Em 2025, o Brasil terá, pela primeira vez, a missão de liderar a principal conferência climática do planeta: a COP30, que acontecerá em Belém do Pará, no coração da Amazônia. A escolha é carregada de simbolismo — sediar o evento no maior bioma tropical do mundo é um reconhecimento da importância estratégica do país no enfrentamento da crise climática. No entanto, as contradições internas ameaçam minar a legitimidade brasileira como liderança global nesta pauta.
Assumir a presidência da COP não é apenas um gesto diplomático. É uma posição estratégica, que exige coerência entre o discurso e a prática. E é justamente nesse ponto que o Brasil tropeça.
Apesar de defender uma transição energética justa nos fóruns internacionais, o país segue apostando em políticas que reforcem a dependência de combustíveis fósseis. O governo mantém a agenda de leilões de petróleo e gás na margem equatorial — região de elevada sensibilidade socioambiental — e continua investindo em termelétricas. Essa escolha representa um retrocesso diante das alternativas renováveis cada vez mais competitivas e urgentes.
“Leilões de petróleo e gás são escolhas determinantes: ou persistimos em um modelo destrutivo, ou optamos por um novo caminho baseado na vida, na recuperação e na renovação do meio ambiente. O futuro será consequência direta das escolhas que fizermos agora”, alerta Nicole Figueiredo, diretora executiva do Instituto Internacional ARAYARA.
A incoerência vai além da energia. A força do agronegócio segue como um dos principais obstáculos para metas mais firmes de desmatamento zero, enquanto pressiona políticas que priorizam o lucro imediato em detrimento da conservação florestal. Tudo isso enfraquece a imagem do Brasil como articulador de uma agenda climática robusta e comprometida com o futuro.
O financiamento climático será um dos temas centrais da COP30. Países em desenvolvimento precisarão, juntos, de cerca de US$ 2,4 trilhões por ano até 2030 para cumprir suas metas climáticas. O Brasil poderá, sim, cobrar os países ricos por mais recursos — mas também precisará mostrar que esses fundos serão investidos de forma coerente, em soluções sustentáveis, e não para alimentar a expansão de cadeias fósseis dentro de suas próprias fronteiras.
“É inaceitável que, em pleno agravamento da crise climática, bilhões de dólares sigam sendo destinados à expansão de infraestruturas de petróleo, gás e carvão. Falar em ‘transição energética justa’ enquanto se mantém subsídios aos combustíveis fósseis é, no mínimo, contraditório”, critica Figueiredo.
Ela também aponta que uma transição verdadeira precisa redirecionar recursos para energias limpas, com controle social e impactos reais e positivos para as populações mais vulneráveis. “Continuar a investir no passado é negligenciar o futuro”, afirma.
O desafio do Brasil não é pequeno. Envolve romper com interesses extrativistas enraizados na política nacional, enfrentar o lobby de setores poluentes e construir uma nova narrativa de desenvolvimento — uma que coloque a vida e a justiça climática no centro das decisões.
A COP30 representa uma oportunidade histórica de o Brasil se posicionar como um líder global na luta climática. Mas, para isso, será preciso provar, com ações concretas, que a transição energética começa em casa — com o fim dos subsídios aos fósseis, o bloqueio de novos leilões de petróleo e o investimento em soluções baseadas na natureza, na bioeconomia e na geração de empregos sustentáveis.
O que está em jogo vai muito além das duas semanas de negociações em Belém: trata-se do futuro da Amazônia, da capacidade de atrair investimentos verdes e da legitimidade do Brasil como articulador climático global.
No fim, a presidência brasileira da COP30 será julgada não pelo que for dito nos discursos, mas pelo que for feito no território nacional. E essa cobrança precisa começar agora.
Por: Avenida Comunicação
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