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Audiência pública na Câmara escancara retrocessos do PL da Devastação e expõe impasses entre órgãos ambientais

A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados realizou, nesta quinta-feira (10), uma audiência pública para debater os impactos do Projeto de Lei 2159/2021, que reformula o licenciamento ambiental no Brasil. A proposta foi duramente criticada por representantes do Ministério Público Federal, IBAMA, organizações da sociedade civil, municípios e comunidades tradicionais, que apontaram graves retrocessos socioambientais e riscos à constitucionalidade do texto.

Durante os debates, foram destacados pontos do PL que enfraquecem a governança ambiental no país, excluem instrumentos de participação social e comprometem a integridade de territórios protegidos, como unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas.

Foto: Renata Sembay/ARAYARA.org

Órgãos federais e municipais apontam riscos sistêmicos

O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, alertou para a desarticulação que o PL pode gerar entre as políticas ambientais federais, estaduais e municipais. Segundo ele, a proposta transfere competências dos conselhos para órgãos executivos, o que compromete a coerência do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Capobianco também afirmou que o diálogo com estados e municípios segue em andamento para buscar correções ao texto.

Andrea Strukel, diretora jurídica da ANAMMA (Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente), enfatizou que os municípios estão sendo excluídos do processo decisório. Segundo ela, o licenciamento é um filtro fundamental para o que acontece “na rua, no bairro e na cidade”, e a não inclusão dos conselhos municipais compromete a leitura comunitária do processo. Strukel ainda classificou o artigo 16 do PL como uma “pena de morte para os gestores municipais”.

Já o procurador do MPF-DF, Daniel César Avelino, destacou que o argumento da modernização do licenciamento não pode atropelar os direitos das pessoas. Ele lembrou os casos de Mariana e Brumadinho e apontou que a exclusão de responsabilidades socioambientais das instituições financeiras no processo de licenciamento ambiental representa um grave retrocesso em políticas socioambientais que vêm sendo construídas desde a Rio 92.

IBAMA questiona qualidade dos estudos e alerta sobre falta de estrutura

Representando o IBAMA, Rodrigo Agostinho apontou que o maior entrave ao licenciamento ambiental no Brasil não está nas exigências legais, mas sim na baixa qualidade dos estudos apresentados por muitos empreendedores. Segundo ele, a maioria dos projetos parados são devolvidos por falhas técnicas. Almeida também criticou a ampliação do uso da LAC (Licença por Adesão e Compromisso) e lembrou que ela “não é uma licença, mas um cadastro”, e que não pode substituir a avaliação de impacto ambiental.

Foto: Renata Sembay/ARAYARA.org

Ele ainda alertou para os riscos de retirar dos municípios a prerrogativa de emitir certidões de uso do solo, o que pode permitir a instalação de empreendimentos em áreas que a gestão do município pode ter planejado para outro fim, ou, ainda, nem mesmo ter conhecimento de que há um processo de licenciamento em andamento.

Comunidades tradicionais repudiam exclusão e desrespeito à consulta prévia

Representando a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (PA), Miriane Coelho denunciou o desrespeito do texto legal à Convenção 169 da OIT ao condicionar a consulta prévia à titularização dos territórios. Para ela, esse tipo de lógica invisibiliza os povos e suas formas de organização, cultura e espiritualidade. “A espiritualidade não cabe nos estudos de impactos ambientais e a floresta em pé vale mais que qualquer empreendimento”, declarou.

ARAYARA reforça papel da litigância climática e cobra revisão integral do PL

O Instituto Internacional ARAYARA, que também participou da audiência como ouvinte e com cartazes contrários à aprovação do PL, reforça que o projeto representa um grave enfraquecimento da legislação ambiental brasileira. A organização destaca seu histórico de atuação em litigância climática e vitórias judiciais que impediram projetos altamente poluentes, como a Mina Guaíba (RS), usinas termelétricas e centenas de blocos de petróleo e gás.

Segundo Raíssa Felippe, mobilizadora da ARAYARA presente na audiência, a proposta ignora decisões já tomadas pelo STF, como a inconstitucionalidade do autolicenciamento, e ameaça desestruturar os mecanismos de prevenção de danos socioambientais. “Nosso trabalho é justamente questionar os estudos de impacto ambiental mal elaborados e proteger os direitos das populações ameaçadas por projetos de grande risco”, afirmou.

Votação iminente mobiliza atos em todo o país

A possível votação do PL 2159/2021 já na próxima semana gerou reações em diversas frentes da sociedade civil. Estão sendo organizados atos públicos em todo o Brasil, incluindo manifestações que ocorreram nesta quinta-feira (10), com o lema ”Congresso inimigo do povo”. Organizações ambientalistas, como o Instituto ARAYARA, também integram essas mobilizações e propõem a ampliação do slogan para ”Congresso inimigo do povo e da natureza”, reforçando o alerta sobre os danos irreversíveis que o PL pode causar ao meio ambiente e aos direitos coletivos.

Organizações cobram tempo e debate qualificado

Ao fim da audiência, organizações como o Instituto Ethos e o Observatório do Clima solicitaram o adiamento da votação do PL em pelo menos 90 dias, para garantir maior articulação entre os entes federativos e revisão técnica do texto. Suely Araújo, do Observatório do Clima, alertou que a proposta “implode a avaliação de impacto ambiental” e “fere o pacto federativo”, ao excluir os conselhos locais e restringir a atuação de órgãos como o IPHAN, ICMBio e FUNAI.

Próximos passos

A articulação entre Casa Civil, Ministério do Meio Ambiente e lideranças parlamentares está em curso para tentar reduzir os danos do texto. Contudo, organizações socioambientais alertam que, da forma como está, o PL 2159/2021 legaliza a desproteção ambiental e social, e deve ser integralmente revisto ou rejeitado.

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