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“Exploração na Foz do Amazonas é um experimento para testar a resistência estratégica das comunidades”, diz, especialista

No ARAYARA Amazon Climate Hub, a Rede Cuíra Jovens Protagonistas dos Manguezais promoveu nesta quarta-feira (19/11) o painel Nosso Mangue Tem Valor com Gente e Livre de Petróleo!. A iniciativa integra a campanha lançada em novembro por organizações e redes representativas de povos extrativistas e comunidades costeiras do litoral amazônico, com foco na proteção da sociobiodiversidade e na inclusão das comunidades nos processos decisórios.

O documento elaborado pelas organizações alerta que muitas dessas populações seguem excluídas das decisões sobre seus territórios, apesar de serem essenciais para a proteção ambiental. Entre os principais pontos, destacam-se diagnósticos climáticos locais, percepções das mudanças ambientais e relatos de grupos já se identificando como deslocados climáticos, situação que exige ação urgente nos planos oficiais de manejo de Reservas Extrativistas.

Juventude e articulação comunitária

Bruna Martins, gestora de projetos da Rede Cuíra e moderadora do painel, abriu o debate enfatizando a importância do diálogo:

“Trazer à tona a problemática da exploração na costa não é algo que gostaríamos de estar discutindo, mas é fundamental para fortalecer conexões e preparar os territórios da rede amazônica para as ameaças que avançam sobre nossos maretórios. É essencial que os jovens participem dessas agendas.”

Ela lembrou ainda que a próxima COP ocorrerá no Pará — ou como disse, “no Paranhão” — reforçando a presença da região na pauta climática global.

Vozes indígenas e comunitárias

Luene Karipuna, liderança da Terra Indígena Uaçá (Oiapoque) e da Articulação dos povos e organizações indígenas do Amapá e Norte do Pará – APOIANP, destacou a importância das alianças para a defesa territorial:  “A Casa Arayara já é a minha casa. Não é só floresta. É um território de pessoas, muitas vivendo em extrema pobreza. E o sofrimento é ainda maior quando a ameaça vem de dentro, quando a política nos divide.”

Ela expressou preocupação com a exploração de petróleo e gás na região:“Torcemos para que não aconteça. Mas se acontecer, quem vai reparar os problemas que já enfrentamos? Hoje temos aeronaves sobrevoando de quatro em quatro horas, afetando sete bairros.”

Luene criticou discursos oficiais que apresentam o Amapá como território amplamente preservado. “Isso só existe por causa de nós — ribeirinhos e povos indígenas. Nada disso foi dado. Tivemos que lutar muito para conquistar.”

Sobre o Bloco 59, alertou:
“Foi por meio da ARAYARA que entendemos a dimensão dessa exploração e quantos territórios seriam impactados. Por que abrir uma nova fronteira em uma área tão sensível? Quando o presidente fala em soberania nacional, quem se posiciona contra vira ‘inimigo da nação’. Isso coloca nossos povos em risco.”

Ela também mencionou os impactos socioambientais que já se instalaram na região:
“Tráfico de drogas e de armas, aumento da prostituição, violência de gênero — lembrando que o Amapá foi, em 2023, o segundo estado mais violento para mulheres. A praga da vassoura-de-bruxa na mandioca gera insegurança alimentar. Famílias migram para a cidade, perdendo cultura, e crianças passam a ter diabetes e hipertensão. Alguns políticos tentam barganhar cesta básica pela concessão de exploração das terras.”

Para Luene, o problema é nacional:
“O dilema do Bloco 59 não é só do Amapá. Os impactos já começaram: cooptação de lideranças, inchaço populacional e tensão nas comunidades. Não existe estudo algum que considere nossas vidas. Nos apagaram do mapa, como se nunca tivéssemos vivido ali.”

Mary Jane, da Rede de Mulheres Praianas da Resex de Cururupu (Maranhão), reforçou:
“Como não se sentir ameaçada? Estamos em ilhas distantes do continente, e para chegar à primeira são duas horas de barco. Tudo que foi compartilhado no debate ecoa na vida das nossas famílias. Se a temperatura sobe, se o nível do mar aumenta, somos as primeiras a sentir. Queremos poder dialogar. Somos um modelo de organização e queremos ser ouvidas.”

Dinamam Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), destacou a ausência de participação das comunidades indígenas:

Identificamos 423 pontos de exploração que afetam áreas indígenas, além de 22 licenças na zona marítima — apenas os casos aos quais tivemos acesso. As comunidades impactadas não foram ouvidas e, quando houve o vazamento de 2008, organizaram mutirões de limpeza. Um indígena morreu, assim como outras pessoas ficaram gravemente doentes por conta da contaminação, e até hoje o empreendimento não foi penalizado. Não queremos que isso se repita. A Mata Atlântica já foi devastada por esse tipo de exploração. Não é possível alcançar as metas climáticas propostas enquanto se insiste na exploração na Foz do Amazonas.”

Ciência e monitoramento

Kerlem Carvalho, coordenadora Oceano e Águas da ARAYARA, ressaltou a importância de proteger os manguezais e os territórios costeiros:

“Falo sobre manguezais porque venho de uma região profundamente ligada a esse ecossistema. Encarar essa temática exige um esforço enorme, inclusive pessoal. Faço parte da frente de coordenação de águas da ARAYARA, atuando em campanhas como Salve Noronha e Pelotas.

Quando discutimos a Foz do Amazonas, também incluímos a bacia de Pelotas, que hoje está sob ameaça de exploração sísmica. Apresentei um mapa mostrando a expansão da indústria fóssil em diversas regiões do país, do Sul à Amazônia, e ficou evidente a contradição do governo: enquanto anuncia uma transição energética, continua promovendo a expansão fóssil, com blocos de petróleo e leilões já agendados para o próximo ano. Um exemplo é o LRCAP 2026, voltado para termelétricas — uma tecnologia ultrapassada que ainda recebe a aposta do Ministério de Minas e Energia (MME). Além do Bloco 59, existem mais de 40 blocos na costa que colocam em risco comunidades e ecossistemas sensíveis.

O chamado ‘mapa do caminho da exploração’ está sendo divulgado na COP 30, mas não está sendo debatido com as comunidades locais. E, enquanto isso, o Brasil já prepara novos leilões para 2025. Na fase de estudo da área exploratória, os empreendimentos realizam estudos de sísmica, etapa inicial da exploração, em que navios percorrem o mar com cabos e canhões que disparam estrondos enormes — uma espécie de ‘ultrassonografia’ do oceano. Esses estudos, mesmo antes da liberação de qualquer licença, já causam impactos significativos sobre os ecossistemas e as comunidades costeiras.”

Prof. Mário Soares, oceanógrafo e coordenador do Núcleo de Manguezais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ressaltou a necessidade de educação e conscientização:
“Precisamos ampliar o debate. Já proponho à ARAYARA e a quem puder apoiar a realização dessa discussão na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a capital do petróleo. É fundamental levar esse conhecimento aos estudantes, que muitas vezes irão trabalhar na indústria fóssil sem compreender a dimensão dessa luta.

Reduzir o debate do petróleo à Foz do Amazonas, a um único poço, é um equívoco. Trata-se de um experimento para testar a resistência estratégica — a ‘porteira’ que se abre para exploração maior. Venho de um estado que é o maior produtor de petróleo, na Bacia de Santos. Há cerca de dez anos, realizamos um estudo sobre a margem equatorial, do Rio Grande do Norte ao Amapá, que mostrou que um derramamento poderia impactar diversos países da América do Sul e do Caribe. O risco é gravíssimo.

Os impactos da exploração vão muito além do meio ambiente: afetam infraestrutura, educação, saúde física e mental, segurança alimentar e geração de riqueza. São crises sobrepostas que se manifestam desde o momento em que um projeto é anunciado: grilagem de terras, aumento de preços de produtos e conflitos sociais. Não se trata de um problema isolado, nem de um poço de petróleo — é um desafio amplo que diz respeito a todos nós.

Outra falácia recorrente é a promessa de geração de riqueza. Para quem? O discurso dos empreendimentos frequentemente promete prosperidade, mas, na prática, o que fica é pobreza e desigualdade. Há inúmeros exemplos: cidades como Macaé e Duque de Caxias recebem royalties, mas os impactos sociais e econômicos continuam graves e desiguais.

 

Foto: Oruê Brasileiro/ ARAYARA

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