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Opinião: O mesmo Brasil que registra recorde de acidentes na exploração de petróleo também aprova projeto que desmonta licenciamento ambiental

Conforme os dados publicados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no Painel Dinâmico de Incidentes em Exploração e Produção, o Brasil teve, em 2024, um recorde de 731 acidentes envolvendo a exploração marítima de petróleo, sendo este o maior valor da série histórica, que começou a ser contabilizada em 2011 e que já soma 26460 incidentes comunicados pelos operadores até a presente data (17), de acordo com o gráfico abaixo: 

Em 2024, foram 731 acidentes e 1.376 “quase acidentes” no ambiente marinho. Já no ambiente terrestre, neste mesmo ano somam-se 360 acidentes e 591 “quase acidentes”, bem como  mais de 3 mil incidentes que, na sua maioria, ocorrem em instalações de produção, sondas, poços e campos de petróleo, conforme os gráficos extraídos do Painel Dinâmico de Incidentes em Exploração e Produção. Apenas em 2025, nos ambientes terrestre e marinho já somam-se 510 casos de acidentes e  1.052 de “quase acidentes”, ou seja, situações próximas de um acidente real, conforme a ANP. 

Fonte: Painel Dinâmico de Incidentes em Exploração e Produção – ANP

 

Dentre os acidentes ocorridos este ano, destaca-se um incêndio que atingiu a plataforma da Petrobras na Bacia de Campos em abril e deixou 14 trabalhadores feridos. O desastre ocorreu em virtude de uma explosão na plataforma Cherne 1 (PCH-1), operada pela Petrobras, na Bacia de Campos, a cerca de 130 km da costa de Macaé, no Rio de Janeiro. 

Com a aprovação de 267 votos a favor e 116 contrários, o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) foi votado na madrugada desta quinta-feira pela Câmara dos Deputados, estabelecendo-se  novas regras gerais de licenciamento ambiental no Brasil. Esta proposta  cria novos tipos de licença, como para empreendimentos estratégicos e de adesão por compromisso com procedimentos simplificados e prazos menores para análise, ou seja, flexibiliza e simplifica o processo de análise e aprovação de obras e empreendimentos pelos órgãos ambientais em âmbito federal, estadual e municipal.  O substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados incorporou 29 emendas do Senado ao Projeto de Lei 2159/21, com parecer favorável do relator, deputado Zé Vitor (PL-MG).

A aprovação do PL 2.159/2021 por 70% dos Deputados Federais representa um risco significativo para a expansão da indústria fóssil no país, com graves implicações ambientais e sociais. Especialistas e ambientalistas alertaram para diversos retrocessos que o PL traz, flexibilizando as regras e fragilizando a fiscalização ambiental. Em tramitação há 20 anos no Congresso, o referido PL voltou à pauta do Senado de forma repentina em maio deste ano em virtude do contexto de pressão dos parlamentares ao Governo Federal para a aprovação de licenciamento ambiental para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. 

A boiada passando através da Licença Ambiental Especial (LAE)

Conforme divulgado pela Agência Câmara de Notícias, uma das emendas aprovadas criou um novo tipo de licenciamento ambiental, chamado de Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser concedida mesmo se o empreendimento for efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, como exemplo: Usinas Termelétricas, Áreas de exploração de Petróleo, gás natural, carvão mineral e de fraturamento hidráulico (gás de xisto). 

A criação da Licença Ambiental Especial (LAE) foi incluída pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) através de emenda. Nesta emenda ficou definido que a Licença Ambiental Especial (LAE) consiste no ato administrativo expedido pela autoridade licenciadora que estabelece condicionantes que deverão ser observadas e cumpridas pelo empreendedor para a localização, instalação e operação de atividade ou de empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente. 

Com a aprovação do PL do licenciamento ambiental, também denominado por ambientalistas como PL da devastação, esse tipo de licença poderá ser usada para atividades ou empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo, órgão de assessoramento do presidente da República quanto à política ambiental, onde a definição das prioridades será bianual, e uma equipe técnica deverá se dedicar permanentemente à função.

Ficou estipulado no presente PL que a Licença Ambiental Especial (LAE) terá prazo de 12 meses para conclusão da sua análise e decisão sobre o pedido de licença. Já no que tange o prazo de validade da LAE, ficou estipulado entre 5 a 10 anos, e a autoridade licenciadora dará prioridade à análise dos pedidos de LAE em detrimento de outras licenças. Ainda, segundo o texto, a análise da LAE deverá ocorrer em uma única fase, e a autoridade licenciadora poderá solicitar informações adicionais uma única vez.

Neste sentido, os outros órgãos que precisam emitir licenças deverão dar prioridade à emissão de anuências, licenças, autorizações, certidões, outorgas e demais documentos necessários em qualquer esfera administrativa para o processo da Licença Ambiental Especial (LAE). 

Todo este novo contexto de insegurança jurídica no âmbito da legislação ambiental brasileira após a aprovação do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/202) poderá ocasionar: 

  • Fragilização do controle e da fiscalização: O PL enfraquece o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e o papel de órgãos como o ICMBio, essenciais para a fiscalização e proteção ambiental. A redução do controle estatal pode abrir caminho para que empreendimentos da indústria fóssil operem com menos restrições, aumentando a probabilidade de acidentes e de degradação ambiental.
  • Omissão de impactos indiretos e sinérgicos: O projeto é criticado por não prever e mitigar adequadamente impactos indiretos e sinérgicos dos empreendimentos. No caso da indústria fóssil, isso é crucial, pois suas atividades geram uma série de impactos interligados, como poluição do ar e da água, uso excessivo de recursos hídricos, pressão sobre áreas de preservação, e aumento das emissões de gases de efeito estufa, como exemplo temos o processo polêmico de licenciamento ambiental junto ao IBAMA da UTE Brasília. 
  • Ignorância da crise climática: Uma das maiores críticas é que o PL não faz sequer menção à palavra “clima” em seu texto. Em um contexto de emergência climática global, essa omissão é um retrocesso. A expansão da indústria fóssil é diretamente responsável por grande parte das emissões de gases que causam o aquecimento global. Flexibilizar o licenciamento para esse setor no Brasil contraria os compromissos internacionais do país e agrava a crise climática.
  • Impactos em biomas e populações tradicionais: A expansão da indústria fóssil, facilitada por um licenciamento mais brando, pode ameaçar biomas sensíveis, como a Amazônia e o Cerrado, e desconsiderar a existência de Terras Indígenas e territórios quilombolas não titulados, ou seja, homologados, pois no que tange terras indígenas o projeto permite a manifestação da Funai apenas sobre aquelas com demarcação já homologada. No Brasil há pelo menos 259 terras indígenas em processo de demarcação (equivalente a 32% da área total desse tipo de terra) que ficariam de fora da análise por ainda não estarem homologadas.

Transição Energética no Brasil em 2025: Dos “combustíveis fósseis para os combustíveis fósseis”

Apesar dos discursos sobre transição energética, o Brasil tem demonstrado uma tendência de aumentar a aposta em combustíveis fósseis, fato materializado no em junho deste ano com a realização do 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão onde foram arrematados 34 blocos exploratórios localizados nas bacias do Parecis, Foz do Amazonas, Santos e Pelotas, totalizando uma área de 28.359,55 km². Projetos de exploração em áreas sensíveis, como a Margem Equatorial, ilustram essa direção do Brasil em pleno ano de realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 – COP30.

A flexibilização do licenciamento ambiental é vista como uma forma de facilitar e acelerar esses projetos, em detrimento da proteção ambiental e da transição para uma matriz energética mais limpa.

Em resumo, a aprovação do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental é vista pelo Instituto Internacional ARAYARA como um caminho para a degradação ambiental, desmatamento e aumento da poluição, beneficiando a expansão da indústria fóssil em detrimento do meio ambiente, da saúde pública e dos compromissos climáticos do Brasil, assim como este PL infere os Direitos Humanos dos Povos Indígenas do Brasil. 

___

John Wurdig – Técnico em Meio Ambiente, Engenheiro Ambiental, Pós-graduado em Saneamento Ambiental, Mestre em Planejamento Urbano, Pós-graduado em Educação, Pós-graduado em Políticas Públicas Ambientais, especialista ESG e Gerente de Transição Energética da ARAYARA

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