Produzido espontaneamente pela decomposição natural de matéria orgânica em aterros sanitários e processos de saneamento ambiental, o biogás e o seu refinamento, o biometano, já alcançaram no Brasil todas as condições de regulação e qualificação técnicas.
Entretanto, para que os projetos saia das pranchetas e se transformem em obras e instalações que joguem na atmosfera menos gases do Efeito Estufa, ainda é necessário que os atores determinantes dessa área, as empresas, decidam investir nesse produto.
“Não falta nada. Todo o marco regulatório já está pronto. Essa agora é uma questão de decisão individual de cada empresa”, diz o administrador de empresas e vice-presidente da Associação Brasileira de Biogás (Abiogas), Gabriel Kropsch.
O cenário geral é favorável, acrescenta Kropsh. Hoje ocorrem simultaneamente a transição energética para uma matriz menos poluente e as privatizações dos setores como saneamento e aterros sanitários, grandes produtores de metano. Os dois processos podem fazer o deslanchar a utilização em larga escala de biogás para gerar eletricidade e combustível veicular.
A Abiogas estima que os agentes econômicos atualmente aproveitem menos de 2% do potencial de 120 milhões de metros cúbicos de biogás, que poderiam ser gerados diariamente no Brasil.
Somente no setor de saneamento, diz a Abiogas, as estações de tratamento de esgotos (ETE) teriam capacidade para produzir diariamente 1,5 milhões de m3 por dia – o suficiente para movimentar 80 mil veículos que hoje utilizam gás natural.
“Se levarmos em consideração que apenas metade do Brasil tem acesso a esgotamento sanitário, poderíamos estimar que essas quantidades dobrariam imediatamente após o Brasil alcançar o tratamento de 100% do esgoto que produz”, disse Kropsh.
Uma etapa importante no processo de produção é a retirada de impurezas do biogás produzido e a sua transformação naquilo que os técnicos chamam de biometano – este um combustível limpo. O produto livre de impurezas pode ser utilizado para acionar geradores que produzem energia elétrica, servirem de combustível para veículos de pequeno e grande porte ou terem ainda outras aplicações industriais.
Dessa forma, o gás que naturalmente é produzido em aterros sanitários ou em ETE deixa de ser lançado para a atmosfera, onde destrói a Camada de Ozônio que cerca o planeta e causa o Efeito Estufa de aumento da temperatura da Terra e mudança do clima do globo.
Por essa razão, os biogases – incluindo o biometano – são utilizados naquilo que os especialistas chamam de transição energética, ou seja, a substituição de combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural, cuja queima produz gás carbônico que ajuda a destruir a Camada de Ozônio, por biometano, cuja queima poliu muito menos.
A Associação de Kropsh (que tem entre seus membros gigantes como a Sabesp e a Raizen) tem como meta estimular que, até 2030, as ETEs instaladas no Brasil passem a gerar 30 milhões de m3 por dia de biogás.
“Atualmente, o Brasil apresenta o maior potencial energético do mundo: 43,2 bilhões m³/ano entre resíduos do setor sucroenergético (48,9%), proteína animal (29,8%), produção agrícola (15,3%) e saneamento (6%). Esse potencial tem capacidade de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo de brasileiro de diesel”, diz a associação em seu site na internet.
Mas, na prática, há ainda mais obstáculos a vencer.
“Entre algumas das principais questões que se colocam para nós, na Sabesp, estão os restritivos padrões de produção e utilização o biogás. A Agência Nacional do Petróleo exige que os padrões brasileiros sejam mais restritos do que os padrões da Alemanha, que possui 178 plantas importantes de biometano”, comentou a engenheira civil Cristina Vuffo, superintendente de pesquisa, desenvolvimento e inovação na Sabesp, a maior empresa de saneamento do Brasil, que pertence ao governo do Estado de São Paulo.
A Sabesp tem uma função importante no debate do biogás no Brasil. A empresa, que devido à sua saúde financeira e escala de serviços é considerada a joia da coroa no setor de saneamento, é uma das poucas empresas públicas de sua área que é autossustentável e produz biogás e biometano.
“Outra questão importante é: qual uso vamos fazer do biometano que produzimos? Vamos utilizar para gerar energia elétrica, usar nas nossas próprias instalações e diminuir a nossa conta anual de energia elétrica, que chega a 1,2 b de reais? Ou vamos produzir biogás e vender para outras concessionárias? O problema é que, devido à dimensão dos nossos processos, temos de fazer contratos de fornecimento de 30 anos ou mais”, projeta Vuffo. “Não podemos nos dar ao luxo de errar em nossas decisões porque elas terão consequências durante décadas”, explica.
A decisão sobre qual uso será dado ao biometano que a Sabesp já produz e principalmente ao que a empresa tem capacidade de produzir vai ser tomada em no máximo 24 meses. “Temos consultores nacionais e internacionais estudando isso nesse momento”, informou a engenheira Vuffo.
Hoje, a Sabesp, que é uma espécie de benchmark para várias empresas do setor de saneamento. A empresa produz na ETE localizada na cidade de Franca cerca de 2,5 mil m3 de biometano. Essa quantidade seria suficiente para abastecer cerca de 400 automóveis, mas a empresa só fornece biometano a 50 de seus veículos próprios. A maior parte do biometano gerado é simplesmente queimada e outra pequena parte, armazenada.
Vuffo calcula que, somente sete grandes ETE entre as dezenas de estações desse tipo na Sabesp poderiam gerar diariamente de 120 mil a 156 mil m3 de biometano, caso todas as estações de tratamento já estivessem adaptadas para produzir esse gás.
Kropsh, da Abiogas, estima que, além das quase 600 pequenas unidades de produção de biogás, já instaladas no Brasil, outro campo promissor para a produção dos biogases são os aterros sanitários que coletam resíduos sólidos urbanos e os transformam em biometano.
Esse é o caso dos aterros sanitários em Caucaia (Estado do Ceará), Sapopemba (localizado na região oeste da cidade de São Paulo), além de Seropédica, perto da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e de São Pedro d´Aldeia, balneário turístico localizado no Estado do Rio.
“É esse o momento. No contexto da transição energética, o aproveitamento econômico do Biogás pode ser um incentivo para atração de capital privado a atividades tradicionalmente geridos pelo setor público, particularmente o saneamento”, afirma o vice-presidente da Abiogás. “O aproveitamento do biogás para geração de energia ou combustível pode ser uma linha adicional de receita complementar ao negócio principal”.
Entretanto, ele também admite que a tomada de decisão nesse sentido não é fácil. “Ser um serviço regulado, um concessionário do serviço público, é muito complexo. Principalmente fazer um investimento em um projeto que teoricamente não faria parte do seu objeto social. Mas, a expectativa é que o capital privado tenha mais agilidade”, diz, referindo-se à privatização e parcerias público privadas que vem ocorrendo no setor de saneamento no Brasil.