A crise climática não é apenas ambiental, é uma crise de direitos humanos, e o seu impacto recai de forma desproporcional sobre populações negras, periféricas e de baixa renda. Essa foi a tese central do debate “Racismo Ambiental e os Impactos Locais de Grandes Eventos: O Caso de Belém e a Justiça Climática Territorial”, promovido pela Anistia Internacional Brasil no ARAYARA Amazon Climate Hub.
O painel trouxe o caso de Belém, cidade-sede da COP30, para discutir como obras e projetos de grande porte, como a Conferência, podem agravar violações territoriais e o racismo estrutural.
Crise Climática é Crise Racial
Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional e enviada especial para a Igualdade Racial e Periferias na COP30, abriu o debate destacando a urgência de agir.
“Os problemas que já existiam se tornam mais agudos diante da crise climática, o ciclo de injustiças e violações se intensifica,” afirmou. “Se a crise climática é uma emergência, a resposta de direitos tem que ser emergencial também.”
Ygor Sarmanho, também da Anistia Internacional, reforçou que o Pará é o estado que mais mata defensores no país e enfrenta conflitos territoriais históricos. Ele sublinhou que a exploração de combustíveis fósseis é a base dessas violações, gerando “zonas de sacrifício” onde as populações afetadas são, majoritariamente, negras – um retrato do racismo ambiental.
A fala de Jurema ecoou um chamado à ação: “O legado da COP30 tem que ser um legado de desobediência e insurgência. De não aceitar aquilo que já está posto. Desobedecer a regra do jogo.”
Urbanismo Excludente e a Escolha Política da Precariedade
O debate aprofundou como o racismo estrutural se manifesta no desenho do território urbano. Dra. Luciana Albuquerque, da Defensoria e Clínica Multiversidades, ressaltou que os efeitos da crise climática são sentidos de formas extremas nas periferias, onde a temperatura pode ser até 10 graus mais alta que nos centros.
“O urbanismo clássico que foi adotado no Brasil empurra para as periferias de forma higienista, para não ‘poluir’ a paisagem urbana,” disse a Doutora.
Essa exclusão histórica, descendente de um racismo estrutural, impede o acesso formal à terra para a população racializada e de baixa renda, empurrando-as para territórios ambientalmente mais vulneráveis. Dra. Luciana enfatizou que é preciso um olhar multiprofissional para a assistência técnica e uma construção coletiva com a comunidade, valorizando os saberes tradicionais no manejo da terra.
Dr. Adrião Oliveira, do Núcleo de Direito à Moradia da Defensoria Pública, trouxe dados de Belém: 57% da população vive em situação de irregularidade fundiária, caracterizando uma “escolha política” que é legitimada por um contexto judicial segregador.
Obras da COP30: Um Exemplo de Racismo Ambiental
Os participantes citaram projetos urbanos recentes para ilustrar o racismo ambiental na cidade. Dr. Adrião criticou obras realizadas próximas à Vila da Barca:
“Na Vila da Barca fizeram uma doca para os ricos, investiram milhões, e o tratamento do esgoto foi colocado ao lado da Vila da Barca, sendo que a Vila não recebe tratamento. Isso caracteriza o racismo ambiental.”
Outro exemplo foi a construção da Rodovia da Liberdade, que envolveu desmatamento e afetou um quilombo vizinho sem consulta prévia. Dra. Luciana complementou, destacando a falha do sistema de licenciamento:
“Não existe licenciamento social, apenas ambiental. No licenciamento dessa obra, não constava nada pensando nas comunidades, então a vida dessas populações não importa para o estado, e isso é um traço do racismo ambiental.”
O legado da COP30, segundo os especialistas, deve ser o reconhecimento da resistência nas periferias, a regularização fundiária e a garantia de que as populações da Amazônia deixem de ser tratadas como objeto em projetos de “desenvolvimento”.
Foto: Odaraê Filmes














