Negado pela segunda vez pelo Ibama em outubro de 2024, o licenciamento ambiental de perfuração marítima no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, continua a ser foco de pressão política e econômica. A aceleração do processo é prioridade do governo Lula desde 2023, objetivo que ficou com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
A Petrobras apresentou, em dezembro, uma nova proposta de licenciamento que está em análise pela equipe técnica do Ibama. Uma das alterações no documento inclui uma base de emergência mais próxima do que a anteriormente sugerida, em Belém (PA). A nova estrutura, em Oiapoque (AP), já está em obras.
Defendido pela Petrobras como crucial para as reservas de petróleo do País, a Margem Equatorial seria essencial para manter o nível de extração do combustível fóssil a partir da próxima década, quando, segundo projeção da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a produção do pré-sal deve entrar em declínio. O economista, ex-superintendente de abastecimento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e consultor da ES Petro, Edson Silva, comenta a importância da exploração para o setor.
“Hoje, o petróleo no Brasil é a principal fonte de receita da balança comercial brasileira. Se nós não nos preocuparmos com reforçarmos as nossas reservas de petróleo, o que é que vai acontecer no médio prazo? O Brasil vai sair de uma condição de exportador de petróleo para a condição de importador de petróleo de derivados, coisa que hoje o País é autossuficiente e tem uma posição muito relevante na produção, tanto de gasolina como diesel”, pontua Silva.
A exploração enfrenta fortes embates pelos riscos à biodiversidade e à população local em caso de vazamentos, como o comprometimento da economia local de pesca e da segurança alimentar de comunidades locais. É o que explica o engenheiro ambiental e gerente de transição energética da Instituto Internacional Arayara, John Wurdig.
“Na região onde estão sendo ofertados esses blocos temos áreas de pan corais, ou seja, áreas prioritárias para a conservação de corais. Temos uma costa repleta de áreas de preservação, de territórios indígenas, e uma economia de pesca muito grande naquela região. E o que observamos do governo é que essa pressão para que seja definido o licenciamento do Bloco 59, na verdade vai ser só o início de algo muito maior que vem sendo proposto pelo lobby, pela indústria do petróleo, que é uma exploração massiva da costa amazônica”, afirma Wurdig.
Também chama a atenção dos ambientalistas a continuidade de investimentos brasileiros a longo prazo em combustíveis fósseis – vilões do aquecimento global e mudanças climáticas. A emissão de gases de efeito estufa são a principal causa para o fenômeno, que movimenta o planeta em medidas para contê-lo, entre elas a Conferência para o Clima (COP), que tem sua próxima reunião em novembro, sediada pelo Brasil em Belém (PA). Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, disse, no início de fevereiro, que existe um compromisso de fim do uso de combustível fóssil, definido na COP de 2023.
“É algo contraditório o Brasil ser a sede, o país anfitrião da COP. O Lula pautou tanto a questão da energia verde, da economia verde, e ter direcionamentos opostos a isso”, observa o coordenador de geociências da Arayara, George Mendes.
Ele também menciona que o próximo leilão da ANP, marcado para junho, incluiu 47 blocos na Foz do Amazonas – às vésperas do vencimento das avaliações ambientais. “Há um descompasso entre o que foi proposto, o que foi dito em campanha, com aquilo que vem sendo feito”, completa.
O economista Edson Silva defende que, apesar dos riscos, a Petrobras é altamente experiente, e demonstra acatar exigências técnicas do Ibama, em uma exploração que seria necessária para a segurança econômica do País. “A exploração do petróleo na Foz do Amazonas não é desejável. Desejável seria a atividade de exploração de petróleo ir diminuindo significativamente, mas essa não é a realidade”, pondera o especialista.
Petróleo para financiar a transição energética
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a afirmar, na última segunda-feira (24), que a transição energética no Brasil será viabilizada pelos recursos gerados pelo petróleo. A declaração ocorreu durante a assinatura do contrato para a construção de quatro navios pela Transpetro em Rio Grande, no Sul do RS, e em meio a críticas ambientais à exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e à possibilidade de novas atividades na Bacia de Pelotas.
Silva defende que a exploração seria muito positiva para financiar políticas públicas como o incentivo à produção e consumo de biocombustíveis, veículos híbridos e elétricos, e paralelamente garantir uma reserva de petróleo para o País.
O argumento, porém, é criticado por especialistas como o engenheiro ambiental John Wurdig, por ser uma justificativa contraditória para o que hoje é a maior fonte de emissão de gases poluentes – a exploração e queima de combustíveis fósseis. “O que realmente precisamos fazer é reduzir essas emissões de gás de efeito estufa e migrar para uma economia de baixo carbono. Uma economia onde nós priorizamos fontes renováveis” , enfatiza Wurdig. Para ele, a Petrobras deveria explorar de forma exponencial outros investimentos, como a área de energias renováveis.
Wurdig menciona relatórios recentes que indicam que investimentos trilionários são previstos para o Brasil para os próximos anos, em virtude da transição energética. “Mas para isso, você precisa ter o fomento, o apoio de investimentos também nas políticas públicas. Então, quando eu ainda tenho um país com subsídios para os combustíveis fósseis e baixo subsídio ou apoio para energias renováveis, por exemplo, se torna muito difícil impulsionar essas fontes ecológicas.”
Fonte: Jornal do Comércio
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