+55 (41) 9 8445 0000 arayara@arayara.org

É hora de ensinar às crianças o que realmente importa

Cientistas do mundo inteiro têm alertado que a Terra caminha rapidamente para um ponto de não retorno e por isso medidas urgentes são imprescindíveis. Sem o fim do desmatamento das superfícies verdes do planeta e a substituição da queima de combustíveis fosseis por fontes renováveis, dizem, será impossível deter as alterações climáticas em curso e evitar catástrofes de enormes proporções.

Infelizmente, foram poucos os governantes que ouviram os alertas e alteraram comportamentos ou políticas. Catástrofes começaram a acontecer, cada vez com mais intensidade. O que era percebido como algo estritamente relacionado a florestas longínquas tornou-se verdadeiro problema social nas grandes cidades, quando as populações urbanas em situação de maior vulnerabilidade passaram a ser as mais atingidas pelos efeitos das mudanças climáticas.

Ainda temos algum tempo, é verdade. E temos Greta para nos lembrar que o retorno é possível, embora mais difícil e urgente a cada dia. Mas agora a humanidade tem mais outro desafio com o qual se preocupar, que mata mais rápido e se espalha de forma mais veloz por todo o globo.

Estamos diante da maior emergência sanitária contemporânea. A COVID-19 alcançou números alarmantes de vítimas. É uma tragédia de proporções inestimáveis. Impacta diretamente cada pessoa que adoece, falece, seus familiares e conhecidos. Impacta os mais velhos, mais vulneráveis, com doenças preexistentes ou com deficiência. Impacta todos nós que conseguimos ficar em casa ou temos de andar pelas ruas esvaziadas ou não.

Cenas chocantes invadem nossas telas e nossas mentes com imagens que parecem saídas de algum filme distópico futurista. Caixões transportados em caminhões militares. Valas coletivas cavadas às pressas enquanto sepultamentos ocorrem. Agentes sanitários paramentados com roupas de proteção aferindo a temperatura em espaços públicos mundo afora.

É uma catástrofe social gigante. No Brasil que não dorme, o desmonte das políticas públicas sociais mostra o impacto da brutal desigualdade. Atinge notadamente os mais pobres e os que dependem da saúde pública nos 90% dos municípios do país que não possuem UTIs; ou não têm acesso à alimentação de qualidade, moradia digna, saneamento básico, direitos trabalhistas, energia elétrica, informação verdadeira ou internet.

É um daqueles momentos em que a humanidade pergunta-se coletiva e individualmente qual é o sentido da vida. Questão fundamental da filosofia, parece de difícil resposta em um mundo deteriorado, no qual os contatos físicos desapareceram e o outrora pulmão do mundo transformou-se em um dos lugares mais difíceis para se respirar.

Mesmo quem vive em espaços privilegiados, com mais conforto e segurança, não tem passado incólume. A vida no planeta é coletiva. Vivemos com os outros a nossa volta. O que se passa com os outros nos impacta tanto quanto o que acontece com a natureza. Independentemente de importarmo-nos ou não.

Ao que parece, contudo, há esperança. Mais de nós nos importamos do que o contrário! Sentimos a vida que vale a pena ser vivida também pela conexão com o outro, mesmo quando desconhecido, mesmo com o distanciamento físico. Ficamos em casa por solidariedade, fazemos doações, ajudamos quem podemos e como podemos. Parte de nós sabe que a vida em comunidade é mais feliz. Queremos nossos filhos crescendo em um mundo que possam conhecer e com pessoas que possam amar.

É agora e não um dia, talvez, ou quando tudo isso acabar – mesmo porque sabemos que não acabará tão definitivamente. Como comunidade global devemos tomar decisões e apostar em um futuro diferente, mais sustentável, equilibrado e justo. É premente a necessidade de mudarmos a forma como nos relacionamos com o meio ambiente, acabarmos com a desigualdade social e transformarmos nossos padrões de consumo.

Não é mais possível que normalizemos rotinas extenuantes, em que pessoas dispendam cinco horas no transporte público diariamente para trabalhar. Ou que nos acostumemos a viver em centros urbanos cimentados sem espaços verdes ou rios vivos. Que estejamos anestesiados diante do abismo socioeconômico existente entre as periferias urbanas e os centros de tomada de decisão e de poder econômico.

Mais do que nunca, precisamos ensinar às nossas crianças que o ter não deve se sobrepor ao ser, que o outro está conectado a nós intrinsecamente e que as florestas, os mares, os animais são imprescindíveis para a nossa sobrevivência. Temos que estar alertas para, imediatamente, transformarmos os valores consumistas e materialistas que, como sociedade global, temos passado às crianças por gerações. É hora de acabarmos com a formação de hábitos insustentáveis das crianças de hoje, adultos de amanhã, com relação ao ecossistema, à coletividade e ao trabalho.

Crianças precisam de condições básicas de sobrevivência, afeto, cuidado e ambientes livres de violências. A lógica do hiperconsumo deve ser deixada para trás, a fim de que nasçam novas formas de viver, que privilegiem a cooperação, a partilha e a vida em comum no único planeta de que dispomos para viver.

Especialmente em um país com 1/4 da população, 52,5 milhões de pessoas, vivendo abaixo da linha da pobreza – com rendimentos inferiores a R$420,00 por mês – e no qual 42,3% das crianças de zero a 14 anos estão abaixo da linha da pobreza. Onde as estimativas dizem que, em média, leva-se nove gerações para uma criança de família de renda baixa alcançar a renda média.

É o momento de reconstruirmos no Brasil um Estado de bem-estar social forte, democrático e não autoritário, que provenha infraestrutura, saúde e educação públicas de qualidade, serviços de assistência social robustos e políticas sociais para a imensa parcela da população que vive à margem de tudo. Um país que resgate suas dívidas históricas, acredite na ciência, na cultura e garanta as liberdades individuais. Que disponha de empresas éticas e de uma população verdadeiramente solidária. É chegada a hora de exigirmos um novo país, que promova a equidade e a igualdade. Essa é a única ideia disponível no momento a ser considerada!

Fonte: Estadão | Isabella Henriques, advogada e diretora executiva do Instituto Alana

Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Redes Sociais

Posts Recentes

Receba as atualizações mais recentes

Faça parte da nossa rede

Sem spam, notificações apenas sobre novidades, campanhas, atualizações.

Leia também

Posts relacionados

ARAYARA na Mídia: Especialistas apontam qual será o principal impasse das negociações da COP30, em Belém

China, EUA e Índia lideram emissões de gases do efeito estufa, enquanto países vulneráveis sofrem impactos desproporcionais da crise climática A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA), em novembro deste ano, deve ter como principal ponto de impasse os combustíveis fósseis. A previsão tem sido feita por especialistas que analisam a relação

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: 1º EJUV: Qual o papel do jornalismo climático e do ativismo digital para o enfrentamento às mudanças climáticas?

A primeira edição do Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes (1°EJUV), organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, aconteceu entre os dias 23 e 24 de agosto no Armazém do Campo, na capital paulista. 160 jovens participaram do evento que contou com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através

Leia Mais »

ARAYARA na Mídia: Comissão debate impactos da indústria fóssil sobre a pesca

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados realizará, na terça-feira (2), uma audiência pública para discutir os impactos do avanço da indústria fóssil, que reúne empresas e atividades ligadas à exploração e uso de petróleo, carvão mineral e gás natural, sobre a cadeia produtiva e o setor pesqueiro no país. O debate foi solicitado

Leia Mais »

Mobilidade limpa e sustentável em pauta no programa Ponto de Conexão

Na tarde de sexta-feira (29), o engenheiro ambiental John Wurdig, Gerente de Transição Energética do Instituto Internacional ARAYARA, participou ao vivo do programa Ponto de Conexão, exibido pelo canal Rede RS — novo veículo de jornalismo regional no Rio Grande do Sul, disponível no 11 da NET/CLARO e no 55.1 da antena digital. O tema do debate foi “Mobilidade Limpa:

Leia Mais »