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Ganância de grupos econômicos levou à crise energética, diz ex-presidente da Agência de Águas

Vicente Andreu afirma que a recorrente operação errada do sistema elétrico desconsidera mudanças do clima e fez brasileiros pagarem R$ 22 bi extras

Um dos mais qualificados técnicos do setor de recursos hídricos no Brasil afirma: “a crise nos reservatórios não é hídrica. É energética”, diz Vicente Andreu, que presidiu a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) entre 20210 e 2018.

“Seria uma crise hídrica se afetasse simultaneamente diversos usos da água. Na bacia do rio Paraná, por exemplo, tem água para todos os usos. Os usos impactados sofrem por conta da operação dos reservatórios do setor elétrico”, explica. 

“É fácil atribuir essa situação à crise hídrica. Todo mundo diz que o governo é azarado, pegou justamente a maior crise em 91 anos. Só que não é verdade”, completa Andreu.

Hoje Secretário Municipal de Serviços Urbanos de Hortolândia, município de 235 mil habitantes localizado na região metropolitana de Campinas (SP), Andreu atribui a crise à gestão feita pelo Operador do Sistema Elétrico (ONS), uma entidade controlada por grupos econômicos do setor de energia.

Segundo Andreu, “o sistema (de computação utilizado pelo ONS para gerir as usinas no Brasil) prevê o futuro como se fosse passado, mas o futuro é incerto. O modelo não responde adequadamente às mudanças climáticas. Tem muita gente boa já alertando e demonstrando que o sistema New Wave deveria ser modificado justamente para operar melhor”, alerta.

De acordo com a Agëncia Nacional de Energia Elétrica (a Aneel, que regula o setor) o programa de computador New Wave é utilizado nas atividades de planejamento e de programação do ONS.

“O modelo computacional está sendo utilizado nos últimos anos como uma justificativa técnica para encobrir o verdadeiro motivo dessa operação escandalosa que visa maximizar a renda dos agentes do setor elétrico. E pior: como boa parte desses agentes já são multinacionais, estamos transferindo recursos que as pessoas não têm para os acionistas internacionais dessas empresas. A mídia tradicional tem essas informações, mas se recusa a explicitar o que de fato vem acontecendo”.

Abaixo, seguem os principais trechos da entrevista.

“É algo do setor elétrico, que visa a criar crises sistematicas a partir de abril nos últimos anos “

“Quando olhamos a situação de 2021, o que se nota é que estamos vivendo uma crise de energia na bacia do Paraná. (Chamar de) crise hídrica é equivocado porque parece que é é um problema do acaso, imprevisível, e que a culpa seria de São Pedro.

A situação no Sudeste, na Bacia do (rio) Paraná é crítica, mas ela decorre de uma operação desastrosa recorrente do setor elétrico naquela bacia. Não dá para chamar de crise hídrica o problema numa bacia que tem 10% do território nacional e 14% da água. A (região) amazônica (por exemplo) acabou de passar pela maior encehnte em 101 anos e tem 70% de água (nacional). Se fossemos generalizar, o agregado seria a maior crise de 91 anos de falta de água, mas eu diria: ‘no agregado, é a maior cheia que o Brasil enfrentou em 101 anos”.

É algo fundamentalmente do setor elétrico, que visa a criar crises sistematicas a partir de abril, como o setor vem operando nos últimos anos. 

Por exemplo, o esvaziamento do reservatório da usina de Furnas, com problemas no setor de lazer ou o esvaziamento (da usina) de Ilha Solteira, com reflexos na hidrovia, não decorrem da falta de água, mas de uma operação do setor elétrico que impacta outros usos”.

O modelo não responde adequadamente às mudanças climáticas”

“A operação é do ONS. Eu li vários consistentes dando conta de que o ONS se baseia em um modelo computacional chamado New Wave, que faz a alocação da energia mais barata. Os críticos dizem que isso vem acontecendo de maneira recorrente por dois fatores. O primeiro é que o New Wave não reconhece o valor da água. Quando ele opera por ordem de mérito, ele põe a água como zero em comparação com outras usinas. Então, privilegia-se o uso hidráulico.

O segundo é que o modelo computacional prevê as séries históricas com um comportamento (futuro) em torno da média. Mas, hoje, em razão das mudanças climáricas, essa condição não existe mais. O modelo não opera adequadamente o sistema.

O sistema prevê o futuro como se fosse passado, mas o futuro é incerto. O modelo não responde adequadamente as mudanças climáticas. Não responde porque não quer. Tem muita gente boa já alertando e demonstrando que o sistema New Wave deveria ser modificado justamente para operar melhor”.

O setor elétrico começou a operar assim para gerar receita adicional e maximizar o lucro

“O modelo computacional está sendo utilizado nos últimos anos como uma justificativa técnica para encobrir o verdadeiro motivo dessa operação escandalosa que visa maximizar a renda dos agentes do setor elétrico.

E pior: como boa parte desses agentes já são multinacionais, estamos transferindo recursos que as pessoas não têm para os acionistas internacionais dessas empresas. A mídia tradicional tem essas informações, mas se recusa a explicitar o que de fato vem acontecendo.

É fácil atribuir essa situação à crise hídrica e todo mundo diz que o governo é azarado, pegou justamente a maior crise em 91 anos. Só que não é verdade.

Quando olhamos para o modelo e vemos o impacto sobre as tarifas, verifica-se que essa operação de provocar esvaziamento intencional dos reservatórios nos últimos anos a partir de abril provoca uma explosão das tarifas (de energia elétrica). Operar dessa maneira maximiza o lucro dos agentes do setor elétrico.

Como o preço da energia é uma função da quantidade de água nos reservatórios, e se os reservatórios estão esvaziados, tem-se as bandeiras tarifárias. Retira-se receita dos usuários da energia elétrica para transferir para o setor elétrico.

Depois da crise de 2014, o setor elétrico começou a operar dessa maneira não apenas por problemas do modelo, mas para, fundamentalmente, gerar receita adicional para o setor elétrico maximizar o lucro. Como essas empresas são integradas, aquilo que elas eventualmente vão adiar o recebimento na geração, elas recebem multiplicado durante o período das bandeiras tarifárias”.

São R$ 22 bilhões extras. Quem paga a conta? Eu, você, todo mundo”

“Fiz umas continhas de padeiro, com base nos dados históricos, e estimei em R$ 22 bilhões o valor gerado pelas bandeiras tarifárias nessa crise de 2021. São R$ 22 bilhões extras . O setor é altamente competente. Os caras não estão vendo? Estão. Eles operam intencionalmente para maximizar o lucro dos agentes do setor elétrico. Quem paga a conta? Eu, você, todo mundo.

Eles operam regularmente no sentido de esvaziar os reservatórios. Em 20217, 18, 19 e 20, eles operaram dessa forma, contando com que em abril os reservatórios estão vazios, mas a crise não foi tão grande e se consegue atravessar o períoo seco sem risco energético e com tarifas explodindo. Eles não previram que a intensidade da escassez de chuva fosse tão grande. Perderam o controle daquilo que eles fazem regularmente“.

“Os técnicos do ONS vêm das empresas e tendem a voltar mais caras para aquelas empresas”

“O ONS cumpre um fator importante, mas depende muito da visão de seus dirigentes. Na crise de 2014 e 15, que de fato foi maior ainda, operamos (a ANA) sem precisar de Medidas Provisórias, diretamente com o ONS. Tivemos uma cooperação técnica, de maneira a privilegiar o interesse público, que evitou crises nas bacias do São Francisco, do Paraná, do Paraíba do Sul, do Tocantins.

A instituição ONS tem quadros técnicos muito importantes, porém seus dirigentes acabam direcionando essas interpretações para favorecer os agentes do setor elétrico. Essas pessoas, quando entram no ONS, vêm dessas empresas e depois tendem a voltar mais caras para aquelas mesmas empresas.

Quando se tem uma crise decorrente dos reservatórios, como a de 2014/15, tem-se dois agentes principais. Um que coordena a ação do setor elétrico, e não só dos reservatórios, que é o ONS. Porém, quando a crise atinge também os reservatórios, essa operação é, por lei, feita pela ANA e o ONS. Funcionou muito bem.

Envolvemos comitês de bacias, usuários, Ministério Público, Marinha, Ibama, órgãos de pesquisa climática. Não precisamos de medidas autoritárias, como foi a MP 1055, que retirou esse papel da ANA e do Ibama e jogou esse papel para uma comissão de regras excepcionais de gestão da crise hídrica,  formada somente por ministros. Comissões assim são tão glamurosas quanto inúteis, porque não são ministros que decidem essas questões . São burocratas do setor elétrico”.

“Privatização da Eletrobrás: Vamos voltar a ter os donos dos rios no Brasil”

“A privatização da Eletrobrás é um desastre sob vários aspectos. Pela perda da soberania, porque uma empresa desse tamanho vai ser desnacionalizada. Haverá também um impacto tarifário porque a energia produzida pela Eletrobrás é hidrelétrica. A empresa responde por cerca de 40% da geração hidrelétrica brasileira e 70% da transmissão. O motivo principal para a privatização da Eletrobrás será acabar com um colchão da energia barata no Brasil. Vamos pagar por uma energia “nova”, de usinas pelas quais já pagamos no passado, vamos pagar isso agora para os investidores. Aquilo que é o nosso patrimônio, a amortização dessas usinas, vai virar lucro na veia dos investidores.

Nas características do setor elétrico brasileiro, tem-se complementariedade hídrica. Quando está chovendo numa região, está mais seco em outra. Através da rede de transmissáo, faz-se como se fosse tudo uma única bacia hidrográfica, que dá muita segurança.

Qualquer um que conheça a empresa, as característucas do País e das fontes (energéticas do Brasil) sabe que ter uma empersa que fará esse amortecimento tem um valor estratégico. A Eletrobrás é estratégica. Vamos perder isso.

Quando se demonta a Eletrobras, desmonta-se a organização do setor elétrico brasileiro.É só isso que vai acontecer…! Vamos voltar a ter os donos dos rios no Brasil”.

A instituição ONS tem quadros técnicos muito importantes, porém seus dirigentes acabam direcionando essas interpretações para favorecer os agentes do setor elétrico. Essas pessoas, quando entram no ONS, vêm dessas empresas e depois tendem a voltar mais caras para aquelas mesmas empresas.

Quando se tem uma crise decorrente dos reservatórios, como a de 2014/15, tem-se dois agentes principais. Um que coordena a ação do setor elétrico, e não só dos reservatórios, que é o ONS. Porém, quando a crise atinge também os reservatórios, essa operação é, por lei, feita pela ANA e o ONS. Funcionou muito bem.

Envolvemos comitês de bacias, usuários, Ministério Público, Marinha, Ibama, órgãos de pesquisa climática. Não precisamos de medidas autoritárias, como foi a MP 1055, que retirou esse papel da ANA e do Ibama e jogou esse papel para uma comissão de regras excepcionais de gestão da crise hídrica,  formada somente por ministros. Comissões assim são tão glamurosas quanto inúteis, porque não são ministros que decidem essas questões . São burocratas do setor elétrico”.

“Privatização da Eletrobrás: Vamos voltar a ter os donos dos rios no Brasil”

“A privatização da Eletrobrás é um desastre sob vários aspectos. Pela perda da soberania, porque uma empresa desse tamanho vai ser desnacionalizada. Haverá também um impacto tarifário porque a energia produzida pela Eletrobrás é hidrelétrica. A empresa responde por cerca de 40% da geração hidrelétrica brasileira e 70% da transmissão. O motivo principal para a privatização da Eletrobrás será acabar com um colchão da energia barata no Brasil. Vamos pagar por uma energia “nova”, de usinas pelas quais já pagamos no passado, vamos pagar isso agora para os investidores. Aquilo que é o nosso patrimônio, a amortização dessas usinas, vai virar lucro na veia dos investidores.

Nas características do setor elétrico brasileiro, tem-se complementariedade hídrica. Quando está chovendo numa região, está mais seco em outra. Através da rede de transmissão, faz-se como se fosse tudo uma única bacia hidrográfica, que dá muita segurança.

Qualquer um que conheça a empresa, as características do País e das fontes (energéticas do Brasil) sabe que ter uma empresa que fará esse amortecimento tem um valor estratégico. A Eletrobrás é estratégica. Vamos perder isso.

Quando se desmonta a Eletrobrás, desmonta-se a organização do setor elétrico brasileiro.É só isso que vai acontecer…! Vamos voltar a ter os donos dos rios no Brasil”.

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