Energia e territórios indígenas
O Instituto Internacional ARAYARA, maior organização de litigância climática da América Latina, atua há 34 anos ao lado de comunidades tradicionais na defesa de seus territórios e direitos.
De acordo com o Monitor Amazônia Livre de Petróleo, 230 territórios indígenas estão em áreas de influência direta de projetos energéticos existentes ou planejados — 28% de todas as Terras Indígenas do país. A diretora-executiva da ARAYARA, Nicole Oliveira, alertou para a ausência de uma regulação efetiva sobre a consulta prévia e criticou os leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP):
“Esses empreendimentos estão sitiando as terras indígenas, e o cenário pode se tornar ainda mais devastador caso o chamado PL da Devastação flexibilize o licenciamento ambiental.”
Para Oliveira, é essencial unir forças, fomentar o diálogo e produzir dados técnicos para embasar políticas públicas que garantam a vida, os territórios e os direitos das populações do campo, das florestas e das águas diante da crescente violência e degradação ambiental no país.
Ela reforçou que, embora sejam os principais guardiões da floresta, esses povos continuam tendo suas vozes silenciadas:
“Suas demandas — como a demarcação e proteção de territórios, o combate ao extrativismo predatório, a autonomia sobre seus modos de vida e a participação efetiva nas negociações de políticas públicas — têm sido sistematicamente ignoradas. Sem os povos da floresta, não há futuro para o planeta.”
Foto: Raíssa/ ARAYARA