O Senado aprovou em maio deste ano por 54 votos a 13, o Projeto de Lei 2.159/2021, que institui a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA). A proposta, que estava em discussão no Congresso desde 2004, retornou à Câmara dos Deputados após receber alterações e ter sido aprovada na madrugada do dia 17 de julho.
Em coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira (8), o governo apresentou os vetos ao chamado PL da Devastação. Foram 63 vetos ao todo, que acompanharam a publicação da Lei 15.190, de 2025, em agosto — mês em que a Política Nacional do Meio Ambiente completa 44 anos. Entre as alterações mais polêmicas do chamado PL da Devastação — como foi apelidado pelo movimento ambientalista — está a criação da Licença Ambiental Especial (LAE). O dispositivo foi incluído por meio da Emenda nº 198, apresentada pelo senador Davi Alcolumbre em 21 de maio de 2025, e, segundo especialistas da ARAYARA, representa um grave retrocesso ambiental: fragiliza garantias constitucionais, retira atribuições de órgãos técnicos e abre caminho para interferência política direta nos processos de licenciamento ambiental no Brasil.
O texto aprovado permite que o governo federal, por meio de um conselho político, defina quais projetos serão considerados “prioritários e estratégicos” — sem a obrigatoriedade de levar em conta mudanças climáticas, assim como o contexto da emergência climática enfrentado no Brasil, ou as áreas de risco ou vulnerabilidade socioambiental. Nessas situações, o órgão ambiental terá no máximo um ano para emitir ou indeferir a licença ambiental para estes empreendimentos estratégicos, independentemente da complexidade da obra.
Juliano Bueno de Araújo, conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e diretor do Instituto Internacional ARAYARA, expressou profunda insatisfação com os poucos vetos do presidente Lula ao chamado PL da Devastação. Ele ressalta especialmente sua preocupação com a aprovação parcial da Licença Ambiental Especial (LAE), medida que, segundo Araújo, foi articulada pelo próprio governo, por meio do ministro Rui Costa, para facilitar a implantação de megaempreendimentos, como a exploração de petróleo na região da Foz dos Amazonas — fato amplamente divulgado pela imprensa do Senado Federal. Além disso, a LAE viabiliza projetos de exploração de urânio, grandes empreendimentos minerários e termelétricas, todos alinhados a interesses políticos e econômicos, inclusive do próprio governo.
Bueno lembra que Lula historicamente nunca aceitou negativas da ciência ou de órgãos técnicos quando o tema envolve a exploração de petróleo na Margem Equatorial e da costa amazônica.
Segundo Juliano Bueno, a sanção parcial da LAE representa uma capitulação ao lobby das petroleiras e grandes mineradoras, nacionais e estrangeiras. Isso ficou evidente especialmente em 2025, ano em que, no leilão do 5º Ciclo de Oferta Permanente de Concessões da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizado em 17 de junho, foram arrematados 34 blocos exploratórios localizados nas bacias do Parecis, Foz do Amazonas, Santos e Pelotas. Destes, 19 blocos foram negociados na bacia da Foz do Amazonas, onde o consórcio Chevron/CNPC se destacou ao adquirir nove blocos, superando a concorrência da Petrobras/ExxonMobil em sete deles, enquanto a Petrobras/ExxonMobil ficou com outros dez blocos na região.
Para John Wurdig, gerente de transição energética do Instituto Internacional ARAYARA, a LAE representa “uma mudança profunda e perigosa” no sistema de licenciamento brasileiro.
“Cria-se uma licença por pressão política, mesmo para empreendimentos com Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Isso desestrutura o processo e viola princípios básicos da administração pública”, denuncia.
MP de urgência regulamenta o mecanismo
“Embora o governo tenha vetado apenas o chamado licenciamento monofásico — modelo que concentraria todas as etapas do processo em uma única análise, substituindo as três fases tradicionais (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação) —, no mesmo dia editou e publicou uma Medida Provisória que regulamenta integralmente a LAE. A MP já entrou em vigor em regime de urgência, sem qualquer debate público”, pontua Wurdig.
O diretor da ARAYARA explica que a LAE foi incluída no projeto original pelo senador Davi Alcolumbre, em maio de 2025, e desde o início foi apresentada como um instrumento voltado para favorecer a exploração de petróleo na margem equatorial. “Pela primeira vez, o licenciamento ambiental será conduzido sob lógica puramente política”, afirma.
Bueno destaca que isso demonstra que o inciso IV do art. 225 da Constituição Federal é afrontado por razão da ausência de análise técnica exigida para empreendimentos que gerem significativa degradação ambiental, tais quais os projetos de energia em suas diversas modalidades, desde exploração e produção de petróleo à mineração.
Ele alerta que empreendimentos como a perfuração de poços na Foz do Amazonas poderão avançar sem estudos técnicos robustos ou consulta a comunidades tradicionais. “O texto é silencioso sobre mudanças climáticas, riscos ambientais e direitos de povos indígenas, o que viola inclusive a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, completa.
Impacto direto sobre a Amazônia e outros biomas
A aprovação ocorre apenas um mês após a ANP leiloar 47 blocos de petróleo, incluindo áreas na Bacia da Foz do Amazonas. Ambientalistas afirmam que a nova legislação cria um cenário “perfeito” para que empresas petroleiras recebam sinal verde em tempo recorde, sem participação social, e tão somente com base em critérios políticos, sem apreciação técnica, esvaziando-se a tutela de um bem difuso, coletivo e indisponível,.
Entre os casos preocupantes está a Usina Termelétrica Brasília (UTE Brasília), no Distrito Federal, altamente poluente e rejeitada por especialistas. Com a LAE, o empreendimento poderá ser autorizado em poucos meses.
“Essa térmica, sozinha, vai emitir 4,7 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano. Hoje conseguimos barrar projetos assim pelo licenciamento, tendo em vista os inúmeros condicionantes que esse tipo de empreendimento não consegue cumprir. Com a nova lei, eles passam direto”, alerta Bueno.
O desmonte das garantias ambientais
De acordo com estudos da ARAYARA, mais de 2.600 empreendimentos fósseis mapeados em sua base de dados poderiam ser enquadrados como estratégicos pelo governo. A LAE, nesses casos, sobrepõe-se a qualquer outro rito de licenciamento, eliminando etapas como licença prévia, audiência pública, parecer técnico e consulta a comunidades tradicionais.
Para especialistas, o Brasil corre o risco de assistir a uma explosão de projetos de alto impacto sem controle adequado e em pleno ano de COP 30 no país.
Outra mudança polêmica feita no Senado foi a inclusão na Lei Geral do Licenciamento Ambiental das atividades de mineração de grande porte e alto risco, que antes ficavam sob normas do Conama.
Para Bueno, o órgão do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) responsável por definir normas sobre licenciamento, controle de emissões e uso sustentável dos recursos naturais, que já contava com baixa participação da sociedade civil, agora terá a perda de atribuições deixando de definir normas e diretrizes nacionais de licenciamento.
Bueno declara que o PL 2.159/2021 marca o maior retrocesso já visto na legislação ambiental brasileira, depois de décadas de construção de uma governança socioambiental — que começou antes mesmo da Constituição de 1988 .
“Assistimos agora a um ataque direto e sem precedentes contra instrumentos fundamentais de proteção, como o licenciamento ambiental. Embora alguns vetos sejam considerados básicos, permanecem no texto diversas inconstitucionalidades. Diante disso, o departamento jurídico do Instituto Internacional ARAYARA — ONG que mais atua na Justiça em defesa do clima e do meio ambiente no Brasil — já se prepara para questionar judicialmente a medida, em defesa das atuais e futuras gerações”, completou.
Foto: ARAYARA.org