Era inevitável: os desvarios de Jair Bolsonaro finalmente expuseram seu governo à perspectiva real de colapso. Este pode preceder ou ser concomitante ao da Saúde pública. Com um presidente da República que não comanda e age aos faniquitos, sob o barulho diário das panelas, não se pode esperar coisa boa.
Graças à sua inépcia política e cognitiva, Bolsonaro está isolado, sob açoite constante de todas as forças políticas e institucionais do país. Um presidente aquartelado é um presidente que produz problemas e obstrui soluções. Estamos diante de uma crise inédita e complexa, que exige ampla coordenação e colaboração – duas palavras que inexistem no léxico de Bolsonaro.
A erosão da autoridade moral e política do presidente da República, numa crise gravíssima, tem consequências perniciosas para o Brasil. Manieta o combate à pandemia, custa vidas, custa dinheiro, custa governabilidade. A bagunça que vemos hoje custará vidas, emprego e renda amanhã. Ilude-se, ou desconhece a natureza da política, quem pensa que o Brasil pode atravessar exitosamente uma crise dessa magnitude sem um presidente funcional. No melhor dos cenários, o custo Bolsonaro será amortecido por uma atuação acertada, impecável dos governadores. Mas esse custo existirá.
O isolamento de Bolsonaro não é um exagero. Ninguém com influência política respeita o presidente da República. Nem no Congresso, nem no Judiciário, nem entre governadores. Ele não consegue criar seu partido; não tem base no Congresso. Aliados calam-se ou rompem com ele, como Caiado fez hoje. (Quase) Ninguém sequer o defende. Não há robôs suficientes no Twitter para mudar esse cenário.
Como vivemos uma baderna institucional, ignora-se a gravidade de alguns fatos políticos. O vice-presidente desautorizou o presidente. Mourão disse: “A posição do nosso governo, por enquanto, é uma só: o isolamento e o distanciamento social”. Ele falou com aval das principais lideranças de Brasília. Querem que Bolsonaro sinta a brasa do impeachment e crie juízo. Será?
O ministro da Saúde, com ajuda política de muita gente influente, ficou no cargo. Mandetta, ao contrário do que muitos dizem, não é um quadro altamente qualificado. Errou no planejamento para a crise, tardou a agir, especialmente quanto à mobilização para a compra de testes e respiradores, e não ofereceu informações claras sobre os processos de tomada de decisão da pasta. Não aprendeu com as lições da China, de Hong Kong e da Coreia do Sul, por exemplo. Menospreza a necessidade de testar todos os casos suspeitos, entre outras diretrizes da OMS.
Mas, em governo de Bolsonaro, Mandetta parece um iluminado. Apesar de suas limitações, é um médico e conhece o SUS. Falou hoje como político, buscando conciliar o pronunciamento do presidente com as ações de sua pasta. Virou uma gororoba. Mas Mandetta segue nessa caçamba cambaleante, sem ouvir os berros do motorista.
Um exemplo da gororoba: o anúncio da liberação da cloroquina para tratamentos de pacientes com covid-19 em estado grave. Os burocratas da pasta limitaram-se a fornecer informações genéricas sobre a medida. Não explicaram como o Ministério da Saúde chegou à conclusão de que vale a pena estabelecer o novo protocolo. Não explicaram o que sustenta essa decisão e por que ela foi tomada agora. Trata-se de um padrão do Ministério da Saúde nessa crise: não explicar o processo de tomada de decisão.
Debate horizontal
Enquanto o Brasil perdia um dia precioso na guerra contra o covid-19, aprisionado pelos disparates de Bolsonaro, os diretores da OMS ressaltavam, mais uma vez, que lockdowns servem para ganhar tempo – tempo que deve ser usado para testar, isolar e tratar as pessoas doentes, sem que os sistemas de saúde entrem em colapso.
O ataque a ela envolve uma combinação difícil de medidas fortes de saúde pública e de apoio econômico a pessoas e empresas.
O fronte da saúde pública precisa mapear a presença do inimigo. Sem saber onde ele está, é impossível combatê-lo com sucesso no longo prazo. Distanciamento social é necessário, mas insuficiente.
Só se faz isso mediante testes e investigação de contatos suspeitos. Assim se identificam áreas de batalha – de forte contágio e número de casos (hotspots). Ao se fazer isso, mitiga-se o estrago que o inimigo faz. Torna-se possível tratar os doentes e isolar os casos suspeitos.
É uma guerra com muitas batalhas. Esse processo de testar, isolar e tratar leva tempo. Haverá novas ondas – surtos – do vírus. Trabalha-se para que cada onda seja menor.
Essa primeira onda, ou batalha, é a mais difícil. Quem age mais rápido e de modo decisivo na frente da saúde pública tem mais chances de sucesso no curto prazo.
O sucesso no curto prazo permite a retomada das atividades não essenciais do país. Esse ponto é de extrema relevância. Não há vitória se não houver ataque (testes e mapeamento das áreas/pessoas de risco). Apenas defesa (distanciamento social e tratar casos graves) não resolve.
O que seria o curto prazo aqui? 15 dias? Um mês? Não sabemos. Depende do ataque. Por isso não se discute a volta imediata à vida normal.
De qualquer modo, Bolsonaro interditou esse debate. Reduziu algo complexo à questão binária entre vidas x economia. Seguiu as palavras de Trump nas duas últimas coletivas.
É necessário compreender que essa guerra não termina quando sairmos de casa. Não teremos vencido o vírus. Teremos, espera-se, vencido a primeira e mais difícil batalha, impedindo o colapso do sistema de saúde, da economia e do nosso modo de vida.
Idealmente, teremos que conviver com hábitos novos por um bom tempo. Medição de temperatura em locais de aglomeração, uso, sim, de máscaras em muitos casos e algum nível de menor interação social.
É um problema extremamente complexo, multifacetado, que mobiliza as mais brilhantes mentes do mundo. Políticos ignorantes e autoritários são os principais aliados do vírus.
Fiquem em casa.
Diego Escosteguy
© Vortex Media
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Nicole Oliveira
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