Com omissão do governo Bolsonaro, que não assinou compromisso nesse sentido, Brasil depende de consórcios de governadores para buscar fontes limpas e transitar de forma justa para energias não poluentes
Carlos Tautz
O complexo processo de adesão de 77 países ao compromisso de zerar a produção de energia produzida à base da queima do carvão mostra o altíssimo grau das dificuldades para implementar uma agenda de emergência global que diminua já no curto prazo a emissão de gases causadores do efeito estufa.
“O fim do carvão está próximo”, previu Alok Sharma, que preside a COP6. A iniciativa dos países anti-carvão reúne, entre outras nações, Inglaterra, Alemanha e França, que têm os maiores pesos econômico e político na Europa, e que lideram o continente na inflexão geopolítica denominada transição energética.
Porém, impressiona menos as dezenas de signatários do acordo (anunciado nesta quinta, 4/11) e mais, a pequena relação dos países que se omitiram dessa importante e urgente agenda definida ontem na 26a Conferência das Partes da Convenção do Clima, a COP26, que se realiza em Glasgow, capital da Escócia.
Rejeitaram a Declaração Global de Transição para Energia Limpa os dois maiores emissores mundiais – a China e os EUA. Juntos, os dois gigantes econômicos respondem por metade das emissões globais e, ao lado da Europa, fazem vultosos investimentos econômicos, diplomáticos, tecnológicos e geopolíticos naquilo que se convencionou chamar de transição energética.
O objetivo é se posicionarem estrategicamente em um mundo em que a queima de combustíveis fósseis precisa ter um peso muito menor – se é que a humanidade de fato quer diminuir sensivelmente o nível das emissões de gases estufa.
O Brasil, sob a Presidência de Jair Bolsonaro, também fugiu da Declaração. O próprio ocupante do Palácio do Planalto reafirmou o seu negacionismo e voltou à Brasília após tomar parte (e ser isolado politicamente) na reunião do G20, em Roma.
Bolsonaro não apenas não foi à Glasgow. Ele também tratou de só enviar à COP26 uma representação brasileira sem peso político nem autonomia para negociar qualquer coisa de relevante. Justamente pelo negacionismo que lhe diminui a capacidade de definir-se estrategicamente, o governo atual perdeu mais uma oportunidade e optou por se apequenar ainda mais em uma área em que os presidentes anteriores se destacaram.
O Brasil sempre tirou proveito, em termos de imagem, do fato de o País ter proporcionalmente menor responsabilidade histórica nas emissões e de ser reconhecida internacionalmente a centralidade muito ativa que o Itamaraty demonstrou nas negociações da Convenção do Clima, aprovada em 2015 em Paris.
Mas, os tempos são outros no Brasil, e esse passado de competência da diplomacia brasileira já está quase sepultado no lixo da história. Por exemplo, na esdrúxula lei que autoriza a privatização da Eletrobras há dispositivos que estimulam justamente a produção de energia elétrica a partir do carvão e do gás natural, em absoluta contradição com o caminho adotado por China, EUA e Europa, que já se posicionaram para saltar para a frente nessa onda da transição energética.
Permanece, portanto, uma dúvida grande sobre a eficácia do compromisso anunciado ontem. Ele visa a acabar com os investimentos em carvão e eliminar seu uso até 2030 nas principais economias e, até 2040, nos demais países, além de investir em uma transição justa para fontes de energia limpa.
Governadores tentam ocupar o vácuo climático
Nesse vácuo deixado pela omissão e miopia do governo brasileiro, outros atores tentaram se qualificar e crescer politicamente, incentivando o desenvolvimento de uma economia menos baseada em combustíveis fósseis.
Assim, o grupo de Governadores pelo Clima – que formalmente reúne 22 dos 27 chefes de executivos estaduais brasileiros – lançou, também na Escócia, o chamado Consórcio Brasil Verde. O Governadores pelo Clima, criado em 2019, tentará negociar coletivamente ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
Entre essas ações está, como garantiu ontem o governador do Rio Grande do Sul (RS), Eduardo Leite, a superação dos malefícios causados pela cadeia produtiva do carvão no Estado e, em especial, o sepultamento definitivo do projeto Mina Guaíba.
Localizado na região metropolitana de Porto Alegre, o projeto só não foi adiante porque o Instituto Arayara protocolou em 2019 uma Ação Civil Pública que, na prática, até hoje mantém a Mina Guaíba em suspenso na estrutura ambiental do governo do RS.
Em debate em Glasgow, organizado pelo Instituto Internacional Arayara e outras organizações da sociedade civil brasileira, Leite comprometeu-se a encontrar soluções energéticas limpas que, ao mesmo tempo, garantam a capacidade de geração de renda das populações que hoje dependem economicamente da cadeia produtiva do carvão e sejam limpas, do ponto de vista das emissões de gases poluentes.
Se bem conduzidas, essas articulações subnacionais, que visam a suprir a omissão da União em casos estruturantes, podem ser uma resposta muito produtiva no enfrentamento de questões de amplitude nacional.
Esse é o caso do Consórcio Nordeste, que reúne os nove estados da região para atuarem em várias áreas de políticas públicas comum. Diante da tragédia da pandemia no Brasil, e da forma criminosa como o governo Bolsonaro tratou o tema, o Consórcio assumiu várias das responsabilidades que seriam do governo federal.
Resultado: são nordestinos os três estados que apresentam os melhores índices de enfrentamento da pandemia de COVID19.
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