Ambientalistas denunciam possível favorecimento à Usina de Carvão Candiota III
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou na última sexta-feira (22) a abertura de duas consultas públicas para o Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) 2026. A decisão foi oficializada por meio da Portaria MME nº 859, de 22/08/2025, que define as diretrizes e a sistemática para a contratação de potência elétrica a partir de usinas termelétricas a gás natural (novas e existentes), usinas a carvão mineral já em operação e ampliações de hidrelétricas.
No mesmo dia, o ministério também publicou a Portaria MME nº 860/2025, de 22/08/2025 estabelecendo diretrizes semelhantes para o certame voltado a usinas termelétricas a óleo (UTEs a óleo).
O Instituto Internacional ARAYARA lembra que o LRCAP 2025 havia sido cancelado em abril após disputas judiciais. Na época, a instituição classificou o certame como o “Leilão das Emissões”, ao publicar um Boletim Energético destacando o potencial de aumento nas emissões de gases de efeito estufa através da contratação de termelétrica a gás natural.
O LRCAP anterior, previsto para ocorrer em 27 de junho de 2025, recebeu o cadastramento de mais de 74 GW em projetos, totalizando 327 empreendimentos, conforme divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Desse montante, 67%, ou seja, 228 empreendimentos correspondiam a novas usinas termelétricas a gás natural, somando 61,6 GW de potência.
O gerente de transição energética da ARAYARA, John Wurdig, destaca que em 2026, o Governo Federal realizará dois leilões para a Contratação de Potência Elétrica, ambos com um mesmo foco: contratar empreendimentos fósseis de petróleo, gás natural e do polêmico carvão mineral brasileiro, o maior emissor de gases de efeito estufa na Região Sul do Brasil.
Lobby do carvão e recebimento de subsídio público de R$ 26 milhões para produzir energia elétrica e exportar para outro país
Para os críticos, a medida beneficia exclusivamente a UTE Candiota III, no Rio Grande do Sul, uma vez que o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, já havia sido contemplado pela minuta do Contrato de Energia de Reserva, estabelecido pela Portaria MME nº 844, de 24 de junho de 2025, assinada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Esse contrato entra em vigor em 1º de janeiro de 2026, no âmbito do Programa de Transição Energética Justa (TEJ), instituído pela Lei nº 14.299, de 5 de janeiro de 2022. Tal legislação, contudo, é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7095, ajuizada pela ARAYARA e por partidos políticos, atualmente em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
Neste contexto, a UTE Candiota III, mesmo sendo alvo de ações na Justiça Federal — incluindo a liminar expedida na sexta-feira, 22/08, que suspendeu sua Licença de Operação —, enfrenta ainda dois processos no Ministério Público Federal e diversas investigações conduzidas pelo Ibama por omissões e crimes ambientais. Apesar desse histórico, fica evidente que o Ministério de Minas e Energia busca viabilizar uma solução para o empreendimento, cujo contrato de comercialização de energia elétrica venceu em dezembro de 2024. Além disso, após denúncias da ARAYARA, os subsídios mensais de aproximadamente R$ 12 milhões, provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e administrados pela CCEE haviam sido suspensos em março de 2025, mas retornaram já em junho e julho deste ano, somando mais de 26 milhões repassados a ÂMBAR Energia para produzir e vender/exportar energia no mercado spot e cujo valor é pago pelo consumidores brasileiros.
Vale ressaltar que esse montante milionário era integralmente destinado à estatal gaúcha Companhia Riograndense de Mineração (CRM) para a compra de carvão mineral destinado ao abastecimento da usina da Âmbar Energia, pertencente ao grupo J&F Investimentos — controlador da JBS —, que adquiriu o empreendimento da Eletrobras em 2023 por R$ 72 milhões.
Jabutis e subsídios
Desde 2024, uma série de “jabutis” — matérias estranhas ao tema original — vêm sendo incluídos em Projetos de Lei com o objetivo de assegurar subsídios à UTE Candiota III. A manobra ocorre diante da proximidade do fim do apoio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que, a partir de 2027, deixará de subsidiar o carvão utilizado na geração de energia por usinas térmicas no Brasil.
Wurdig chama atenção para o “jabuti” inserido no PL das Eólicas Offshore, dispositivo vetado pelo Presidente da República, mas que ainda aguarda deliberação do Senado e da Câmara dos Deputados. A expectativa é de que o veto seja mantido, evitando que mais de R$ 92 bilhões sejam repassados à conta de energia elétrica dos consumidores brasileiros ao longo dos próximos 25 anos — valor apontado pela ARAYARA no estudo Global Energy Monitor: Carvão em expansão e queda em 2025.
“O Brasil não tem novos projetos de licenciamento ambiental de usinas a carvão em andamento, pois a UTE Nova Seival já teve o processo encerrado pelo Ibama, e a UTE Ouro Negro está sendo arquivada, conforme pedido da ARAYARA ao IBAMA em virtude de estar há mais de dois anos sem movimentação. Essa inclusão parece uma manobra para contemplar a UTE Candiota III”, afirma o engenheiro.
Menos eficiência e mais poluição
O Brasil não realiza leilões para novas usinas a carvão desde 2014, quando a Usina Pampa Sul, em Candiota (RS), foi contratada em um leilão do tipo A-5 e financiada pelo BNDES. Nos anos seguintes, buscou-se reduzir a participação do carvão na matriz elétrica devido ao seu elevado impacto ambiental. No entanto, após onze anos, o MME surpreendeu ao lançar o edital do LRCAP 2026, prevendo novamente a contratação de usinas termelétricas a carvão mineral — as menos eficientes e maiores emissoras de gases de efeito estufa do sistema elétrico brasileiro.
De acordo com levantamento da ARAYARA, apresentado em ação civil pública junto a Justiça Federal em julho de 2025, a UTE Candiota III acumula mais de R$ 200 milhões em multas aplicadas pelo Ibama e enfrenta dúvidas sobre a possibilidade de renovação de sua licença de operação, prevista para expirar em abril de 2026. Em 2024, esta usina ficou mais de cinco meses sem operação por problemas técnicos e operacionais, resultando inclusive na suspensão da sua operação comercial pela ANEEL, conforme denunciado pela ARAYARA no estudo UTE Candiota 2050 – O futuro insustentável da produção de energia elétrica a partir do carvão mineral subsidiado, disponível no monitor do carvão mineral.
Risco climático e econômico às vésperas da COP 30
Wurdig explica que, o Leilão das Emissões – LRCAP 2025 previa a contratação majoritária de usinas termelétricas a gás fóssil, cuja operação poderia resultar na emissão de até 1,11 gigatoneladas de CO₂ equivalente até 2050 — comprometendo parte das metas climáticas assumidas pelo Brasil. Agora, com o LRCAP 2026, o cenário se torna ainda mais preocupante, uma vez que o edital inclui não apenas térmicas a carvão mineral, mas também a óleo diesel, o que dificulta até mesmo estimar o volume total de emissões adicionais.
Para a Frente Nacional dos Consumidores, além do impacto ambiental, o modelo de contratação por disponibilidade onera consumidores, que pagam pela geração mesmo quando a energia não é utilizada. “Estamos diante de um leilão que contraria os compromissos climáticos do país, justamente às vésperas da COP 30 em Belém”, alerta o presidente do FNCE, Luiz Barata.
O futuro energético do Brasil
O diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno, reforça a urgência de um debate público transparente e participativo sobre o futuro da matriz elétrica brasileira. Segundo ele, “se essa consulta pública seguir os mesmos moldes anteriores, priorizando combustíveis fósseis, estaremos diante de uma guinada perigosa que ampliará a dependência do país em relação a fontes poluentes”. Bueno alerta ainda que o Brasil corre o risco de vivenciar uma “transição energética dos combustíveis fósseis para os combustíveis fósseis”, em que a conta será paga pelo meio ambiente, pelos consumidores de energia e pelas cidades brasileiras, cada vez mais expostas ao aumento dos eventos climáticos extremos.