O leilão é uma medida de caráter paliativo, resultado de uma série de desequilíbrios do setor que convive com o excesso de subsídios e benesses para vários segmentos
Anton Schwyter é Economista, mestre e doutorando em Energia, gerente de Energia, Clima e Geociências do Instituto Internacional ARAYARA
Com o objetivo de garantir a segurança do suprimento elétrico em momentos de alta demanda ou escassez hídrica, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou para junho o Leilão de Reserva de Capacidade de Energia. Entretanto, é preciso refletir sobre a real necessidade desse leilão e da concepção de sua estruturação.
A primeira questão é o fato de que o leilão incentiva a contratação de termelétricas movidas a combustível fóssil, no caso, o gás natural. Apesar da previsão de participação de hidrelétricas, os produtos desenhados a serem ofertados facilitarão enormemente a participação de usinas a gás natural – tanto as que já estão em operação, como as previstas para até 2030.
Essa ampliação de capacidade baseada em fontes fósseis compromete a diversificação da matriz elétrica brasileira que, historicamente, é composta majoritariamente por fontes renováveis. A medida prejudica também o incentivo para o desenvolvimento de novas tecnologias como o armazenamento de energia. Isto reflete ainda a carência de uma visão mais abrangente de gerenciamento da demanda na ponta do consumo, já utilizado com sucesso, principalmente nos segmentos industrial e comercial.
Outra questão importante é com relação aos repasse de custos aos consumidores, visto que o Leilão de Reserva de Capacidade também adiciona extras às contas de energia. Isso porque paga-se para garantir a disponibilidade de geração, mesmo que essa capacidade não seja utilizada – o que onera especialmente os consumidores do mercado regulado e agrava o desequilíbrio financeiro entre este mercado e o mercado livre.
Finalmente, o leilão é uma medida de caráter paliativo, resultado de uma série de desequilíbrios do setor que convive com o excesso de subsídios e benesses para vários segmentos. Dessa forma, o ideal é que o leilão fosse realizado a partir de contratos com custos e prazos menores, e que efetivamente se realizassem estudos visando a necessária e imprescindível reforma do setor elétrico.
Essa reforma deveria abarcar três pontos principais: a imediata revisão de encargos e subsídios; promover a descarbonização e transição energética inclusiva em termos sociais e econômicos; e a modernização das regras de mercado com atualização do atual modelo regulatório, o que permitiria a ampliação do mercado livre para todas as classes de consumo.
A necessidade de reforma do setor elétrico brasileiro surge então da complexidade de mudanças tecnológicas, ambientais, regulatórias e econômicas, ao mesmo tempo em que seguem em vigor políticas públicas defasadas, que contemplam incentivos e subsídios.
O sistema atual elétrico não poderá se adaptar às novas demandas de sustentabilidade, eficiência e inovação sem uma reforma que o permita ser mais eficiente e inclusivo. Essa reforma beneficiará não apenas consumidores e agentes do setor, mas também a economia e o meio ambiente. Para isso, as prioridades devem ser a correção das distorções no modelo de subsídios e a adoção de medidas que estimulem a eciência e a sustentabilidade. Sem essas mudanças, o país estará constantemente recorrendo a soluções paliativas para lidar com problemas de natureza estrutural.