Foto: Ato realizado por indígenas marcando os dois anos da tragédia, com a representação da plantação de girassóis – para trazer fartura, sorte e esperança de reconquistar o território que perderam.
Na semana que marca os dois anos de crime da Vale na bacia do rio Paraopeba, a palavra luta continua presente no dia a dia dos atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Uma tragédia que fez vítimas fatais e outras tantas vítimas que tentam sobreviver e lutar com o que ainda lhes resta.
Conversamos com as lideranças indígenas Avelin Buniacá Kambiwá, do Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas (CMACI), e Ángohó, dos Pataxó Hãhãhãe, que tiveram suas terras e comunidades – ainda em construção – completamente destruídas.
Elas faziam parte da aldeia Naô Xohã, uma comunidade em São Joaquim de Bicas, Região Metropolitana de Belo Horizonte, que reunia mais de 80 indígenas de diferentes etnias. O grupo ainda luta para se mudar para um novo local, pois as margens do rio Paraopeba, onde fica a comunidade, continuam contaminadas.
Além de destruir mais de 140 hectares de floresta protegida, o colapso da barragem inundou o rio com altos níveis de químicos perigosos como arsênico, ferro, manganês e mercúrio. A recuperação – se acontecer – irá levar décadas.
Até hoje, as águas estão escuras por causa dos rejeitos de mineração e os peixes que restaram não podem ser consumidos. Há, ainda, relatos de moradores sobre doenças de pele e outros problemas de saúde como resultado da contaminação. E, para a comunidade, a perda do rio foi ainda muito mais profunda.
O próprio rio Paraopeba, sagrado, foi destruído e ninguém fala sobre. O rio não entra em nenhum tipo de reparação. Não entra enquanto vítima. Quem era o rio, qual era a sua força e o que ele representava? Para nós ele é um ser sagrado, de força, onde as pessoas tinham não só sua fonte de sustento, mas um símbolo do sagrado que é muito importante e vital para os povos tradicionais”, ressalta Ávelin.
Ela ressalta que a comunidade ainda estava em processo de retomada e construção.
“No dia do crime, não havia completado nem um mês que havíamos realizado o mutirão para a construção das casas da comunidade. A retomada na Naô Xohã tinha começado alguns meses antes. E além das vidas, do tamanho da tragédia, outras tragédias ficaram no nosso simbólico – que é difícil até de expressar. A retomada daquele território foi feita já a partir de um processo de empobrecimento e expropriação da cidade. Havia várias etnias juntas nessa retomada, que antes moravam na região metropolitana de Belo Horizonte em situação de miséria”, conta.
“A aldeia Naô Xohan continua lá, mas sem o rio ela não é nada. Virou um punhado de casas de um povo vivendo em situação de extremo abandono, sem terra para plantar, sem água para irrigar, sem beirada de rio, sem vida”.
“Éramos migrantes, indígenas em terra alheia, indígenas em contexto urbano, vulnerabilizados. Já vínhamos em um processo de violência grande. Chegamos na retomada, nesta terra, cheios de esperança, de sonhos, tentando reconstruir um modo de vida roubado pelo Estado antes e agora de novo roubado pela mineração”.
“A nossa comunidade foi rachada. Nesses dois anos o mais difícil tem sido criar diálogos em que a população indígena não se torne tutelada. A Vale fez acordo com uns que não fez com outros, gerando conflitos internos. Foi uma tragédia que soterrou casas, pessoas, comunidades, e relações de confiança que tinham sido criadas com pessoas de etnias diferentes”.
Para a líder indígena Pataxó Ãngohó a divisão da comunidade tem sido difícil.
“Nossa comunidade era pequena, com muita paz, muito amor e união. E foi tudo embora junto com aquela lama. Depois desse crime do dia 25 de janeiro, tudo acabou. A paz, a união, a resistência. Os povos se dividiram e as lideranças, agora, lutam para recuperar o que se perdeu”.
Ela também ressalta que “a Vale conseguiu implantar uma divisão dentro do território. Fez várias promessas e não cumpriu nenhuma. Por conta da situação da comunidade, viemos de novo para a cidade, montamos um novo grupo, e resistimos até hoje esperando a decisão pelo nosso território”.
“Hoje sentimos muita falta da nossa comunidade. Não temos mais como fazer nossa plantação, nossas hortas, pescar nosso peixe, caçar nossa caça. E hoje estamos aqui jogados, sem apoio nenhum. Fizemos um pedido de terra emergencial – já que a Vale tem muitas terras aqui em Brumadinho – e também foi negado. Estamos com auxílio emergencial cortado. E estamos aqui na cidade, com esse grupo, não porque queremos, mas porque não conseguimos a nossa terra”.
“Uma coisa que não sai da minha cabeça é a cena daquele dia. É um filme de terror que não sai da cabeça da gente. Até hoje eu sinto o barulho dos gritos, das pessoas chorando, e a imagem daquela lama fria descendo. Tantos peixes que tiramos do fundo da nossa comunidade. Enterramos peixe por peixe”.
Mas a líder indígena mantém a esperança de dias melhores. “A Vale pode ter matado nossos galhos, mas não a nossa raiz. Porque a nossa raiz é profunda e nada vai matar”.
“É visível que, quando a população é de outra classe e de outra cor do que quando a população é vulnerável, negra, pobre e rural, essas barragens não são construídas”
Completados neste 25 de janeiro dois anos do rompimento da barragem da megaempresa Vale em Brumadinho (MG), não há qualquer pessoa cumprindo pena pela morte de pelo menos 270 almas e outras 11 que continuam desaparecidas em meio à lama de rejeitos da mineração.
Na sexta-feira, 22, representantes da Vale S/A e do governo de Minas mais uma vez debateram o valor da multa devida ao governo de Minas Gerais pelo desastre cujos efeitos ainda permanecerão por um bom tempo, enquanto moradores impactados – nenhum acordo foi fechado.
As populações impactadas ainda buscam reparações, cíveis e criminais e exigem a manutenção do auxílio emergencial e indenizações que a Vale foi obrigada a pagar.
Mesmo a semântica ajuda pouco. Representantes da Justiça, do governo do Estado de Minas e a imprensa variam na suavidade com que tratam as centenas de mortes derivadas do crime corporativo praticado pela Vale em Brumadinho.
Ora chamado de desastre, em outras vezes, de tragédia e na maioria das vezes pelo nome técnico de “rompimento da barragem”, o “fenômeno”, por assim dizer, recebe do professor Luiz Wanderlei, uma classificação mais direta e precisa.
É uma tragédia que sobrevive nas pessoas, é um desastre ambiental e social permanente que continua se reproduzindo diariamente e, sobretudo, é um crime, devido à uma diversidade de ilegalidades e crimes ambientais e sociais”, afirma Wanderey, que dá aulas de geografia na Universidades Federal Fluminense e do Estado do Rio de Janeiro e integra o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.
Para ajudar a manter viva a lembrança que alimenta a luta por justiça, Arayara vai trazer até a sexta-feira (29) uma série de entrevistas com vários representantes das populações impactadas pela tragédia ou de autoridades que também procuram fazer justiça – e cujas estórias não devem ser soterradas sob a lama do esquecimento.
A primeira das entrevista é esta que segue e que está na íntegra aqui. Trata da opção econômica que o Brasil fez pela mineração para exportação, que tem seu epicentro nos estados de Minas Gerais e do Pará, e que é a responsável por fenômenos do tipo Brumadinho.
“O rompimento de barragens é algo do modus operandu da mineração em escala global. Sobretudo, na periferia global, no Sul Global, onde o Brasil se inclui”, explica Wanderley, ao definir a posição do País na geopolítica global da mineração.
Ele também integra outra organização dedicada ao tema do modelo mineral brasileiro, suas consequências para a economia, seus impactos sociais e ambientais, as estratégias dos grandes grupos econômicos que atuam na mineração.
Trata-se do grupo de pesquisa acadêmica Poemas (Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade), que investiga o comportamento das grandes corporações de mineração, suas estratégias nos mercados local, nacional e global, e as relações dos desastres com planos das corporações s frente aos preços, concorrentes, os Estados e as comunidades locais que são atingidas.
“Esse é um modelo que não visa a extrair minério para o desenvolvimento nacional”, conclui. “No contexto após 2011, com os preços do minério de ferro caindo, a mineradoras passam a produzir numa velocidade maior para compensar as perdas da queda do valor do minério, sobretudo para quebrar seus competidores menores e ganhar e fazer monopólio de mercado”, diz Wanderley, que planeja lançar, em 2021 o Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil.
Ele é pragmático quanto à capacidade de o estado brasileiro controlar as megacorporações da área mineral.
Do ponto de vista institucionalizado, essas corporações dominam todos os campos. Elas estão totalmente dentro do Estado. Elas são o Estado. Seja pela concepção do próprio Estado. Gestores privados saem da gestão privada e vão para a gestão pública onde implementam uma perspectiva privada. Posteriormente eles voltam para a gestão privada, com informações privilegiadas e contatos nos Ministérios e Secretarias, e flexibilizando licenciamentos. Hoje não existe um mecanismo de controle”.
Wanderley e seu grupo se dedicam também a estudar – e chegaram a produzir um relatório sobre o assunto – a legislação que regulamenta a segurança das barragens e, nesse aspecto, destaca que, também no campo da mineração, o racismo que caracteriza a sociedade brasileira se expressa de forma bruta.
“O racismo se agrava quando se olha o perfil populacional dos mais vulneráveis por essas barragens e os que mais sofrem com os desastres, de Brumadinho e Mariana. Uma percentagem significativa dos atingidos era de pessoas negras. Isso é algo que se repete no modelo mineral brasileiro, que é racista desde a sua origem colonial e reproduz sob outras formas. Na forma da violência de muitos desses indivíduos , e também nas remoções de famílias e nas desapropriações irregulares de indivíduos que estão abaixo de barragens”, afirma.
“É visível que (quando) a população é de outra classe e de outra cor, essas barragens não são construíras ou construídas com muitas outra compensações que não quando a população é vulnerável, negra, pobre e rural”, completa.
Porém, o professor se mostra mais otimista quando o assunto é a organização da sociedade civil. “Do ponto de vista local, das comunidades, existe uma resistência que vem surgindo na última década. Surgiram movimentos críticos à mineração , entre os quais o Comitê , o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração, o Movimento dos Atingidos por Barragens e Justiça nos Trilhos, organizações governamentais e outros movimentos sociais. Mas, a força dessas mineradoras nos municípios é altíssima, frente aos prefeitos, à massa da população que é manipulada com promessas fictícias de emprego, renda, melhoria das condições de vida , desenvolvimento”.
“É visível que, quando a população é de outra classe e de outra cor do que quando a população é vulnerável, negra, pobre e rural, essas barragens não são construídas”
Completados neste 25 de janeiro dois anos do rompimento da barragem da megaempresa Vale em Brumadinho (MG), não há qualquer pessoa cumprindo pena pela morte de pelo menos 270 almas e outras 11 que continuam desaparecidas em meio à lama de rejeitos da mineração.
Na sexta-feira, 22, representantes da Vale S/A e do governo de Minas mais uma vez debateram o valor da multa devida ao governo de Minas Gerais pelo desastre cujos efeitos ainda permanecerão por um bom tempo, enquanto moradores impactados – nenhum acordo foi fechado.
As populações impactadas ainda buscam reparações, cíveis e criminais e exigem a manutenção do auxílio emergencial e indenizações que a Vale foi obrigada a pagar.
Mesmo a semântica ajuda pouco. Representantes da Justiça, do governo do Estado de Minas e a imprensa variam na suavidade com que tratam as centenas de mortes derivadas do crime corporativo praticado pela Vale em Brumadinho.
Ora chamado de desastre, em outras vezes, de tragédia e na maioria das vezes pelo nome técnico de “rompimento da barragem”, o “fenômeno”, por assim dizer, recebe do professor Luiz Wanderlei, uma classificação mais direta e precisa.
É uma tragédia que sobrevive nas pessoas, é um desastre ambiental e social permanente que continua se reproduzindo diariamente e, sobretudo, é um crime, devido à uma diversidade de ilegalidades e crimes ambientais e sociais”, afirma Wanderey, que dá aulas de geografia na Universidades Federal Fluminense e do Estado do Rio de Janeiro e integra o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.
Para ajudar a manter viva a lembrança que alimenta a luta por justiça, Arayara vai trazer até a sexta-feira (29) uma série de entrevistas com vários representantes das populações impactadas pela tragédia ou de autoridades que também procuram fazer justiça – e cujas estórias não devem ser soterradas sob a lama do esquecimento.
A primeira das entrevista é esta que segue e que está na íntegra aqui. Trata da opção econômica que o Brasil fez pela mineração para exportação, que tem seu epicentro nos estados de Minas Gerais e do Pará, e que é a responsável por fenômenos do tipo Brumadinho.
“O rompimento de barragens é algo do modus operandu da mineração em escala global. Sobretudo, na periferia global, no Sul Global, onde o Brasil se inclui”, explica Wanderley, ao definir a posição do País na geopolítica global da mineração.
Ele também integra outra organização dedicada ao tema do modelo mineral brasileiro, suas consequências para a economia, seus impactos sociais e ambientais, as estratégias dos grandes grupos econômicos que atuam na mineração.
Trata-se do grupo de pesquisa acadêmica Poemas (Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade), que investiga o comportamento das grandes corporações de mineração, suas estratégias nos mercados local, nacional e global, e as relações dos desastres com planos das corporações s frente aos preços, concorrentes, os Estados e as comunidades locais que são atingidas.
“Esse é um modelo que não visa a extrair minério para o desenvolvimento nacional”, conclui. “No contexto após 2011, com os preços do minério de ferro caindo, a mineradoras passam a produzir numa velocidade maior para compensar as perdas da queda do valor do minério, sobretudo para quebrar seus competidores menores e ganhar e fazer monopólio de mercado”, diz Wanderley, que planeja lançar, em 2021 o Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil.
Ele é pragmático quanto à capacidade de o estado brasileiro controlar as megacorporações da área mineral.
Do ponto de vista institucionalizado, essas corporações dominam todos os campos. Elas estão totalmente dentro do Estado. Elas são o Estado. Seja pela concepção do próprio Estado. Gestores privados saem da gestão privada e vão para a gestão pública onde implementam uma perspectiva privada. Posteriormente eles voltam para a gestão privada, com informações privilegiadas e contatos nos Ministérios e Secretarias, e flexibilizando licenciamentos. Hoje não existe um mecanismo de controle”.
Wanderley e seu grupo se dedicam também a estudar – e chegaram a produzir um relatório sobre o assunto – a legislação que regulamenta a segurança das barragens e, nesse aspecto, destaca que, também no campo da mineração, o racismo que caracteriza a sociedade brasileira se expressa de forma bruta.
“O racismo se agrava quando se olha o perfil populacional dos mais vulneráveis por essas barragens e os que mais sofrem com os desastres, de Brumadinho e Mariana. Uma percentagem significativa dos atingidos era de pessoas negras. Isso é algo que se repete no modelo mineral brasileiro, que é racista desde a sua origem colonial e reproduz sob outras formas. Na forma da violência de muitos desses indivíduos , e também nas remoções de famílias e nas desapropriações irregulares de indivíduos que estão abaixo de barragens”, afirma.
“É visível que (quando) a população é de outra classe e de outra cor, essas barragens não são construíras ou construídas com muitas outra compensações que não quando a população é vulnerável, negra, pobre e rural”, completa.
Porém, o professor se mostra mais otimista quando o assunto é a organização da sociedade civil. “Do ponto de vista local, das comunidades, existe uma resistência que vem surgindo na última década. Surgiram movimentos críticos à mineração , entre os quais o Comitê , o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração, o Movimento dos Atingidos por Barragens e Justiça nos Trilhos, organizações governamentais e outros movimentos sociais. Mas, a força dessas mineradoras nos municípios é altíssima, frente aos prefeitos, à massa da população que é manipulada com promessas fictícias de emprego, renda, melhoria das condições de vida , desenvolvimento”.
No próximo dia 25 de janeiro, será completado o primeiro ano do maior crime ambiental da mineração brasileira, quando a barragem do Córrego do Feijão, controlada pela mineradora Vale, rompeu-se no início da tarde, vários operários trabalhavam na área, fazendo com que toneladas de lama se espalhassem por toda a região. Mais de 600 pessoas trabalhavam naquela unidade, muitas delas que estavam num refeitório para 200 pessoas logo abaixo da barragem. Além do refeitório, estavam ali também diversos edifícios administrativos e seus funcionários. O saldo da negligência com a segurança da estrutura de contenção de rejeitos de minério, além da inexplicável logística de se colocar áreas de convívio na linha direta de um eventual ponto de ruptura, foi a morte de mais de 250 pessoas e outras dezenas de desaparecidos. O Ministério Público de Minas Gerais realizou entrevista coletiva nesta terça-feira, em Belo Horizonte, na qual o Procurador Geral de Justiça de Minas, Antônio Sérgio Tonet, anunciou que buscará punição exemplar não só para Vale, mas também para a empresa de consultoria alemã Tüv Süd, que atestou a segurança da barragem. Ao apresentar hoje (21) detalhes da investigação sobre a tragédia de Brumadinho (MG) que levou à denúncia contra 16 pessoas por homicídio doloso, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sustentou “que houve um conluio entre a mineradora Vale e a consultoria alemã Tüv Süd. Conforme a acusação, ambas as empresas tinham conhecimento da situação crítica da barragem que se rompeu, mas não compartilharam as informações com o poder público e com a sociedade e assumiram os riscos”.
Familiares, amigos e outras centenas de cidadãos se unem pedindo Justiça e reparação aos atingidos, não somente às famílias das vítimas fatais e desaparecidos, mais às milhares de pessoas que foram afetadas, como as pessoas que viviam da atividade econômica proporcionada pela Vale e os agricultores que viviam às margens do Córrego do Feijão. Com a lama que correu desde a barragem rompida, ele foi contaminado junto, também, ao lençol freático, impedindo as atividades de centenas de agricultores da região.
Os mesmos fatos de Mariana, ainda interminados porque não completamente reparados os danos provocados pela barragem de Fundão, da Samarco, repetem-se agora em Brumadinho. O impacto social é bárbaro comparado a Mariana, com centenas de mortes contra 19 vítimas fatais e dezenas de desabrigados neste último, mas o impacto ambiental do primeiro é maior, visto ter atingido um dos principais mananciais da região Sudeste, o Rio Doce. Juntos, os dois consolidam a maior catástrofe ambiental da História do Brasil, ambas enquadradas por seu aspecto criminal pela negligência para com a construção e manutenção das barragens, e tendo, inclusive, a Vale por corresponsável em Mariana, visto a Samarco ser uma holding dela própria com a australiana BHP Billiton.
No relato dos moradores de Brumadinho, sobretudo dos atingidos, fica uma insistente e indignada afirmação “aquele dia 25 a gente vive todos os dias”, ou seja, completa-se um ano sem que as dores e angústias daquela tarde saiam da cabeça das pessoas e, portanto, do dia a dia de Brumadinho e áreas rurais próximas. Desde então, projetos culturais foram lançados para dar apoio aos cidadãos locais, principalmente os familiares e amigos das vítimas. Movimentos de negociação com a Vale, pedindo reparação pelos danos sociais, ambientais e econômicos causados, foram estabelecidos, mas diversos moradores seguem sem receber o que foi prometido. Mais uma vez, Mariana se repete.
Um homem que preferiu apenas se identificar como Jefferson, parente e amigo de várias pessoas mortas no rompimento da barragem, afirma a Plurale que várias preocupações, ansiedades e revoltas permeiam o imaginário dos moradores de Brumadinho e áreas rurais próximas. “A barragem rompeu ao meio dia e vinte e oito, do dia 25 de janeiro do ano passado. Desde aquela hora, a gente acorda, almoça, trabalha, janta e dorme o dia 25. As reparações são poucas, e tem coisas que revoltam. A Vale paga um valor maior às vidas que se perderam dentro da sua área, como se vida pudesse medir valor. Ao mesmo tempo, paga pra uns e não pra outros, tem gente indiretamente atingida que já recebeu, outras vítimas diretas que não. E sempre menos do que deveria”, protesta Jefferson.
Outra preocupação apontada por Jefferson é quanto à contaminação das águas e do ar na região. “Até hoje não foi emitido nenhum laudo de segurança sobre a água e o solo, pelos resíduos deixados, e do ar, pela poeira que se vê até hoje nas áreas atingidas”. A narrativa de Jefferson vai ao encontro daquela do agricultor Rogério Resende, 33, que conversou com Plurale e relatou o drama dos trabalhadores rurais que dependem da água do Rio Paraopeba, contaminado pelo Córrego do Feijão, e estão proibidos de usá-la. “Eu não posso mais trabalhar no meu terreno, porque estou proibido de usar a água do rio para irrigar minhas plantas. A Vale não se manifestou nem tomou nenhuma providência em relação aos meus prejuízos financeiros. Ligo e nunca tenho retornos”. Enquanto isso, Rogério relata que vive de pequenos trabalhos. “Preciso de uma luz no fim do túnel, se vou ter uma resposta sobre quando vou poder retomar o meu trabalho.”
Apoio importante dos trabalhadores da cultura
Além de cidade mineradora, Brumadinho sempre foi conhecida por sua identificação com a Cultura, desde a abertura do espaço Inhotim, que mistura conservação ambiental com arte contemporânea para formar um dos maiores museus a céu aberto do mundo. O evento “Arte abraça Brumadinho” vem ocorrendo desde os primeiros meses após a tragédia, e em dezembro celebrou sua 5ª edição, já tendo contado com a participação de renomados artistas brasileiros, como o maestro João Carlos Martins, o violinista Marcus Viana e o cantor Sérgio Pererê.
Neste fim de semana, de sexta até domingo, haverá apresentação da peça teatral de bonecos, “Paraíso mais belo do mundo“, voltada para crianças como parte do “Arte abraça Brumadinho”.
Uma das estrelas do evento de dezembro foi Mariana Nascimento, menina de 13 anos que perdeu o pai, Denilson Silva, na lama da Vale. O pai era músico, sambista, e a tristeza se apossou da família, que possivelmente não veria mais seus acordes nos domingos à tarde. A garota, no entanto, enfrentou a dor para seguir os passos do pai e se apresentar no festival, cantando com a companhia do violino de Marcus Vianna.
“Junto com a ação de cantar me vem um sentimento de alegria. De felicidade. Eu me sinto bem cantando”, diz Mariana, à organização do evento. A mãe, Claudiana, explicou também à organização como a música tem transformado a relação de Mariana com a tragédia. “Mariana nasceu no berço da música. Eu quero que ela sirva de exemplo, como tem sido, que a música pode salvar, transformar. Que a música pode dar alegria para as pessoas e eu sinto a alegria da minha filha cantando.”
Veja aqui o vídeo da apresentação de Mariana Nascimento.
O “Arte abraça Brumadinho” tem, também, produzido diversos vídeos institucionais, com conteúdo que mistura a denúncia e o amparo aos atingidos de Brumadinho, e conta com uma página no Facebook com todos os materiais até o momento produzidos, além do registro dos eventos.
Vale e Justiça foram procuradas por Plurale
A Vale dedica uma página na internet dedicada exclusivamente a divulgar suas ações de reparação aos atingidos de Brumadinho. Procurada por Plurale, reproduziu o que vem sendo divulgado em seus canais, argumentando, quanto às indenizações, manter ajuda emergencial a 106 mil pessoas, tendo realizado 723 acordos de indenização que beneficiaram 2.300 pessoas, além de outros 516 acordos trabalhistas que beneficiaram 1.539 pessoas.
Também afirma que que vem desenvolvendo um amplo projeto de recuperação ambiental da área atingida, com revegetação e um plano responsável para preservação futura do meio ambiente, nesta e em outras áreas onde há vegetação vizinha a operações da empresa. Igualmente, se compromete a revisar a segurança de todas as barragens e abolir o método de construção por alteamento a montante, considerado por analistas um dos responsáveis pelas rupturas de Brumadinho e Mariana.
A Tüv Süd emitiu nota dizendo-se ainda consternada pelo fato, mas afirmando que, diante das investigações sobre responsabilidade ainda em curso, prefere não fornecer mais informações sobre o processo e sobre os laudos emitidos. No entanto, frisou estar colaborando com a Justiça para melhor compreender os possíveis quais foram os erros cometidos pela empresa.
Contato para indenizações
De acordo com a Vale, os escritórios para pedido de indenização estão nas cidades de Brumadinhos, Macacos, Barão de Cocais e Belo Horizonte. Há uma documentação que deve ser apresentada. A lista de documentos e os endereços estão disponíveis aqui.
Por Hélio Rocha, Especial para Plurale Foto do Corpo de Bombeiros MG/ Divulgação
Mais de 350 pessoas atingidas pelo crime ambiental de Brumadinho vão percorrer, a partir de segunda-feira (20), 300 quilômetros de BeloHorizonte até a cidade de Brumadinho. A chegada está prevista para sábado (25). O episódio completa um ano em 25 de janeiro, quando a barragem em Córrego do Feijão se rompeu, deixando 272 mortos.
Com a marcha, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) pretende dar visibilidade e legitimidade nacional e internacional à luta dos atingidos diante dos crimes da Vale – Mariana e Brumadinho.
Pretende, também, fortalecer a unidade e organização estadual e nacional entre atingidos na luta e resistência pelos seus direitos e na construção de um novo projeto energético popular; denunciar os crimes e o tratamento que as empresas privadas vêm fazendo sobre a sociedade brasileira, especialmente aos atingidos por barragens; e reconhecer os atingidos como defensores dos Direitos Humanos.
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