+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

Estudo lançado em audiência na Câmara expõe ameaça da indústria fóssil à pesca e à vida marinha

Brasília foi palco, nesta terça-feira (02/09), de uma audiência pública na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados que escancarou os riscos da expansão da indústria do petróleo sobre a pesca, a biodiversidade e a segurança alimentar do país. O evento, solicitado pelo deputado Raimundo Costa (Pode-BA), marcou o lançamento do estudo técnico inédito “Do Mar à Mesa: Como a pesquisa para a exploração de petróleo ameaça a vida”, elaborado pelo Instituto Internacional ARAYARA.

Apresentado por Kerlem Carvalho, coordenadora de Oceano e Águas da ARAYARA, o estudo mostra como a sísmica — etapa de prospecção que utiliza canhões de ar comprimido para mapear o subsolo marinho — se tornou uma ameaça direta aos oceanos e à subsistência de milhares de famílias. 

Carvalho explica que as ondas acústicas, que podem chegar a 263 decibéis e se propagar por até 300 mil km², impactam na vida marinha , afugentando baleias, golfinhos e tartarugas, além de impor zonas de exclusão que impedem os pescadores de acessar suas áreas tradicionais por até dois anos. “Não se trata apenas de biodiversidade: trata-se de comida na mesa e de autonomia econômica para milhares de famílias”, alertou.

Confira audiência

Comunidades tradicionais ameaçadas

As falas dos convidados presentes na audiência revelaram a preocupação crescente de comunidades pesqueiras. Evandro Soares de Araújo, presidente da Confederação Nacional de Pescadores (CNPA), denunciou o avanço desordenado da indústria fóssil: “Não somos contra a economia, mas não aceitaremos a exclusão dos pescadores. O que vemos é que a pesca artesanal está sendo empurrada para a extinção.” Ele chamou atenção para a concentração de navios na Bacia de Santos e para os riscos de acidentes catastróficos próximos à costa.

A crítica foi reforçada por Andréa Rocha, do Conselho Pastoral dos Pescadores, que destacou os resultados da terceira edição do Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras, construído a partir da escuta de 450 comunidades em 16 estados brasileiros. O documento denuncia violações recorrentes e mostra como a pesca artesanal vem sendo profundamente ameaçada por pressões externas que colocam em risco sua sobrevivência.

“Há contaminação das águas, deslocamento de comunidades, perda de autonomia econômica — especialmente das mulheres pescadoras — e a ausência de reparação efetiva”, afirmou. Rocha ainda recordou o maior crime ambiental da história recente: o derramamento de petróleo de 2019, que paralisou a atividade de 500 mil pescadores em nove estados. “Até hoje não houve resposta do Estado. Os crimes se repetem e a omissão também.”

O relatório registra 48 novos conflitos desde 2020 e atualiza outros 37, evidenciando ameaças como a PEC 03/2022, que prevê a privatização de praias, além de projetos de petróleo na foz do Amazonas e de usinas eólicas offshore. Ela ressalta que, pela primeira vez, a publicação incorpora os impactos das mudanças climáticas, como as secas na Amazônia e as enchentes no Rio Grande do Sul, que afetam diretamente a pesca, a saúde e a economia local. Esses dados devem embasar os debates da COP 30, que será realizada em Belém, em novembro.

O debate também expôs contradições do próprio governo. Gilberto Sales, diretor do Departamento de Gestão Compartilhada de Recursos Pesqueiros (DPES) do Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), reconheceu o desafio de compatibilizar a pesca e a exploração de petróleo, mas afirmou que “não há como nos descolarmos da indústria fóssil”. 

Já Itagyba Alvarenga Neto, coordenador-geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros (CGMac) do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ressaltou que a atividade pesqueira sempre recebeu atenção por parte do órgão e que os processos de licenciamento seguem diretrizes já estabelecidas. Destacou ainda que o Ibama atua na execução de políticas públicas, não sendo de sua competência definir como se dará o uso do ambiente marinho. No entanto, reconheceu a ausência de políticas prévias e de instrumentos capazes de reduzir os conflitos existentes.

Quêner Chaves Dos Santos,Coordenador-Geral de Cadeias Produtivas, Fomento e Inovação (SNPA) do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), destacou a centralidade dos alimentos aquáticos para a segurança alimentar e defendeu que os impactos da indústria fóssil sejam tratados de forma séria, lembrando crimes ambientais como Mariana e Brumadinho. Ele anunciou ainda que o governo pretende apresentar, durante a COP30, o primeiro plano nacional da pesca artesanal, com propostas para garantir direitos, territórios e políticas públicas ao setor.

Assine a petição : Em Defesa de Quem Vive do Mar!

No final da audiência, a representante do CPP leu o manifesto da campanha Mar de Luta, que reivindica reparação integral aos pescadores afetados, criação de um grupo de trabalho interministerial e o fim da negligência histórica com as populações que sustentam a pesca artesanal no Brasil.

Para o diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno, o estudo apresentado e as falas dos convidados convergiram em uma conclusão evidente: a expansão da indústria fóssil representa um risco não apenas ambiental, mas também social, econômico e cultural. Ele destacou que o tema da sísmica não é novo, mas que, pela primeira vez, a sociedade brasileira tem acesso a esses dados reunidos de forma integrada em um único estudo, com base nos dados do Monitor Oceano e Amazônia Livre de Petróleo.

“Os impactos da indústria fóssil se manifestam em diferentes setores e todos precisam ser considerados na conta climática e econômica — seja na vida marinha ou na sobrevivência de pescadores e pescadoras. Se o atual modelo de exploração for mantido, o futuro da pesca artesanal — e, consequentemente, da segurança alimentar brasileira — estará gravemente ameaçado”, alertou.

Acesse as fotos: https://www.flickr.com/photos/200676827@N03/albums/72177720328787438/

 

 

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

Transição energética justa: protagonismo das comunidades marca painel na 10ª Semana da Energia OLADE

Seguindo a programação da Missão “Transição Energética Justa e Sustentável Chile-Brasil ARAYARA 2025”, o gerente de Transição Energética, John Wurdig, e o analista técnico e climático Joubert Marques, participaram do painel “Desafíos socioterritoriales de la transición en ALC”, realizado durante a 10ª Semana da Energia da OLADE, em Santiago.   O debate colocou em evidência um ponto central: a transição

Leia Mais »

Às vésperas da COP30, prazo para entrega de metas climáticas chega ao fim com metade da adesão registrada há quatro anos

Painel da ONU mostra que 56 nações submeteram as NDCs até o fim de setembro, enquanto, em 2021, a cerca de 40 dias da conferência, a lista era composta por 113 Às vésperas do início da COP30, o prazo para que os países signatários do Acordo de Paris entreguem suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) foi encerrado nesta terça-feira com metade

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Bancos europeos y la expansión petrolera en Latinoamérica

La transición energética parece lejana en América Latina, que sigue apostando a las energías fósiles, revela un nuevo estudio. El costo es ambiental y social, y profundiza el endeudamiento de la región. América Latina y el Caribe están viviendo una acelerada expansión de proyectos petroleros y de gas, impulsada tanto por empresas internacionales como por gigantes estatales como  Petróleos Mexicanos, Pemex, en México, y Petróleo Brasileiro

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Relatório revela bilhões de dólares em petróleo e gás e alerta que a Amazônia pode perder sua batalha climática

Relatório internacional revela impacto direto de bancos globais e amplia alerta sobre ponto de não retorno do bioma Primeiramente, um relatório divulgado em 29 de setembro de 2024 expôs o financiamento bilionário de combustíveis fósseis na América Latina e Caribe. Além disso, a publicação “The Money Trail Behind Fossil Fuel Expansion in Latin America and the Caribbean” reuniu organizações da

Leia Mais »