Um investimento bilionário quer implantar no Brasil, pela primeira vez, a tecnologia de estocagem de gás natural no subsolo. O projeto comercial pioneiro na América Latina está avançando em Pilar, cidade de 35 mil habitantes na região metropolitana de Maceió, onde existe uma das maiores reservas do país —e que são exploradas há quatro décadas.
Os riscos e regras da estocagem estão sendo avaliados pelo IMA (Instituto do Meio Ambiente de Alagoas) e pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que vão dar o aval sobre o projeto. Os processos e estudos estão sendo acompanhados também pelo MP-AL (Ministério Público de Alagoas), que tem receio dos riscos associados de vazamento e acidentes.
O projeto é da empresa Origem Energia, que pretende investir US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) nos próximos 5 anos. Ela recebeu a licença prévia (a primeira de três do processo) do IMA no dia 15 de julho para armazenar 50 milhões de m³ de gás natural em poços hoje inativos.
A ideia é simples: usar seis poços já esvaziados pela retirada total de petróleo e gás para reinjetar gás natural nas formações subterrâneas naturais já depletadas (termo que indica que todo material original foi retirado).
Com a tecnologia pronta, a Origem vai alugar esses espaços para que empresas produtoras de gás pelo país possam estocar o material não usado para usar em momento de alta demanda —hoje, o gás produzido e não usado se perde.
Entretanto, a ideia pode apresentar riscos, já que os estudos ambientais apresentados pela empresa ao IMA relatam acidentes com esse tipo de operação e risco de vazamentos fora do Brasil, por exemplo.
A empresa, porém, afirma que o processo é seguro e adotado há mais de 100 anos em países como os EUA, por exemplo, e cita que a injeção do gás não será feita por processo de mineração, nem vai usar ou deixar cavernas subterrâneas —como ocorreu com a exploração de sal-gema na vizinha Maceió, que causou afundamento do solo em cinco bairros.
No último dia 14, após reportagem da Agência Tatu apontar supostas fragilidades do licenciamento, o MP-AL abriu procedimento administrativo para apurar a regularidade e avaliar a “suficiência dos estudos de impacto ambiental, a adequação dos planos de mitigação de riscos e de emergência, e a observância dos princípios da precaução, da prevenção e da informação, visando garantir a segurança da população e a proteção ao meio ambiente”.
Vista aérea de um dos poços de gás natural Imagem: Divulgação/Origem Energia
Mas quais seriam os riscos?
O doutor em riscos e emergências ambientais Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, afirma que a entidade tem estudado o caso e vê com preocupação o projeto, já que ele diz que a área de abrangência de risco é de cerca de 30 mil pessoas.
“Essas pessoas não foram ouvidas pelos órgãos de licenciamento, tão pouco apresentando plano de contingências sobre riscos e acidentes e sistemas de emergência de avisos sonoros ou de mais investimentos ao sistema de Corpo de Bombeiros em situação de risco”, afirma.
Juliano é conselheiro do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos) e cita que uma das preocupações é com a chamada percolação.
“Isso é o vazamentos de gases, que nesse tipo de operação é um fato estatístico e visto onde é usado. Só que você não consegue enxergar com os olhos esse tipo de vazamento, que é uma coisa chamada microvazamento”, explica.
Ele relata que, nas operações, há situações de perda de 8% a 11% de gás. No caso do campo de Pilar, ele cita que a operação será feita no reservatório já esvaziado.
“Falar em vazamento zero é praticamente impossível, e então é necessário ter equipamentos especiais fotocrômicos que conseguem enxergar vários tipos de gás. Isso irá exigir medidas de monitoramento e fiscalização, e hoje o estado não dispõe nem de técnicos, nem equipamentos capazes. Neste sentido, vemos falhas no processo”, afirma.
Mapa da área da estocagem de gás natural em Pilar (AL) Imagem: Instituto Arayara
No Rima (relatório de impacto ambiental) apresentado pela empresa ao IMA, a Origem garante que “as hipóteses acidentais avaliadas para a atividade de estocagem de gás são todas contempladas no Plano de Resposta a Emergência do Polo Alagoas”.
O outro ponto que ele cita é que esse tipo armazenamento apresenta riscos de contaminação de águas subterrâneas, seja em aquíferos, cavernas salinas ou campos de gás exauridos. “É crucial um planejamento cuidadoso, monitoramento constante e adoção de medidas de mitigação para minimizar esses riscos”, pontua.
Nesse sentido, uma das maiores preocupações é que Pilar é uma cidade às margens da lagoa Manguaba e tem forte vocação pesqueira.
Entenda o projeto
A Origem Energia assumiu a operação do campo de Pilar em 2022 e hoje produz 1,6 milhão de m³ de gás natural por dia, citando gerar cerca de 1.000 empregos diretos.
Segundo o diretor de estocagem da Origem Energia, Anderson Bastos, a estocagem de gás vai utilizar as mesmas técnicas e tecnologia de exploração de petróleo e gás. O cronograma inicial da empresa prevê começar a injetar gás já a partir de novembro ou dezembro, mas isso ainda depende das autorizações.
Parte visível dos seis poços de gás natural que serão usados para estocagem Imagem: Reprodução/Rima
“Hoje há uma lógica de fluxo de produção de gás das empresas produtoras diferente da demanda. Esse descasamento gera o que a gente chama de desbalanceamento: às vezes você tem uma oferta de gás maior do que a demanda, e às vezes tem pico e a produção doméstica não é capaz de atender. A estocagem funciona para armazenar esse gás nos momentos que tem sobra e oferecer esse gás quando tem demanda”, diz.
Segundo ele, os poços são interligados ao sistema nacional integrado de transporte de gás. “O Campo de Pilar consegue acessar de Porto Alegre a Fortaleza”, cita.
Anderson afirma que os acidentes citados seriam em ambientes diferentes. “Não tem nenhum acidente geológico ou similar ao que temos no campo de Alagoas, onde temos temos estruturas rochosas, e o gás fica nessas rochas. Se fosse uma área com mineração, teria um risco maior, mas não é o caso”, garante.
Já sobre a possibilidade de vazamentos, ele alega que, por usar a mesma estrutura já existente, o risco é similar ao da operação que ocorreu na atividade que existe desde os anos 1980 em Pilar.
“Há uma percepção de que é uma coisa nova, mas é a mesma atividade, no mesmo local, usando a mesma estrutura, em campos monitorados e atendendo todas normas nacionais e internacionais. Vamos botar o gás de volta, que impregnado nas rochas onde estava há milhões de anos.” Anderson Bastos
Exploração de gás natural em Pilar (AL) Imagem: Divulgação/Origem Energia
Processo ainda é avaliado
Procurado pelo UOL, o IMA explica que o processo está em fase de análise da licença ambiental de instalação —depois dessa ainda será necessário dar licença de operação para que a atividade começe.
“Diante do potencial impacto ambiental do empreendimento, o IMA exigiu a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Rima, justamente para avaliar riscos como vazamentos, explosões, contaminação de recursos hídricos, impactos à agricultura e eventuais efeitos à saúde da população. Por não haver normas técnicas específicas no Brasil para esse tipo de atividade, o processo de licenciamento também depende da anuência da ANP, órgão responsável por definir as diretrizes de segurança aplicáveis”.
Sobre a alegação de necessidade de debate, o órgão ainda cita que o tema foi debatido em uma audiência pública, em 20 de março, com ampla divulgação e transmissão pelo canal de YouTube do IMA.
Também procurada, a ANP informou que o pedido de autorização “se encontra em processo de análise pela ANP e depende do cumprimento de requisitos técnicos estabelecidos pela Agência”.
Prefeitura defende projeto
Em nota à coluna, a Prefeitura de Pilar afirma que vê com bons olhos o projeto, que “representa um novo ciclo de investimentos para a nossa cidade e para a cadeia industrial de Alagoas, garantindo a continuidade de atividades já instaladas e que seriam finalizadas”.
“A Prefeitura entende que o projeto pode ser importante para o desenvolvimento industrial de Pilar e de Alagoas, desde que conduzido com absoluto respeito às normas ambientais, de segurança e às diretrizes definidas pelos órgãos competentes”, diz o texto.
“Com o projeto, serão criadas condições para atrair novos empreendimentos ao município, contribuindo para a manutenção e geração de empregos, para o fortalecimento da economia local e para o incremento da arrecadação municipal, especialmente do ISS. É importante ressaltar que a tecnologia de estocagem subterrânea de gás natural é realizada há décadas em diversos países desenvolvidos, para garantir também a segurança do suprimento energético, sempre com altos padrões de segurança e controle ambiental.” Prefeitura de Pilar
Foto: reprodução / UOL / Origem Energia
Fonte: UOL