Na manhã desta segunda-feira (10), primeiro dia do evento oficial da COP30, em Belém, o ARAYARA Amazon Climate Hub deu início à programação com o evento “Governos Locais pelo Clima: Por uma Transição Energética Inclusiva”, reunindo representantes de cidades, estados e organizações da sociedade civil da América do Sul.
O encontro, realizado às 9h30, teve como objetivo debater o papel dos governos locais na implementação do primeiro eixo da Agenda de Ação da COP30, que trata da transição nos setores de energia, indústria e transporte.
A discussão ultrapassou a simples substituição de combustíveis fósseis, enfatizando a necessidade de que a mudança ocorra de forma sustentável e inclusiva, respeitando populações tradicionais, comunidades vulneráveis e territórios impactados por grandes projetos energéticos ou de mineração. O painel contou com representantes de municípios do Brasil, da Argentina e membros da sociedade civil, explorando caminhos para uma governança multinível, que alinhe políticas nacionais, regionais e locais à justiça climática e à segurança energética.
O evento foi proposto pelo ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, Secretariado da América do Sul, e integra o ARAYARA Amazon Climate Hub, um laboratório de inovação climática e tecnologia ancestral que sedia debates, oficinas e encontros colaborativos, reunindo lideranças globais. Todos os eventos contam com transmissão ao vivo pelo YouTube da ARAYARA. A medição ficou por conta de Luísa Acauan, Analista de Biodiversidade do ICLEI América do Sul.
Mesa 1 – Governos locais pelo clima
Cubatão: da degradação ambiental à transição energética sustentável
O secretário de Meio Ambiente de Cubatão, Cleiton Jordão Santos, destacou os avanços da cidade na transição energética aliando o desenvolvimento econômico e a inclusão social. “Cubatão, antes conhecido pela ONU como Vale da Morte, hoje é reconhecido como o Vale da Vida”, afirmou.
Entre os projetos apresentados estão a construção de novas matrizes energéticas, como parque eólico, a ampliação das ferrovias movidas a combustíveis limpos e a primeira operação com compensação de carbono da região. O município também aposta em iniciativas inovadoras, como o Barco-Escola Carbono Neutro, um catamarã movido a energia elétrica que percorre manguezais e integra ações de educação ambiental.
O secretário ressaltou ainda a criação do Conselho das ODS e de um fundo para desenvolvimento sustentável, além de convênios com universidades, visando fortalecer políticas locais de inovação ambiental e recuperação da Mata Atlântica.
Lomas de Zamora: energia limpa e educação ambiental
A secretária de Ambiente de Lomas de Zamora, Eva Limone, apresentou o Parque Solar Diego Armando Maradona, projeto voltado à geração de energia limpa em bairros populares. Segundo Eva, o parque não é apenas um tributo ao ícone do futebol, mas uma oportunidade de democratizar a energia limpa por meio da educação ambiental para jovens.
Ela também criticou a falta de apoio do governo argentino às medidas de mitigação climática, especialmente nas áreas mais vulneráveis, e defendeu a criação de um estatuto legal ambiental que subsidie políticas públicas, financiamento e ações concretas para os territórios.
Maynas: desafios climáticos e potencial da energia solar
O prefeito de Maynas, Peru, Vladimir Chong, alertou para os impactos do aquecimento global e variações no nível do Rio Amazonas, que afetam o abastecimento energético, a segurança alimentar e o acesso à educação e saúde da população amazônica.
“Iquito funciona praticamente como uma ilha e enfrenta sérios problemas climáticos, especialmente inundações que tornam a cidade extremamente caótica. No verão amazônico, os rios funcionam como vias naturais de conexão entre os povoados. No ano passado, muitas cidades ficaram isoladas devido à seca.
Este ano, estamos diante de um fenômeno de aquecimento do mar que já afeta o Rio Amazonas, cujo nível chegou a três metros acima do normal. Uma das consequências desse aumento de temperatura são os impactos severos para os povos amazônicos, incluindo a interrupção do abastecimento de energia, que depende de sistemas isolados de compensação em todos os povoados da Amazônia peruana. Além disso, a população enfrenta insegurança alimentar e dificuldades no acesso à educação e à saúde, problemas que podem ter efeitos letais”, destacou.
Segundo Chong, a dependência de combustíveis fósseis cria dilemas de desenvolvimento, e a região precisa de soluções renováveis. “Uma alternativa possível é pensarmos o futuro da nossa região a partir da energia solar. É uma solução limpa, viável e capaz de reduzir desigualdades estruturais”, afirmou.
Contagem: ações locais de mitigação e energia fotovoltaica
Em Contagem (MG), a secretária de Meio Ambiente Maria Tereza Mesquita destacou esforços para mitigar os impactos climáticos e iniciar a transição energética local com foco em energia solar. Ela ressaltou que mais de 50% do território é Área de Proteção Ambiental (APA), e a cidade atua como corredor logístico estratégico, impactando diretamente as emissões do transporte.
Segundo Tereza, já são discutidas a inclusão de painéis solares nas escolas para que essa mudança de matriz energética esteja mais próxima da população e a escolha da escola foi nesse sentido, combinando educação ambiental e eficiência energética. Ela também revela que a cidade também utiliza mapeamento a laser do Geocontagem para identificar o potencial solar de cada telhado, com precisão de meio metro quadrado, e planejar a instalação de painéis solares de forma estratégica.
Mesa 2 – Perspectivas do setor privado e do terceiro setor
FONPLATA: transição energética inclusiva
O especialista sênior do Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA), Rafael Lenzi, destacou como projetos piloto de energia solar em escolas isoladas podem beneficiar comunidades dependentes de geradores a diesel poluentes. Ele alertou que a transição exige planejamento de longo prazo, incluindo manutenção de sistemas e sustentabilidade.
“Os municípios devem ser protagonistas, com apoio dos estados, para implementar mudanças adequadas às características regionais. Acreditamos que a transição energética ocorrerá ao longo de 50 anos, e precisamos pensar fora da caixa para que seja justa”, afirmou.
E+: transição justa e produção local de tecnologia
Stefania Relva, diretora do E+ Transição Energética, enfatizou a necessidade de fortalecer cadeias produtivas nacionais. Ela criticou a importação de painéis solares, apesar do Brasil ter capacidade de produzir os insumos localmente, e defendeu o desenvolvimento de soluções regionais adaptadas às vocações locais, como sistemas off-grid à base de biomassa.
“O que estamos realmente chamando de transição justa?”, questionou, reforçando a importância de olhar para os recursos e necessidades de cada região, em vez de seguir apenas narrativas internacionais.
ICLEI: desafios jurídicos e regulatórios
O vice-presidente do ICLEI América do Sul, Alexandre Sion, abordou os entraves legais e regulatórios à transição energética. Ele destacou o excesso de normas — mais de 94 mil atualmente — a judicialização de projetos, a falta de regulamentação da consulta prévia e informada às comunidades afetadas e a necessidade de fortalecer os órgãos ambientais com normas claras, proteção aos servidores e apoio técnico.
“Temos energia limpa e potencial de liderança global, mas precisamos de políticas concretas que deem segurança jurídica e incentivem a produção nacional”, afirmou Sion.
Para o diretor Técnico da ARAYARA, Juliano Bueno, doutor em Riscos e Emergências Ambientais, o evento do ARAYARA Amazon Climate Hub reforçou que a transição energética na América do Sul deve ser inclusiva, regionalmente adaptada e justa, unindo governos locais, sociedade civil e organismos internacionais em torno de soluções inovadoras e sustentáveis.









