Manifestação contrária à inclusão de incentivos financeiros a usinas poluentes em tramitação na Comissão de Medidas Provisórias do Senado Federal, em defesa da transição energética justa e da sustentabilidade ambiental
O Instituto Internacional ARAYARA e o Observatório do Carvão Mineral manifestam seu mais veemente repúdio a possibilidade dos Senadores da República incluírem na Medida Provisória n° 1304, de 2025 subsídios financeiros para usinas termelétricas a carvão mineral, pois a referida MP deveria apenas tratar da redução dos impactos tarifários para os consumidores de energia elétrica e não gerar mais custos com subsídios bilionários até 2050 para UTEs a carvão mineral, visto que estas são as mais ineficientes e as maiores emissoras de gases do efeito estufa do sistema elétrico brasileiro.
Além disso, destacamos aos Senadores que a inclusão de usinas termelétricas a carvão mineral na Medida Provisória nº 1.304 contraria três questões de suma importância:
1-O contexto de emergência climática global, aliado à realidade brasileira nos últimos dois anos, evidencia a intensificação dos eventos climáticos extremos. Um exemplo marcante foi a tragédia ocorrida no estado do Rio Grande do Sul, em maio de 2024, quando enchentes atingiram 478 dos 497 municípios. As inundações e deslizamentos resultaram em 184 mortes e deixaram 25 pessoas desaparecidas, segundo dados da Defesa Civil do Estado.
2-Os compromissos climáticos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro no que concerne ao Decreto nº 9.073, de 5 de junho de 2017, que promulgou o Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, visto que a continuidade da Usina Termelétrica (UTE) Candiota implica no aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE). É importante atentar para o fato de que o município de Candiota no Rio Grande do Sul é, atualmente, o maior emissor de GEE no estado gaúcho, pois neste território localizam-se as duas únicas usinas termelétricas a carvão mineral do estado (Candiota III e Pampa Sul).
3-O custo real e irreversível desta medida para o futuro do Brasil no que tange à geração de energia elétrica de forma sustentável e alinhada aos compromissos climáticos internacionais assumidos pelo país. A previsão de contratação de usinas termelétricas a carvão mineral na região Sul, considerado o combustível fóssil mais poluente do mundo pela comunidade científica, para supostamente garantir “sobrevivência econômica” e “segurança energética” – às vésperas de nosso país sediar a Conferência das Partes (COP) 30 em Belém (PA) – vai na contramão das necessidades reais do planeta. A defesa da segurança energética mostra-se ainda mais frágil, tendo em vista que parte da energia produzida em Candiota 3 é escoada para a Argentina e não alimenta o Sistema Interligado Nacional (SIN).
Caso tal medida venha a ser efetivada, ressaltamos que essa ação do Senado Federal colocará o Brasil como um péssimo exemplo internacional, ao aprovar uma Medida Provisória que promove o fortalecimento e a ampliação de subsídios financeiros destinados à geração de energia elétrica a partir de combustíveis fósseis — a fonte que mais emite gases de efeito estufa e que gera os maiores passivos ambientais e áreas contaminadas na Região Sul do país.
Destaca-se ainda que a atividade de mineração do carvão provoca grave contaminação dos recursos hídricos e do solo na região carbonífera do Sul do Brasil, em razão da Drenagem Ácida de Mineração (DAM), conforme já denunciado pelo Instituto Internacional ARAYARA e pelo Observatório do Carvão Mineral em estudo técnico específico: UTE Candiota 2050 – O futuro insustentável da produção de energia elétrica a partir do carvão mineral subsidiado disponível em: https://monitordocarvao.org/
Um programa verdadeiramente robusto de transição energética justa e sustentável para as regiões carboníferas do Brasil não deve se limitar a prorrogar a operação de termelétricas a carvão mineral por meio de Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR), estendendo-os até 2050. Tal medida imporia um custo adicional superior a R$ 92 bilhões aos consumidores de energia elétrica nos próximos 25 anos, apenas para sustentar uma cadeia produtiva insustentável e altamente poluente, representada pelas usinas Jorge Lacerda e Candiota III, caso sejam contempladas.
Essa estratégia contradiz diretamente o cenário global: já no primeiro semestre de 2025, as fontes renováveis superaram o carvão como principal matriz de geração elétrica, evidenciando a necessidade urgente de políticas alinhadas à descarbonização e à sustentabilidade.
Enfatizamos que todas as tentativas de lobby do setor de carvão mineral, apresentadas em diversos projetos de lei até o momento, não incluem diretrizes para a preparação dos trabalhadores envolvidos na mineração e queima do carvão mineral frente ao descomissionamento das usinas, como é o caso da UTE Candiota III.
Essa omissão é especialmente preocupante diante do risco de fechamento da usina em 2026, devido ao vencimento de sua licença de operação em abril daquele ano, bem como ao contexto de ações civis públicas em tramitação na Justiça Federal, que buscam a suspensão da licença. Tais ações foram motivadas por crimes e infrações ambientais identificados pelo IBAMA, com multas que já ultrapassam R$ 125 milhões, conforme detalhado na Nota Técnica nº 8/2025/Coert/CGTef/Dilic, anexa a esta moção.
Para mais informações sobre essas ações, destacam-se as matérias jornalísticas disponíveis nos links a seguir: Jornal do Comércio e Eixos – Energia.
Destacamos que a questão dos subsídios financeiros para as usinas a carvão mineral já foi abordada no Projeto de Lei 4051/2023, de autoria do Deputado Federal Bibo Nunes (PL/RS), apresentado em 22 de agosto de 2023. O objetivo do PL era incluir os empreendimentos a carvão mineral do Estado do Rio Grande do Sul no Programa de Transição Energética Justa.
Em 15 de maio de 2024, foi apresentado o parecer do relator, Deputado Benes Leocádio (UNIÃO/RN), recomendando a rejeição da proposta. A justificativa completa do relator está disponível no site da Câmara dos Deputados: link para o parecer.
“II – VOTO DO RELATOR
O Programa de Transição Energética Justa (TEJ), criado pela Lei nº 14.299, de 5 de janeiro de 2022, estabeleceu uma série de incentivos para a produção de energia elétrica por termelétricas a carvão, inclusive com garantia de compra mínima de 80% de carvão mineral nacional, a preços homologados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), até o ano de 2040.
O Programa se limitou à contratação de energia do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), localizado no Estado de Santa Catarina, prevendo a celebração de contratos de energia de reserva em quantidade suficiente para consumir ‘o volume de compra de combustível estipulado nos contratos vigentes dos referidos empreendimentos na data de publicação desta Lei’.
Conforme o Decreto nº 6.353, de 16 de janeiro de 2008, define-se Energia de Reserva como aquela destinada a aumentar a segurança no fornecimento de energia elétrica ao SIN, proveniente de usinas especialmente contratadas para este fim. Em outras palavras, a partir da celebração dos contratos de energia de reserva, será garantida demanda e receita suficiente para suprir os custos associados à geração de energia do CTJL. Esses custos serão rateados entre todos os usuários finais de energia elétrica do país, por meio do encargo denominado ‘encargo de serviço do sistema’.
Registra-se que, até a celebração desses contratos, parte dos custos da geração a carvão é custeada pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), também repartida entre todos os consumidores do país.
O Projeto de Lei nº 4.051/2023 busca, portanto, incluir mais empreendimentos a carvão no Programa, de forma a alcançar também as termelétricas e as regiões carboníferas do Estado do Rio Grande do Sul. Trata-se, portanto, de estender subsídios a essas atividades, garantindo a viabilidade econômica dessa forma de geração de energia, com custos igualmente distribuídos entre todos os consumidores de energia elétrica no país.”
Apesar das preocupações quanto à estabilidade econômica das regiões impactadas pelas atividades das termelétricas a carvão, entendemos que não é adequado, sob a perspectiva do desenvolvimento econômico e social do Brasil, manter empreendimentos de geração a carvão mineral sustentados por subsídios pagos por todos os consumidores de energia do país. Essa prática se mostra ainda mais questionável diante da crescente disponibilidade de fontes renováveis, como a energia eólica e solar, que apresentam custos significativamente inferiores às termelétricas baseadas em combustíveis fósseis e altamente poluentes.
Nesse sentido, consideramos mais apropriado que seja promovido um processo de transição justa, com o remanejamento planejado e progressivo das atividades produtivas antieconômicas e ambientalmente danosas para setores de maior interesse público, assegurando, assim, o desenvolvimento econômico e social sustentável das regiões afetadas. Para isso, propomos que sejam implementadas políticas públicas voltadas à requalificação, capacitação e reinserção dos trabalhadores atualmente vinculados às cadeias do carvão, para que possam atuar em setores com maior valor social e viabilidade econômica no médio e longo prazo.
Cabe destacar que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por meio do Portal Subsidiômetro, informa que os subsídios embutidos nas tarifas de energia representaram, em 2023, 13,21% do valor total das faturas pagas pelos consumidores. Apenas o subsídio à geração de energia elétrica a partir do carvão custou R$ 1,13 bilhão aos consumidores em 2023, valor que quase dobrou em relação a 2020. A ampliação dessa despesa implicaria um ônus ainda maior para a população brasileira, beneficiando um modelo energético ultrapassado e ambientalmente insustentável.
Diante do exposto, manifestamo-nos pela rejeição à inclusão de subsídios ao carvão mineral na Medida Provisória nº 1.304, de 2025, ressaltando que o Senado Federal deve reafirmar seu compromisso com a transição energética justa, a sustentabilidade ambiental e a justiça social.
Ademais, é importante destacar que o Projeto de Lei nº 576, de 2021 (substitutivo da Câmara dos Deputados), que regulamenta o aproveitamento do potencial energético offshore e altera diversas legislações do setor energético, sofreu a inserção de “jabutis” legislativos — dispositivos alheios ao tema central da proposição — que visavam garantir subsídios e prorrogações contratuais para termelétricas a carvão mineral no Brasil.
O projeto foi sancionado em 10 de janeiro de 2025, dando origem à Lei nº 15.097/2025, mas com vetos parciais registrados na Mensagem nº 44, correspondente ao Veto nº 3. O veto foi fundamentado após manifestação técnica de diversos ministérios: Fazenda; Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Minas e Energia; Justiça e Segurança Pública; e Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Os dispositivos vetados incluíam, entre outros, a alteração do §1º do art. 1º da Lei nº 14.182/2021, que previa a contratação compulsória de termelétricas a gás natural e carvão mineral com inflexibilidade operacional mínima de 70% e prazos de suprimento de até 25 anos, além da prorrogação automática de contratos de diversas fontes, inclusive fósseis, com repasse de custos aos consumidores.
As razões para o veto foram destacadas da seguinte forma:
“Em que pese a boa intenção do legislador, o dispositivo contraria o interesse público por aumentar as tarifas dos consumidores de energia elétrica, tanto os residenciais como os do setor produtivo, com efeitos negativos para os índices de preço e para a competitividade do setor produtivo nacional.
Esses efeitos poderiam ser ocasionados diante da proposição em cujos termos se prevê contratações compulsórias da totalidade dos montantes de energia e especifica critérios para essas contratações.
Ademais, a redação do dispositivo pode resultar em investimentos adicionais obrigatórios em infraestrutura logística, com impactos nos preços das tarifas de energia, a serem custeados pelos consumidores residenciais e pelo setor produtivo, sem que os custos decorrentes tenham sido explicitados.
Por fim, a possível ampliação da contratação de fontes fósseis não é compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo País ou com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira.”
Fonte: Mensagem nº 44/2025 – Veto nº 3
Também foram vetados os §§ 17 e 18 do art. 1º da mesma lei, que determinavam:
- a prorrogação dos contratos das termelétricas a carvão mineral até 2050;
- a obrigatoriedade de recontratação com condições inflexíveis de operação e remuneração específica;
- a exclusão de reembolsos para determinadas usinas.
As razões para esse segundo veto foram igualmente nítidas:
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público ao obrigar a realização de contratações de termelétricas a carvão mineral, o que impactaria os preços das tarifas de energia, a serem custeados pelos consumidores residenciais e pelo setor produtivo.
Ademais, as contratações de usinas de fontes fósseis não são compatíveis com os compromissos internacionais assumidos pelo País, bem como com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira.”
Por fim, destacamos que em 13 de maio de 2024, no contexto da maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul, foi apresentado o Requerimento nº 325/2024, pelo senador Paulo Paim, solicitando a retirada definitiva do PL nº 4.653/2023. O pedido foi deferido no dia 14 de maio de 2024, com o consequente arquivamento da proposta no qual a tramitação está disponível em: PL nº 4.653/2023 – Senado Federal e que arquivou o pedido de subsídios para a Usina de Candiota III.
A Transição Energética Justa de Verdade na Região Carbonífera da Campanha
O Instituto Internacional ARAYARA e o Observatório do Carvão Mineral reconhecem a importância de uma Transição Energética Justa para as regiões carboníferas. No entanto, essa transição não pode servir como pretexto para perpetuar o uso do carvão mineral, criando o que se tem chamado de “carvão perpétuo”.
A verdadeira Transição Justa deve ser centrada:
- No investimento direto na diversificação econômica dos municípios afetados;
- Na requalificação profissional dos trabalhadores para ocupações ligadas à economia verde, como a energia solar e eólica — que, inclusive, geram mais empregos por megawatt instalado;
- No desenvolvimento de infraestrutura resiliente e de baixo carbono, que ofereça soluções inovadoras, duradouras e alinhadas aos compromissos climáticos nacionais e internacionais.
- Em garantir que a segurança energética do Brasil seja construída com base em fontes limpas, estratégias de baixo carbono e em consonância com a ciência climática e os compromissos internacionais assumidos pelo país.
- Acabar com os subsídios financeiros aos combustíveis fósseis.
Brasília, 28 de outubro de 2025










