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O oceano em preto e branco

O que o branqueamento dos corais nos diz sobre o futuro do petróleo? Essa pergunta pode ser respondida de maneiras diferentes, dependendo do objeto. Olhando pela lente dos corais, o branqueamento não é apenas um fenômeno sazonal triste, é um sinal alarmante de que estamos perdendo a luta contra as mudanças climáticas.

 

Por 

Vinicius Nora
Gerente de Oceanos e Clima da Arayara

Suely Araújo
Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima

Nicole Figueiredo
Diretora-executiva da Arayara

publicado originalmente no jornal A Folha de São Paulo, em 22/04/2024.

 

Como um déjà-vu não desejado, repetimos o cenário de 2019-20 com uma nova onda de branqueamento que afeta os corais brasileiros. Enquanto escrevemos este artigo, muitas áreas do Brasil já estão em alerta máximo para o aumento da temperatura do mar, segundo o Coral Reef Watch, do Noaa (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, dos EUA). Assim, cientistas de décadas de experiência estão pouco otimistas quanto ao futuro desses ecossistemas absolutamente incríveis.

 

Corais saudáveis da espécie Millepora alcicornis em Tamandaré (PE) em fevereiro de 2024 ( acima), e já branqueados no mês seguinte – Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams – Ágatha Naiara Ninow/Projeto PELD-Tams

 

Historicamente, o Brasil “escapou” dos eventos de estresse térmico, com baixos níveis de mortalidade de corais (5% a 10%). Contudo, agora acompanha a tendência global, onde o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, estima que com o aumento da temperatura média global para 1,5°C, entre 70% e 90% dos corais tendem a desaparecer. Infelizmente, já ultrapassamos pontualmente esses limites e estamos oficialmente na quarta onda global de branqueamento.

Os registros com a influência do derramamento de petróleo em 2019 destacam uma série de impactos que se acumulam, incluindo mudanças na economia costeira, proporção de tamanho e sexo dos animais, redução na abundância, anomalias mutagênicas e até a mortalidade em massa de corais. Pesquisas desse período registraram taxas alarmantes de mortalidade, como os 89% nos corais-de-fogo em Abrolhos (Reserva Extrativista Marinha do Corumbau), na Bahia, ou a queda de 18% na cobertura de corais em Maragogi (Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais), em Alagoas, que apontaram para um risco crescente para esses ecossistemas, mesmo dentro de áreas protegidas.

A tendência é que eventos do tipo sejam menos espaçados e mais impactantes, pois, à medida que o acúmulo dos impactos progride e as fronteiras de petróleo no Brasil e no mundo crescem sem trégua, o cenário de colapso oceânico se torna mais iminente. Estimativas mostram que o número de processos de licenciamento do tipo cresceu 204,6% em dez anos somente no Brasil. E ainda cabe destaque ao debate que os projetos só não avançaram como previa o setor por falta de analistas no Ibama, mostrando um descompasso proporcional entre a vontade de explorar o petróleo e o investimento nos órgãos reguladores.

A questão é especialmente relevante para governos e empresas; o financiamento climático global, com o objetivo de mitigar os impactos já previstos, é estimado em US$ 1,3 trilhão, enquanto o financiamento para adaptação está avaliado em US$ 63 bilhões. Também é digno de nota o estudo da Fundação Boticário, que estimou que os recifes de corais no Brasil podem gerar R$ 167 bilhões em receitas relacionadas à proteção da linha costeira e ao turismo, com destaque para o Nordeste.

Em contraponto, as perdas globais estimadas decorrentes de impactos por mudanças climáticas podem superar US$ 2,4 trilhões. Somente em 2017, os danos de 16 eventos climáticos extremos nos Estados Unidos somaram U$S 383 bilhões (2% do PIB americano). O cenário nos dá sentido ao ditado popular: mais vale prevenir que remediar.

Frente à crise iminente dos recifes de coral, é crucial identificar soluções viáveis. Embora medidas como planejamento espacial marinho, gestão costeira adaptativa, expansão de áreas de conservação marinha e regulamentação da pesca possam mitigar danos, a solução permanente requer uma transformação profunda e justa da matriz energética. Isso implica transição da indústria do petróleo para fontes de energia limpa e renovável, reduzindo nossa dependência de combustíveis fósseis.

Avaliamos que é hora de escrever um novo capítulo dessa história. De um lado, vislumbramos um futuro livre da dependência integral do petróleo, sem a monocultura energética e com recifes coloridos e diversos. Do outro, viveremos na dicotomia de cores, com a expansão contínua das fronteiras petrolíferas pelo mundo, à custa da perda irreversível dos recifes de corais.

Essa decisão está sobre a mesa de maneira permanente. O branqueamento dos corais serve como uma ampulheta do tempo que nos leva à pergunta: ainda há tempo para salvar os recifes de corais?

 

 

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