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Sem margem para erro – Um novo pedido de esclarecimentos do Ibama atrasa a concessão de licença para a Petrobras perfurar poços na Foz do Amazonas

Sem margem para erro – Um novo pedido de esclarecimentos do Ibama atrasa a concessão de licença para a Petrobras perfurar poços na Foz do Amazonas

 

A duas semanas da COP29, o alerta: emissões máximas, esforços mínimos

A duas semanas da COP29, o alerta: emissões máximas, esforços mínimos

A liberação de gases de efeito estufa nunca foi tão alta. Ao mesmo tempo, avaliação das contribuições nacionais para contê-los aponta uma redução de apenas 2,6% até 2026, colocando a meta principal do Acordo de Paris em risco

 

A duas semanas da Conferência do Clima de Baku, no Azerbaijão (COP29), que começa em 11 de novembro, dois documentos da Organização das Nações Unidas alertam que o mundo está na direção errada na luta contra as mudanças climáticas. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a emissão de gases de efeito estufa bateram novo recorde no ano passado, e o dióxido de carbono (CO2) acumula-se na atmosfera mais rápido do que em qualquer outro momento da existência humana. Ao mesmo tempo, os compromissos nacionais para inverter a trajetória estão muito aquém do necessário, diz um documento técnico da ONU.
Todos os anos, a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC) faz o acompanhamento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas estabelecidas por cada signatário do Acordo de Paris para evitar que o aumento da temperatura global exceda 1,5 °C até o fim do século. Publicado ontem, o relatório técnico de 2024 mostra que os compromissos climáticos assumidos pelos 195 países reduzirão apenas 2,6% das emissões de gases de efeito estufa até 2026, em comparação com os níveis de 2019.

A síntese traz informações dos últimos 168 planos climáticos comunicados à ONU até 9 de setembro — o Brasil está entre os países que reportaram atualizações nas NDCs. Considerando os dados apresentados pelos signatários, as emissões totais de gases de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis chegarão, em 2030, a 51,5 gigatoneladas de CO2 equivalente. Esse número exclui os lançamentos provenientes de desmatamento e atividade agropecuária.

 

Pico

As emissões previstas são 49,8% mais altas do que em 1990. Isso indica que é possível que o pico dos lançamentos globais de gases de efeito estufa seja atingido antes de 2030. “Os atuais planos climáticos nacionais estão muito aquém do que é necessário para impedir que o aquecimento global paralise todas as economias e destrua bilhões de vidas e meios de subsistência em todos os países”, comentou, em nota, Simon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC.

 

Stiell destacou que a próxima rodada de NDCs, que têm de ser enviadas até fevereiro de 2025, devem exibir “um aumento drástico” na ação e ambição climática. “Embora esses planos não sejam universais e sejam determinados nacionalmente, eles devem ter novas metas de emissões ambiciosas que sejam para toda a economia, cobrindo todos os gases de efeito estufa, mantendo viva a meta do 1,5 °C”, continuou Stiell. “Eles devem ser divididos em setores e gases. E devem ser confiáveis, apoiados por regulamentações, leis e financiamento substanciais para garantir que as metas sejam cumpridas e os planos implementados”, disse.

 

Embora o Brasil tenha sido um dos 34 países a atualizar suas NDCs, Juliano Bueno de Araújo, doutor em Riscos e Emergências Ambientais e diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, considera que o potencial de cumpri-las é baixo. “A lentidão na implementação de políticas climáticas e a falta de ações efetivas estão limitando a capacidade do Brasil de reduzir emissões”, diz. “Para reverter essa situação, é crucial adotar medidas mais ambiciosas e acelerar a transição energética”, avalia.

 

“A poluição por gases de efeito estufa a esses níveis garantirá um naufrágio humano e econômico para todos os países, sem exceção”, alertou Stimon Stiell. “O relatório síntese da UFCCC deverá marcar um ponto de virada, encerrando a era da insuficiência e desencadeando uma nova era de aceleração, com novos planos nacionais de ação climática muito mais ousados e por parte de todos os países no próximo ano.”

 

Boletim

A meta de 1,5 °C até o fim do século é tecnicamente possível, segundo o Pnuma, mas o desafio para alcançá-lo cresce a cada novo recorde quebrado. O novo Boletim Anual de Gases de Efeito Estufa da OMM informa que a concentração média global de CO2 atingiu, em 2023, 420 partes por milhão (ppm). De metano foram 1.934 partes por bilhão (ppb) e, de óxido nitroso, 336,9 ppb. Esses valores correspondem a 151%, 265% e 125% dos níveis pré-industriais, respectivamente, no século 19.

 

“Mais um ano. Mais um recorde. Isso deve fazer soar o alarme entre os tomadores de decisão. Estamos claramente fora do caminho para atingir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2 °C e almejar 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”, reagiu Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.

 

O aumento de CO2 na atmosfera em 2023 foi maior do que em 2022, embora menor do que nos três anos anteriores. Pela 12ª vez consecutiva, o crescimento anual ultrapassou 2ppm. A última vez em que a Terra concentrou tanto dióxido de carbono foi de 3 a 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura estava 2 °C a 3 °C mais quente, com o nível do mar até 20m acima do registrado atualmente.

 

“É evidente que a mudança climática está acelerando em vez de continuar de forma constante”, diz Richard Allan, professor de Ciências Climáticas da Universidade de Reading, no Reino Unido. “Parar o aquecimento global estabilizando o clima da Terra e limitando danos causados pelo agravamento do clima extremo e pelo aumento do nível do mar só é possível por meio de cortes rápidos e massivos nas emissões.”

 

 

Fonte: Correio Braziliense

Foto: Simon Stiell, das Nações Unidas: “Precisamos de um trem de alta velocidade. Temos um vagão velho”. – (crédito: IISD/ENB/Divulgação )

Estas são as razões pelas quais o corredor de hidrogénio H2med é um investimento ruim

Estas são as razões pelas quais o corredor de hidrogénio H2med é um investimento ruim

Projeto H2med, assinado por Espanha, Portugal e França, que ambiciona ser o maior gasoduto de transporte de hidrogênio verde entre a Península Ibérica e a Europa Central, tem sido contestado por diversas organizações internacionais e partidos europeus que argumentam que H2med pode prejudicar a transição energética. O Instituto Internacional Arayara assina a carta-manifesto, que explicita as ressalvas ao projeto.

Por Antonio Barrero F., publicado originalmente no energias-renovables.com

Foto reprodução: Vazamento do Nord Stream – Ministério da Defesa da Dinamarca / AFP

No dia 24 de outubro de 2023, informamos que organizações ambientais e da sociedade civil de França, Polônia, Portugal, Malta, Espanha, Bulgária, Bélgica e Itália tinham assinado uma carta conjunta (que também foi assinada por várias deputadas do Parlamento Europeu e partidos políticos) na qual descrevem como “desnecessário” o gasoduto H2med, que foi proposto para, em teoria, transportar hidrogênio verde da Península Ibérica para França.

Os signatários sustentam que o hidrogénio verde é uma “tecnologia imatura” não somente em termos da sua produção em grande escala, mas também no que concerne ao seu transporte e armazenamento, e que o financiamento público que este projeto poderá receber “será prejudicial” a tecnologias já comprovadas, como as energias renováveis, e “agravará a crise energética”. 

Crédito: Forças Armadas Dinamarquesas/EP

Entenda o caso

Não há informações sobre a viabilidade técnica e econômica deste gasoduto, que percorreria milhares de quilómetros (muitos, debaixo d’água); não existem orientações sobre a sua construção, de forma a garantir a eficiência e segurança da infraestrutura em questão; os atuais níveis de produção de hidrogênio não justificam a implementação desta infraestrutura; e não fizeram um estudo prévio, detalhado, sobre as perspectivas de produção e procura futura de hidrogênio verde.

As tecnologias para adaptar gasodutos fósseis ao transporte de hidrogênio não estão, atualmente, sendo desenvolvidas em larga escala (o hidrogênio verde transportado no H2med acabaria por ser distribuído através de gasodutos convencionais); e não se sabe quantas instalações de produção de energia renovável serão necessárias para gerar a eletricidade necessária nas fábricas de hidrogênio para que esse hidrogênio seja verde (atualmente, a grande maioria do hidrogênio produzido pela indústria é “hidrogênio sujo”, feito a partir de combustíveis fósseis, em processos que também produzem emissões de gases de efeito de estufa; se o hidrogênio quiser ser verde, deve ser produzido a partir de água -H2O- e energias renováveis). E os argumentos derivados: i) quanto custarão todos esses novos parques eólicos e solares? ii) qual será o seu custo em termos de impactos ambientais?

Essas são as preocupações que constam em uma carta publicada em 24 de outubro de 2023, na véspera da Reunião de Alto Nível para Tomada de Decisões que teve lugar no dia seguinte, em Bruxelas, evento que reuniu altos funcionários da Comissão Europeia e dos governos dos 27 países da União Europeia. O objetivo dessa Reunião de Tomada de Decisão de Alto Nível foi discutir os projetos a serem incluídos na sexta lista de Projetos de Interesse Comum/Projetos de Interesse Mútuo (PCI/PMI).

Pois bem, nesse caso específico, dezenas de organizações ambientalistas e da sociedade civil da Europa e de Espanha, Portugal, Itália, França, Bulgária, Bélgica, Polónia e Malta, bem como eurodeputados e vários partidos políticos europeus quiseram unir-se para expressar a sua preocupação quanto (1) à provável inclusão na referida lista do H2med, infraestrutura que ambiciona ser o maior gasoduto de transporte de hidrogênio verde entre a Península Ibérica e a Europa Central, e (2) a também possível inclusão de outras infraestruturas para o transporte de hidrogênio que os signatários consideram “desnecessárias e superdimensionadas”.

Segundo a carta, a construção do gasoduto H2med, que tem sido apresentado pelas autoridades portuguesas, espanholas e francesas como parte da solução para a dependência energética que a Europa vive e como instrumento de combate às mudanças climáticas, não só não responderá às necessidades da transição energética, mas também agravará a crise (energética) que a União Europeua atravessa atualmente, ainda largamente dependente do gás natural russo e cada vez mais dependente do gás natural americano e árabe.

As chaves do gasoduto

O H2med inclui duas interligações transfronteiriças que permitiriam transportar hidrogênio da Península Ibérica para França. O primeiro ligaria Espanha e Portugal por via terrestre (projecto H2med-CelZa), enquanto o segundo seria uma interligação subaquática entre Espanha e França (projecto H2med-BarMar).

Crédito: Reprodução/energias-renovables.com 

Pois bem, para começar, os signatários consideram que os atuais níveis de produção de hidrogênio verde e a incerteza sobre a sua produção e procura futura não justificam a construção deste projeto.

“O hidrogênio verde – explicam na carta – ainda está numa fase de desenvolvimento muito prematura. É uma tecnologia imatura em termos de produção em larga escala, bem como de transporte e armazenamento.”

Daí pode se inferir que os signatários consideram que antes de começar a construir seria aconselhável ultrapassar esta fase prematura de desenvolvimento tecnológico.

“Para que contribua de forma real e significativa para os objetivos climáticos da União Europeia, são necessários grandes avanços em termos de tecnologia e eficiência”, explicam os signatários.

Há também receio do impacto ambiental de uma infraestrutura que insistem ser “desnecessária”

 

Caso o H2med e os outros projetos de transporte de hidrogênio forem considerados Projetos de Interesse Europeu Comum, poderão ter a categoria de projeto prioritário e estratégico, aspirando a certos benefícios para poder acelerar a sua implementação, como o financiamento da União Europeia, e melhores condições regulatórias ou processos de concessão de autorizações mais rápidos, o que suavizará os requisitos ambientais que estes projetos devem cumprir.

Os indivíduos e entidades signatários não desconsideram o hidrogênio verde como parte da solução. Mas propõem a sua utilização numa escala local: “as dificuldades associadas ao transporte de hidrogênio de longa distância numa perspetiva econômica, técnica e de eficiência energética significam que o objetivo é dar prioridade à produção e consumo local de hidrogênio verde”.

Assim, as organizações indicam que a utilização do hidrogênio verde deve priorizar “aqueles setores industriais difíceis de descarbonizar (setor siderúrgico) e em setores impossíveis de eletrificar, como o transporte marítimo ou a aviação”, embora – esclarecem – “não sem primeiro reduzir sua demanda”.

O infográfico mostra os usos potenciais para o hidrogênio. Fonte: Repsol

Cavalo de Tróia

De qualquer forma, os signatários alertam para o risco do H2med acabar sendo um “cavalo de Tróia” do gás. “No caso da mistura – misturar gás fóssil com hidrogênio – o hidrogênio verde poderia ser usado como desculpa para continuar a depender do gás fóssil, o que é inaceitável – argumentam – devido às suas graves repercussões nas pessoas e no clima”.

O impacto ambiental dos futuros parques renováveis ​​que alimentam as fábricas de hidrogênio é outro dos perigos para os quais alertam os signatários da carta: “a implementação massiva de parques renováveis ​​necessários à produção de hidrogênio verde em grande escala pode ter impactos adversos no meio ambiente e na biodiversidade”, o que também pode acabar provocando uma resposta de rejeição por parte das comunidades afetadas por esta mega infraestrutura. Além disso, acrescentam que é necessário também ter em conta na avaliação de um projeto como este os impactos “muito negativos” que pode ter no clima “devido ao seu maior risco de escapes para a atmosfera”. Os usos locais de hidrogênio implicarão sempre menos riscos do que transportar o gás ao longo de milhares de quilômetros através de cenários que são, em alguns casos, muito hostis (como leitos subaquáticos) e não suficientemente conhecidos.

Estes são os seis fatores que os signatários pedem que sejam levados em consideração antes de incluir a H2med na sexta lista de PCI:

  1. As empresas não realizaram um estudo prévio detalhado sobre as perspectivas de produção e a procura futura de hidrogênio verde.
  2. No caso do H2med-BarMar não existe informação sobre a sua viabilidade técnica e econômica. O projeto pertence a uma categoria para a qual não existem orientações sobre a sua concepção de forma a garantir a eficiência e segurança da infraestrutura.
  3. H2med implicaria a construção de uma rede de novas infraestruturas para o transporte de hidrogênio em médias e longas distâncias que, até à data, não se revelou necessária.
  4. Os projetos de transporte de hidrogênio, como o H2med, envolveriam a adaptação dos gasodutos existentes. No entanto, as tecnologias para adaptar gasodutos fósseis ao transporte de hidrogênio não estão atualmente desenvolvidas em larga escala, nem são tão fáceis de aplicar como a indústria sugere. Inclusive, as propriedades físico-químicas do hidrogênio implicam um maior risco de fugas, com consequentes graves repercussões no clima (o hidrogênio é um gás de efeito estufa indireto).
  5. Se o H2med for incluído na lista de PIC, poderá ser submetido a controles ambientais menos rigorosos e ficar isento de avaliações abrangentes de impacto ambiental. Este último é especialmente relevante se levarmos em conta que o H2med-BarMar atravessará o Golfo do Leão, um dos ecossistemas com maior índice de biodiversidade do Mediterrâneo.
  6. O financiamento público que este projecto receberia será em detrimento de outras medidas cuja eficácia já foi demonstrada, como a aposta em projetos renováveis ​​com participação cidadã, autoconsumo, comunidades energéticas e/ou melhorias na eficiência energética de casas.

Sobre hidrogênio limpo e hidrogênio sujo

 

O hidrogênio sujo (eufemisticamente denominado hidrogênio cinza ou marrom) utiliza um combustível fóssil como matéria-prima: gás ou carvão (de acordo com a Agência Internacional de Energia, IEA, 6% do gás mundial e 4% do carvão são utilizados como matéria-prima para produzir hidrogênio).

Seu processo de fabricação emite gases de efeito estufa. Segundo dados da IEA, (1) a procura global de hidrogênio, em 2018, foi de quase 75 milhões de toneladas e (2) a produção de hidrogênio é responsável pela emissão de cerca de 830 milhões de toneladas de CO2 por ano, o equivalente às emissões do Reino Unido e da Indonésia. Por outras palavras, sai dez vezes mais emissões (830 milhões de toneladas) do processo de produção de hidrogênio do que hidrogênio de fato (75).

O hidrogênio verde, porém, é aquele que utiliza água (H2O) como matéria-prima. Em seu processo de fabricação, a máquina que o produz (o eletrolisador, que utiliza eletricidade para separar o hidrogênio do oxigênio) não emite nada além de oxigênio como “resíduo” (para que o processo seja completamente limpo, a eletricidade também deve ser de origem natural/origem renovável). Pois bem, sobre este ponto, há pouco tempo o Governo espanhol apresentou o “Roteiro do Hidrogênio: um compromisso com o hidrogênio renovável”, um documento, de mais de 50 páginas, que sustenta que o hidrogênio será “chave” para a Espanha alcançar a neutralidade climática, “com um sistema elétrico 100% renovável, o mais tardar em 2050.” O Executivo reconhece, de todo modo, que a produção e aplicação de hidrogênio renovável em Espanha não será totalmente competitiva até 2030.

Acesse aqui a carta-manifesto.

Signatários (em ordem alfabética)

Organizações

Amigos de la Tierra
Arayara.org Europe
Aseed Europe
Association PierreDomachal (Vallée du Rhône, Francia)
Bond Beter Leefmilieu
Campagna Nazionale Per il Clima Fuori dal Fossile
Climáximo
Colectivo Burbuja
Comité Cidadán de Emerxencia -CCE- (Ría de Ferrol)
Coesus – Coalition
Corporate Europe Observatory
Counter Balance
Ecodes
Ecologistas en Acción
Eco-Union
Emergenzaclimatica.it
End Fossil BCN
Environmental Association “Za Zemiata” – Friends of the Earth Bulgaria
European Environmental Bureau (EEB)
Food & Water Action Europe
Forum Ambientalista
Friends of the Earth Malta
Friends of the Earth Europe
Fridays for Future España – Juventud por el Clima
Fundación Renovables
Futuro en Común
Global Witness
Greenpeace
Ingeniería Sin Fronteras
Instituto Internacional de Derecho y Medio Ambiente (IDMA)
Les Amis de la Terre France
Movimento No TAP/SNAM della Provincia di Brindisi
Observatorio de la Deuda en la Globalización (ODG)
Plataforma por un Nuevo Modelo Energético
ReCommon
Red Gas No Es Solución
Rete Norigass No GNL (Italy)
Association Workshop for All Beings
Notre Affaire A Tous
Stowarzyszenie Ekologiczne Eko-Unia, Poland
WeSmellGas
Xarxa per la sobirania energètica (Xse)
Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, Portugal

Políticos/asJúlia Boada, diputada de En Comú Podem (GP Plurinacional Sumar)
David Cormand, Member of the European Parliament (Greens/European Free Alliance)
Rosa D’Amato, Membro del Parlamento Europeo (Greens/EFA)
Francisco Guerreiro, Member of the European Parliament (Portuguese independent – Greens/EFA)
Manu Pineda. Member of the European Parliament (IU/PCE – The Left)
Sira Rego. Member of the European Parliament (IU – The Left), Federal spokesperson for IU.
Michèle Rivasi, Member of the European Parliament (Greens/EFA)
Caroline Roose, Member of the European Parliament (Greens/EFA)
Marie Toussaint, Member of the European Parliament (Greens/EFA)
Miguel Urbán Crespo. Member of the European Parliament (Anticapitalistas – The Left)

Partidos
Anticapitalistas
Izquierda Unida
Verdes Equo

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Os muras de Sissaíma, uma pequena terra indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, estão cercados por fazendas e búfalos.

O fogo está incorporado à rotina nessas propriedades, e os indígenas convivem com ondas volumosas de fumaça na seca amazônica, apesar de garantirem a existência de uma ilha verde em meio aos descampados rurais. Os búfalos criados pelos fazendeiros, dependentes da água, contaminam rios e lagos e impedem a procriação de peixes.

Os indígenas ainda enfrentam o cerco de madeireiros ilegais e o avanço do comércio de drogas em comunidades vizinhas. Em Sissaíma, onde vivem 32 famílias, a maioria é evangélica. A religião é vista pelas lideranças como um contraponto às drogas. Num sábado de junho, a aldeia recebeu convidados de outras comunidades do rio Mutuca para a inauguração de um centro cultural. Os bois levados pelos convidados viraram churrasco. No palco, uma banda tocou músicas gospel em ritmo de forró.

Entre os muras de Sissaíma, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo em um bloco situado a menos de um quilômetro do território. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental. “Em 2017, uma pessoa do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] falou que existe um bloco de petróleo a 700 metros daqui”, afirma o cacique do território, Ozeias Cordeiro, 43. “Desde então, nunca mais ouvi falar disso.”

O projeto ganhou contornos mais concretos a partir de dezembro de 2023, quando cinco blocos para exploração de óleo e gás na Amazônia foram ofertados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Os cinco blocos da Bacia de Amazonas impactam unidades de conservação e comunidades tradicionais, e algumas estão dentro das áreas dos blocos, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos.

No caminho do que pode ser uma nova fronteira de óleo e gás na Amazônia, caso as empresas que arremataram os blocos levem os projetos de prospecção adiante, estão seis terras indígenas e 11 unidades de conservação, conforme os laudos elaborados pelo MPF. A busca por combustível fóssil passa por áreas de proteção da região de Manaus onde está o encontro dos rios Negro e Solimões e onde vive uma espécie de macaco — o sauim-de-coleira — endêmica e ameaçada de extinção, segundo os laudos.

Os blocos AM-T-107 — o que está próximo a Sissaíma e a outras terras indígenas dos muras —, AM-T-133, AM-T-63 e AM-T-64 foram arrematados pela ATEM Participações. Em nota, a ATEM afirmou que o arremate das áreas foi precedido de diagnóstico socioambiental e que existe manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. “A ATEM cumpriu rigorosamente com todos os requisitos estabelecidos pelo edital de licitações e reafirma seu comprometimento com o cumprimento das leis e das decisões judiciais, em respeito ao meio ambiente, às populações tradicionais e ao desenvolvimento econômico da região”, disse.

A área de acumulação marginal Japiim — um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo — foi arrematada por consórcio formado por Eneva, empresa que já detém o maior empreendimento privado de óleo e gás na Amazônia, na região de Silves (AM), e ATEM Participações. Segundo a Eneva, o contrato de concessão de Japiim não foi assinado.

Em 14 de junho deste ano, em decisão liminar, a Justiça Federal no Amazonas determinou que a ANP e a União deixem de assinar os contratos referentes ao leilão feito em dezembro, enquanto não houver consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais que possam ser impactados. A ANP afirmou, em nota, que cumpre decisões judiciais e que os contratos não foram assinados. A agência recorreu contra a liminar. “Os blocos não incidiriam ou interfeririam em terras indígenas e unidades de conservação”, disse.

No caso do AM-T-133, a área onde está o território reivindicado pelos maraguás deve ser excluída de dentro do bloco, conforme a liminar. Esses indígenas estão em aldeias nos rios Abacaxi e Paraconi, na região de Nova Olinda do Norte (AM), e vivem um histórico processo de marginalização, enquanto tentam a demarcação do território.

A decisão cita um argumento do MPF para que um bloco não fosse levado a leilão: o edital não especificava se “estariam ou não contempladas as atividades de exploração e produção com recursos não convencionais (especificamente por meio da técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como ‘fracking’)”. O “fracking” é uma técnica polêmica que objetiva potencializar a exploração de gás natural. Consiste na injeção de fluidos pressurizados num poço, em volumes acima de 3.000 m³, com objetivo de gerar fraturas em rochas de baixa permeabilidade, garantindo a recuperação dos hidrocarbonetos.

A técnica é bastante criticada em razão dos riscos de contaminação de recursos hídricos superficiais e de aquíferos, ocupação de grandes espaços para perfuração de múltiplos poços, grande consumo de água e uso de substâncias químicas, como cita um dos laudos do MPF usados na ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas. Está também associada à liberação de metano na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa.

As empresas que atuam com gás e petróleo no Brasil costumam negar o uso clássico da prática. Em agosto de 2023, numa reunião na Procuradoria da República no Amazonas, representantes da Eneva foram questionados sobre intenção da empresa de adotar a prática para a exploração de gás. Segundo um dos representantes, “existem poços horizontais que às vezes se faz ‘fracking’ (fratura) na vertical”. “Contudo, isso tem implicações diferentes da [prática na] Argentina (região de Vaca Muerta), por exemplo”, afirmou, conforme a transcrição da reunião.

Ainda conforme o representante da empresa, “no momento” não há intenção de prática de “fracking” nos moldes mais danosos. “A Eneva não pratica ‘fracking’ em nenhum de seus ativos”, disse a empresa, em nota. “A frase em questão [sobre o ‘fracking’ na vertical] foi tirada do contexto.” O diretor de exploração da empresa, Frederico Miranda, afirmou que a técnica não é utilizada em nenhum dos ativos e das bacias da Eneva, “nem vislumbramos utilizar”. “Toda nossa produção de gás natural é oriunda de poços convencionais.”

A ANP disse que, de fato, o edital do leilão feito em dezembro não especificou uma proibição da técnica, “o que não equivale a uma autorização para sua utilização, que deverá ser precedida de autorização dos órgãos ambientais estaduais e aprovação específica da ANP”. Em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério de Minas e Energia lançou um edital para “realização experimental e monitorada” de atividade de perfuração e fraturamento hidráulico. A Eneva foi uma das poucas empresas que fizeram colaborações, em consulta pública, para o edital.

“A Eneva valoriza a realização experimental e monitorada das atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em reservatórios não-convencionais de baixa permeabilidade”, afirmou a Eneva em ofício ao ministério, em abril de 2022. Segundo o diretor da empresa, “pesquisa é diferente de exploração”. Independentemente da técnica utilizada, o futuro do óleo e do gás na Amazônia repete o passado, especialmente as sucessivas ações da Petrobras — antes, durante e depois da ditadura militar — para perfuração de poços e tentativa de acesso ao combustível fóssil.

Na terra Sissaíma, quem tem mais de 40 anos de idade lembra da ofensiva por petróleo na região. “Quando eu era curumim [criança], a Petrobras andava por aqui detonando dinamites. Eles faziam estradas e abriam clareiras. Meu pai trazia restos de explosivos, a gente brincava com isso”, diz Ozeias, o cacique do território.

Manoel Francisco Cordeiro, 70, pai de Ozeias, afirma que os operários trocavam comida enlatada por peixe e caça. E sinalizavam com “fitas vermelhas para a gente ver” os perímetros demarcados para a busca por petróleo. “Eles detonavam as bombas dentro da água. Aquilo matava muito peixe. Diziam estar procurando petróleo.”

Na Vila Izabel, uma pequena comunidade com 21 famílias muras e mundurukus e que está no caminho para o campo de Japiim, os indígenas apontam estruturas próximas que indicam uma tentativa de exploração de petróleo na região. A cidade mais próxima é Itapiranga (AM), região onde a Eneva expande a exploração de gás e óleo.

“Num terreno que comprei, tem uma placa de ferro antiga indicando um poço”, diz Clara Aldecira, 33, cacica da Vila Izabel.

Irmão de Clara, Manoel Matos, 40, conhece o exato lugar onde há uma estrutura, semelhante a uma válvula, que indica uma prospecção passada por óleo. “Mandaram plantar capim aqui. É porque alguma coisa de bom e valioso tem nesse poço”, afirma.

Até agora, a comunidade não foi procurada pela Eneva ou pela ATEM para uma conversa sobre intenções de exploração de óleo e gás no campo de Japiim. “Nas audiências que eles fizeram [sobre o empreendimento que já existe, no campo de Azulão], eles disseram que não existem indígenas em Itapiranga”, diz Clara.

Na comunidade do Lago do Catalão, próxima de Manaus e do encontro entre os rios Negro e Solimões, o agricultor Elber Figueiredo, 77, relembra o período em que trabalhou para empresas terceirizadas da Petrobras, na busca por petróleo na amazônia. Isso ocorreu entre as décadas de 70 e 80.

“A empresa prospectava e fazia um poço. Quando furava, estava vazio, sem petróleo”, diz Elber. Ele é marido de Raimunda Viana, 62, presidente da Associação Comunitária e Agrícola do Lago do Catalão. Ela afirma nunca ter ouvido falar sobre projetos de óleo e gás na região. “Espero que não venham mexer com a gente.”
Catalão tem 112 casas, todas elas flutuantes, com as famílias vivendo no ritmo do rio Negro. A comunidade está no caminho de um dos blocos leiloados em dezembro, conforme laudos usados pelo MPF.

A preocupação de Raimunda e de outros moradores da comunidade é fazer prosperar a roça de mandioca plantada em um terreno de uma ilha vizinha, que segue sem inundação após a seca extrema de 2023.

“Plantamos mandioca e queremos plantar melancia”, diz Alcilene Pontes, 63, que trabalha na roça com Raimunda.

A prospecção de petróleo, mesmo que não resulte em exploração efetiva, tem efeitos danosos, por envolver várias perfurações e a retirada de óleo para quantificação, afirma Juliano Bueno, diretor do instituto Arayara, uma ONG (organização não-governamental) que atua contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis. “As empresas estão cientes dos impactos dessa exploração na amazônia, mas insistem em modelos predatórios”, diz Bueno.

Segundo ele, a concessão dos novos blocos pode desencadear um processo de grilagem de terras associada à expectativa pelo petróleo. “Grileiros viram ‘donos’ da terra compreendida nos blocos para vender à empresa que ganhou o leilão e que é dona do subsolo.”

Em meio a prospecções diversas feitas na floresta nas décadas passadas, como na região do médio rio Solimões ou no Vale do Javari, uma vingou. A Petrobras explora petróleo há mais de 30 anos na província petrolífera de Urucu, no meio da floresta, em Coari (AM). É a mais antiga iniciativa de exploração de combustível fóssil, ainda em curso, na amazônia.

Com novas concessões feitas, a aposta em petróleo e gás pode repetir o passado. O Lago do Rei, em Careiro da Várzea, está no caminho de um dos blocos arrematados, segundo os laudos do MPF. Existe um conjunto de 62 lagos na região, com diversas comunidades de pescadores, como a Cristo Rei, onde vivem 83 famílias. Ali, ninguém está pensando em petróleo. O que os pescadores querem é contornar os efeitos das secas severas dos últimos anos, seguir em busca de curimatã e pacu, aproveitar ao máximo a tradicional pesca controlada do mapará em março e viabilizar o manejo de caça de jacaré.

Fonte: FOLHAPRESS

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Novos blocos buscam turbinar óleo e gás em territórios tradicionais, sob temor de fracking

Técnica de fraturamento hidráulico leva risco a aquíferos, e não há clareza sobre intenção de empresas em adotar a prática nas novas frentes de combustíveis fósseis

Os muras de Sissaíma, uma pequena terra indígena à espera de demarcação na região de Careiro da Várzea, no leste do Amazonas, estão cercados por fazendas e búfalos.

O fogo está incorporado à rotina nessas propriedades, e os indígenas convivem com ondas volumosas de fumaça na seca amazônica, apesar de garantirem a existência de uma ilha verde em meio aos descampados rurais. Os búfalos criados pelos fazendeiros, dependentes da água, contaminam rios e lagos e impedem a procriação de peixes.

Os indígenas ainda enfrentam o cerco de madeireiros ilegais e o avanço do comércio de drogas em comunidades vizinhas.

Em Sissaíma, onde vivem 32 famílias, a maioria é evangélica. A religião é vista pelas lideranças como um contraponto às drogas.

Num sábado de junho, a aldeia recebeu convidados de outras comunidades do rio Mutuca para a inauguração de um centro cultural. Os bois levados pelos convidados viraram churrasco. No palco, uma banda tocou músicas gospel em ritmo de forró.

Criancas da Terra Indigena Sissaima brincam no rio Mutuca. A comunidade esta localizada na area de um bloco arrematado para a exploração de petróleo e gás.

 

Entre os muras de Sissaíma, praticamente ninguém sabe da existência de um projeto de exploração de petróleo em um bloco situado a menos de um quilômetro do território. Se o projeto sair do papel, será a nova frente de embate dos quase 200 indígenas que vivem nesse ponto da Amazônia ocidental.

“Em 2017, uma pessoa do Cimi [Conselho Indigenista Missionário] falou que existe um bloco de petróleo a 700 metros daqui”, afirma o cacique do território, Ozeias Cordeiro, 43. “Desde então, nunca mais ouvi falar disso.”

O projeto ganhou contornos mais concretos a partir de dezembro de 2023, quando cinco blocos para exploração de óleo e gás na Amazônia foram ofertados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Os cinco blocos da Bacia de Amazonas impactam unidades de conservação e comunidades tradicionais, e algumas estão dentro das áreas dos blocos, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em laudos de perícia e em ação civil pública que pede que a Justiça Federal no Amazonas anule a concessão dos blocos.

No caminho do que pode ser uma nova fronteira de óleo e gás na amazônia, caso as empresas que arremataram os blocos levem os projetos de prospecção adiante, estão seis terras indígenas e 11 unidades de conservação, conforme os laudos elaborados pelo MPF.

A busca por combustível fóssil passa por áreas de proteção da região de Manaus onde está o encontro dos rios Negro e Solimões e onde vive uma espécie de macaco –o sauim-de-coleira– endêmica e ameaçada de extinção, segundo os laudos.

Os blocos AM-T-107 –o que está próximo a Sissaíma e a outras terras indígenas dos muras–, AM-T-133, AM-T-63 e AM-T-64 foram arrematados pela ATEM Participações.

Em nota, a ATEM afirmou que o arremate das áreas foi precedido de diagnóstico socioambiental e que existe manifestação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente.

“A ATEM cumpriu rigorosamente com todos os requisitos estabelecidos pelo edital de licitações e reafirma seu comprometimento com o cumprimento das leis e das decisões judiciais, em respeito ao meio ambiente, às populações tradicionais e ao desenvolvimento econômico da região”, disse.

A área de acumulação marginal Japiim –um campo com prospecção passada e com potencial de existência de petróleo– foi arrematada por consórcio formado por Eneva, empresa que já detém o maior empreendimento privado de óleo e gás na amazônia, na região de Silves (AM), e ATEM Participações. Segundo a Eneva, o contrato de concessão de Japiim não foi assinado.

Em 14 de junho deste ano, em decisão liminar, a Justiça Federal no Amazonas determinou que a ANP e a União deixem de assinar os contratos referentes ao leilão feito em dezembro, enquanto não houver consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais que possam ser impactados.

A ANP afirmou, em nota, que cumpre decisões judiciais e que os contratos não foram assinados. A agência recorreu contra a liminar. “Os blocos não incidiriam ou interfeririam em terras indígenas e unidades de conservação”, disse.

No caso do AM-T-133, a área onde está o território reivindicado pelos maraguás deve ser excluída de dentro do bloco, conforme a liminar. Esses indígenas estão em aldeias nos rios Abacaxi e Paraconi, na região de Nova Olinda do Norte (AM), e vivem um histórico processo de marginalização, enquanto tentam a demarcação do território.

A decisão cita um argumento do MPF para que um bloco não fosse levado a leilão: o edital não especificava se “estariam ou não contempladas as atividades de exploração e produção com recursos não convencionais (especificamente por meio da técnica de fraturamento hidráulico, conhecida como ‘fracking’)”.

O “fracking” é uma técnica polêmica que objetiva potencializar a exploração de gás natural. Consiste na injeção de fluidos pressurizados num poço, em volumes acima de 3.000 m3, com objetivo de gerar fraturas em rochas de baixa permeabilidade, garantindo a recuperação dos hidrocarbonetos.

A técnica é bastante criticada em razão dos riscos de contaminação de recursos hídricos superficiais e de aquíferos, ocupação de grandes espaços para perfuração de múltiplos poços, grande consumo de água e uso de substâncias químicas, como cita um dos laudos do MPF usados na ação civil pública movida na Justiça Federal no Amazonas. Está também associada à liberação de metano na atmosfera, um dos principais gases de efeito estufa.

As empresas que atuam com gás e petróleo no Brasil costumam negar o uso clássico da prática. Em agosto de 2023, numa reunião na Procuradoria da República no Amazonas, representantes da Eneva foram questionados sobre intenção da empresa de adotar a prática para a exploração de gás.

Segundo um dos representantes, “existem poços horizontais que às vezes se faz ‘fracking’ (fratura) na vertical”. “Contudo, isso tem implicações diferentes da [prática na] Argentina (região de Vaca Muerta), por exemplo”, afirmou, conforme a transcrição da reunião.

Ainda conforme o representante da empresa, “no momento” não há intenção de prática de “fracking” nos moldes mais danosos.

“A Eneva não pratica ‘fracking’ em nenhum de seus ativos”, disse a empresa, em nota. “A frase em questão [sobre o ‘fracking’ na vertical] foi tirada do contexto.”

O diretor de exploração da empresa, Frederico Miranda, afirmou que a técnica não é utilizada em nenhum dos ativos e das bacias da Eneva, “nem vislumbramos utilizar”. “Toda nossa produção de gás natural é oriunda de poços convencionais.”

A ANP disse que, de fato, o edital do leilão feito em dezembro não especificou uma proibição da técnica, “o que não equivale a uma autorização para sua utilização, que deverá ser precedida de autorização dos órgãos ambientais estaduais e aprovação específica da ANP”.

Em 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério de Minas e Energia lançou um edital para “realização experimental e monitorada” de atividade de perfuração e fraturamento hidráulico. A Eneva foi uma das poucas empresas que fizeram colaborações, em consulta pública, para o edital.

“A Eneva valoriza a realização experimental e monitorada das atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em reservatórios não-convencionais de baixa permeabilidade”, afirmou a Eneva em ofício ao ministério, em abril de 2022.

Segundo o diretor da empresa, “pesquisa é diferente de exploração”.

Independentemente da técnica utilizada, o futuro do óleo e do gás na amazônia repete o passado, especialmente as sucessivas ações da Petrobras –antes, durante e depois da ditadura militar– para perfuração de poços e tentativa de acesso ao combustível fóssil.

Na terra Sissaíma, quem tem mais de 40 anos de idade lembra da ofensiva por petróleo na região.

“Quando eu era curumim [criança], a Petrobras andava por aqui detonando dinamites. Eles faziam estradas e abriam clareiras. Meu pai trazia restos de explosivos, a gente brincava com isso”, diz Ozeias, o cacique do território.

Manoel Francisco Cordeiro, 70, pai de Ozeias, afirma que os operários trocavam comida enlatada por peixe e caça. E sinalizavam com “fitas vermelhas para a gente ver” os perímetros demarcados para a busca por petróleo. “Eles detonavam as bombas dentro da água. Aquilo matava muito peixe. Diziam estar procurando petróleo.”

Na Vila Izabel, uma pequena comunidade com 21 famílias muras e mundurukus e que está no caminho para o campo de Japiim, os indígenas apontam estruturas próximas que indicam uma tentativa de exploração de petróleo na região. A cidade mais próxima é Itapiranga (AM), região onde a Eneva expande a exploração de gás e óleo.

“Num terreno que comprei, tem um uma placa de ferro antiga indicando um poço”, diz Clara Aldecira, 33, cacica da Vila Izabel.

Irmão de Clara, Manoel Matos, 40, conhece o exato lugar onde há uma estrutura, semelhante a uma válvula, que indica uma prospecção passada por óleo. “Mandaram plantar capim aqui. É porque alguma coisa de bom e valioso tem nesse poço”, afirma.

Até agora, a comunidade não foi procurada pela Eneva ou pela ATEM para uma conversa sobre intenções de exploração de óleo e gás no campo de Japiim. “Nas audiências que eles fizeram [sobre o empreendimento que já existe, no campo de Azulão], eles disseram que não existem indígenas em Itapiranga”, diz Clara.

Na comunidade do Lago do Catalão, próxima de Manaus e do encontro entre os rios Negro e Solimões, o agricultor Elber Figueiredo, 77, relembra o período em que trabalhou para empresas terceirizadas da Petrobras, na busca por petróleo na amazônia. Isso ocorreu entre as décadas de 70 e 80.

“A empresa prospectava e fazia um poço. Quando furava, estava vazio, sem petróleo”, diz Elber. Ele é marido de Raimunda Viana, 62, presidente da Associação Comunitária e Agrícola do Lago do Catalão. Ela afirma nunca ter ouvido falar sobre projetos de óleo e gás na região. “Espero que não venham mexer com a gente.”

Catalão tem 112 casas, todas elas flutuantes, com as famílias vivendo no ritmo do rio Negro. A comunidade está no caminho de um dos blocos leiloados em dezembro, conforme laudos usados pelo MPF.

A preocupação de Raimunda e de outros moradores da comunidade é fazer prosperar a roça de mandioca plantada em um terreno de uma ilha vizinha, que segue sem inundação após a seca extrema de 2023.

“Plantamos mandioca e queremos plantar melancia”, diz Alcilene Pontes, 63, que trabalha na roça com Raimunda.

A prospecção de petróleo, mesmo que não resulte em exploração efetiva, tem efeitos danosos, por envolver várias perfurações e a retirada de óleo para quantificação, afirma Juliano Bueno, diretor do instituto Arayara, uma ONG (organização não-governamental) que atua contra a expansão da exploração de combustíveis fósseis.”As empresas estão cientes dos impactos dessa exploração na amazônia, mas insistem em modelos predatórios”, diz Bueno.

 

Segundo ele, a concessão dos novos blocos pode desencadear um processo de grilagem de terras associada à expectativa pelo petróleo. “Grileiros viram ‘donos’ da terra compreendida nos blocos para vender à empresa que ganhou o leilão e que é dona do subsolo.”

Em meio a prospecções diversas feitas na floresta nas décadas passadas, como na região do médio rio Solimões ou no Vale do Javari, uma vingou. A Petrobras explora petróleo há mais de 30 anos na província petrolífera de Urucu, no meio da floresta, em Coari (AM). É a mais antiga iniciativa de exploração de combustível fóssil, ainda em curso, na amazônia.

Com novas concessões feitas, a aposta em petróleo e gás pode repetir o passado. O Lago do Rei, em Careiro da Várzea, está no caminho de um dos blocos arrematados, segundo os laudos do MPF.

Existe um conjunto de 62 lagos na região, com diversas comunidades de pescadores, como a Cristo Rei, onde vivem 83 famílias.

Ali, ninguém está pensando em petróleo. O que os pescadores querem é contornar os efeitos das secas severas dos últimos anos, seguir em busca de curimatã e pacu, aproveitar ao máximo a tradicional pesca controlada do mapará em março e viabilizar o manejo de caça de jacaré.

Fonte: Folha de São Paulo

Pesquisa internacional aponta pane em ciclo hídrico global

Pesquisa internacional aponta pane em ciclo hídrico global

Desde o início do século 20, o padrão de chuva no mundo está cada vez mais imprevisível, com aumento de secas ou tempestades extremas. Aumento na variabilidade da precipitação coloca em risco os ecossistemas e a existência humana

Precipitação de Cumulonimbus arcus sobre Zhuhai, China - (crédito: GAO Si)
Precipitação de Cumulonimbus arcus sobre Zhuhai, China – (crédito: GAO Si)

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Academia Chinesa de Ciências (Ucas) e do Met Office, no Reino Unido, revelou que a variabilidade diária da precipitação global cresceu 1,2% por década desde 1900. As análises mostraram que, atualmente, mais de 75% das áreas terrestres sofreram com esse aumento. Os impactos foram mais acentuados na Europa, Austrália e leste da América do Norte.

A variabilidade da precipitação se refere à irregularidade temporal e na quantidade de chuva. Isso resulta em períodos de seca mais prolongados e intensos e tempestades torrenciais mais frequentes.

Zhang Wenxia, autor principal do estudo, detalhou que a atmosfera mais quente e úmida devido às emissões de gases de efeito estufa está provocando eventos de chuva mais fortes e flutuações mais drásticas entre períodos secos e úmidos. Isso torna a previsão e a gestão das águas pluviais cada vez mais complexas e desafiadoras.

Desmatamento

Marcelo Seluchi, especialista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), sublinha que a mudança do uso do solo é um problema. “Desmatar para produzir modifica o solo e o balanço da umidade. Se troca floresta por pastagem, diminui a evaporação do solo, que é muito importante para provocar chuva, especialmente em países muito grandes, como o Brasil. Se é uma área costeira, o oceano tem grande influência, mas, por exemplo, a região Centro-Oeste está muito longe da água, então essas áreas dependem bastante da umidade evaporada pelas florestas.”

Além da variabilidade da precipitação, a segurança hídrica global enfrenta novos desafios. Uma pesquisa da Universidade de Estocolmo, publicada na Nature Water, destacou a importância de considerar a origem da umidade que gera a chuva ao avaliar o risco de escassez de água.

Tradicionalmente, a segurança hídrica tem sido avaliada com base na quantidade de água armazenada em aquíferos, lagos e rios. No entanto, o novo estudo revela que os riscos são significativamente maiores ao considerar a umidade a favor do vento — aquela evaporada de outras áreas, que contribui para a precipitação.

Demanda

Os cientistas estudaram 379 grandes áreas hídricas ao redor do mundo e descobriram que a demanda por água, que chega a 32,9 mil quilômetros cúbicos por ano, está ainda mais ameaçada do que se pensava. O risco de o recurso faltar é de quase 50% maior do que o calculado usando métodos tradicionais que só consideram a área acima das bacias.

A pesquisa também destaca a influência da governança e das mudanças no uso da terra nas áreas a favor do vento. Se o desmatamento e o desenvolvimento agrícola forem predominantes em regiões onde a umidade evapora, a quantidade de precipitação pode diminuir, aumentando os riscos à segurança hídrica.

Conforme José Marín, doutor pela Universidade de Estocolmo e principal autor do estudo, os impactos das mudanças no uso da terra na disponibilidade de água em áreas a jusante dependem das transições de uso da terra e mudanças na evaporação. “Por exemplo, a substituição de florestas por pastagens reduz tanto a evaporação quanto a disponibilidade de água em áreas desmatadas e a favor do vento, respectivamente. Por outro lado, a conversão de terra seca em terras de cultivo irrigadas aumenta a evaporação e a disponibilidade de água”, afirmou, ao Correio.

Integração

O artigo reforça ainda a interdependência entre países e a importância de uma gestão integrada dos recursos. Como exemplo, existe a bacia do Rio Congo, na África, que enfrenta riscos consideráveis devido à falta de regulamentação ambiental e desmatamento em países vizinhos.

Além disso, as secas prolongadas são consideradas um grande desafio. Ao contrário de desastres naturais repentinos, como terremotos ou furacões, elas se desenvolvem lentamente, o que as torna mais difíceis de gerenciar.

A conscientização global sobre o problema tem aumentado, em parte devido ao acesso à informação pela internet. No entanto, conforme aponta um estudo recente, divulgado na revista Clean Water, há uma grande disparidade na capacidade de resposta entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nações com alta renda per capita têm mais recursos para gerenciar os impactos da seca, enquanto aqueles com menos infraestrutura enfrentam maiores dificuldades.

Ao Correio, Jonghun Kam, coautor do estudo e cientista da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pohang, na Coreia do Sul, ressaltou que muitas nações não estão prontas para uma seca severa. “Esses países precisam de ajudas e doações internacionais. As descobertas do nosso estudo sobre análise multidimensional da conscientização global sobre a seca dão ideias sobre como construir um roteiro eficiente e eficaz para ajudas e doações internacionais para os países que têm lutado contra secas.”

Três perguntas para…

Juliano Bueno

Juliano Bueno de Araujo, diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, acredita que a população não compreende a crise hídrica iminente(foto: Arquivo cedido) 

Estudos mostram que os padrões pluviométricos estão se alterando no mundo todo. Qual a situação do Brasil nesse cenário?

Diversos estudos têm demonstrado que o aumento da temperatura média do planeta causa uma intensificação do ciclo hidrológico, o que poderá ocasionar mudanças nos regimes das chuvas, como o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, alterando fortemente a disponibilidade hídrica de uma região e a qualidade de vida da população. A análise da tendência de séries históricas de precipitação pluviométrica é uma das maneiras de se inferir a ocorrência de mudança climática brasileira. Já estamos convivendo com extremos climáticos. Houve três enchentes no Rio Grande do Sul em 18 meses, vemos agora regiões com mais de 100 dias sem chuvas, com queimadas, fumaça tóxica e devastação de territórios que equivalem ao tamanho de Portugal incinerado em semanas.

É possível reverter a situação atual?

É possível e necessário, para mantermos nossa existência da forma que conhecemos hoje. A restauração ecológica inclui mecanismos como a recuperação acelerada de áreas e biomas degradados e a transição energética, que reduzirá pela metade as emissões de gases de efeito estufa. Temos como exemplo Brasília, que está há mais de 130 dias sem chuvas e teve episódios de 7% de umidade do ar, pior que o deserto do Saara. Essa conjuntura mostra que temos que agir, e isso não deve ser protelado, pois pontos de não retorno de biomas e regiões podem nos colocar em circunstâncias ainda piores. Portanto, devemos associar novas políticas públicas e ações do setor privado e da sociedade para agir em prol de um objetivo principal: manter nossa existência e a dos biomas.

A população compreende a crise hídrica iminente?

Infelizmente, acredito que não. Sou conselheiro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e cientista em riscos e emergências ambientais. O que assisto é um conjunto de desinformações e pessoas acreditarem que estamos com a mesma abundância de água que o Brasil tinha 30 anos atrás. Nesse curto período, eliminamos 7,5% de todos nossos recursos hídricos — isso é o equivalente ao que a França tem de água. As projeções não são boas, o que significará o encarecimento da água, de alimentos e de todas as atividades que demandam esse elemento central na vida humana.