A Cúpula do Clima, nesta quinta-feira (6) em Belém, começou com um choque de realismo. Desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, o mundo tem falado em limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC acima da média pré-industrial. Mas esqueçam isso. “O aumento recorde dos níveis de gases com efeito estufa significa que será virtualmente impossível limitar o aquecimento global a 1,5ºC nos próximos anos, sem temporariamente ultrapassar a meta do Acordo de Paris”, afirmou Celeste Saulo, secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), na abertura da Cúpula.
Em seu discurso, o presidente Lula lembrou que em 2024 foi o primeiro ano em que a temperatura média anual da Terra ultrapassou a meta de Paris. A concentração de gases que aquecem o planeta atingiu um novo recorde nesse mesmo ano, segundo relatório divulgado pela OMM nesta quinta-feira. Já o ano de 2025 caminha no mesmo sentido e deverá ser o segundo ou terceiro mais quente desde que há registros meteorológicos. “A ciência já indica que essa elevação vai se estender por algum tempo ou até décadas, mas não podemos abandonar o objetivo do Acordo de Paris”, clamou o presidente brasileiro.
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, colocou mais um dedo na ferida. Starmer afirmou que o Acordo de Paris foi conseguido graças a um consenso mundial sobre a necessidade de combater a crise climática. Mas o contexto mundial atual é completamente diferente. “O consenso acabou”, disse, no seu discurso. “E alguns acham que este não é o momento de agir”, acrescentou.
Este é um dos principais desafios da COP30: como avançar com a ação climática, quando os Estados Unidos já não estão a bordo do Acordo de Paris e outros países estão retrocedendo em suas agendas ambientais. Mesmo a União Europeia (UE), até então líder em políticas climáticas ambiciosas, chega a esta COP dividida e enfraquecida. Os países europeus finalizaram só na quarta-feira, a um dia da Cúpula em Belém, um acordo sobre a meta de redução de emissões para 2040. A UE promete cortar 90%, mas com vários mecanismos de flexibilidade exigidos por alguns países, que na prática enfraquecem aquele objetivo.
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas (ONU), proclamou outras falas fortes, exigindo o corte de emissões de metano e celeridade nas ações multilaterais. “Não é mais tempo de negociação, é tempo de implementação, implementação, implementação”, ressaltou. Guterres também destacou a importância do financiamento para a salvação do planeta, sem greenwashing – estratégia de marketing enganosa em que empresas ou organizações se promovem como ambientalmente conscientes e sustentáveis, quando na verdade não são. “A lacuna de financiamento de adaptação acaba impedindo que os países honrem seus compromissos”, complementou.
“Mais de 250 mil pessoas poderão morrer a cada ano”, alerta Lula

Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), Lula advertiu que as alterações climáticas podem causar cerca de 250 mil mortes adicionais por ano, entre 2030 e 2050. A OMS estima ainda que os custos diretos dos danos para a saúde variem entre 2 e 4 mil bilhões de dólares americanos por ano até 2030. “A COP30 será a COP da verdade”, propagou o presidente, referindo-se à importância de levar a sério os fatos científicos sobre o assunto.
Outro ponto salientado foi a urgência da transição energética. Lula afirmou que é preciso desenhar mapas do caminho “para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”.
Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, é disso que precisamos. “E é exatamente o que esperamos que a presidência da conferência coloque como proposta sobre a mesa”, disse. “O sucesso da COP30 se dará ao transformar as palavras do presidente brasileiro em resolução final”, concluiu.
Marta Salomon, especialista sênior do Instituto Talanoa, acrescentou que essa “seria a forma de completar o trabalho de duas cúpulas anteriores, em Dubai e Baku”.
Gustavo Petro, presidente da Colômbia, foi enfático e cobrou que os países sigam em frente, independentemente dos Estados Unidos saírem do Acordo de Paris. “Sem dúvidas, podemos limpar a matriz suja dos Estados Unidos, o maior acumulador de CO2 do mundo e responsável pela crise e pela possibilidade de colapso climático”, declarou.
“O continente americano pode limpar 100% da matriz energética, da Patagônia ao Alasca, incluindo a matriz energética dos Estados Unidos. Não precisamos de Trump para isso, esqueçam dele!”, exclamou Gustavo Petro.
Fique por dentro das novidades do Amazônia Vox. Assine nossa newsletter aqui
Combustíveis fósseis aparece em discursos, ainda que de forma branda
John Wurdig, gerente de transição energética do Instituto Internacional Arayara, está acompanhando as plenárias como observador da sociedade civil e notou que o termo “combustíveis fósseis” tem aparecido com mais frequência nesta cúpula de líderes. “O meu receio é que seja citado apenas de uma forma branda, como um alerta de que eles [os combustíveis fósseis] estão ali e são um problema, mas cada vez mais dar uma sobrevida, quando se fala em redução gradual e não eliminação”, analisa.
Suas expectativas, nesse sentido, são que os chefes de estado elevem o debate e possam dialogar sobre o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. Na COP28, em Dubai, em 2023, os países concordaram que se devem fazer esforços apenas para uma “transição de afastamento dos combustíveis fósseis dos sistemas energéticos”. A expectativa é que a COP30 resulte em uma declaração final mais incisiva. “Vamos esperar os próximos dias para ver, realmente, quais líderes mundiais vão trazer essa pauta e ficar atentos sobre a influência do lobby do petróleo durante essa COP também”, argumenta.
Vale lembrar que, na COP29, realizada no ano passado no Azerbaijão, o número de lobistas superou o total de representantes das delegações de países mais afetados pela crise – foram 1.773 representantes da indústria registrados em Baku.
Mais de cinco bilhões de dólares para proteção das florestas
Se por um lado houve alertas para os problemas, por outro lado os discursos ressaltaram a proteção das florestas e do oceano, e sua biodiversidade, como uma resposta baseada na natureza. O grande anúncio foi o avanço do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que já aportou em um dia 50% dos recursos esperados em um ano, de acordo com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. No total, foram U$ 5,5 bilhões, incluindo o apoio do Brasil, Noruega, França e Indonésia, com expectativa de ter ainda mais aportes até o final da Cúpula do Clima.
“Os investidores terão seu dinheiro de volta. E o dinheiro de ida para a proteção das florestas”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que acredita que essa é uma saída para o planeta reduzir sua dependência do uso de combustíveis fósseis.
Os oceanos também tiveram protagonismo. Uma das primeiras falas da sessão da manhã foi da bióloga e doutora em ciências do mar pela Universidade de Cádiz, na Espanha, Marinez Scherer. “A ciência é clara: não podemos combater a emergência climática se não agirmos juntos e protegermos os oceanos”, defende a pesquisadora, que é a enviada especial do Oceano da COP30. “A COP do Brasil, a COP de Belém é também a COP do oceano. Isso já estava na ciência, mas não estava na boca e na cabeça dos negociadores. Fico bastante feliz de ver essa conquista que foi gerada por milhares de pessoas que estão militando nessa frente há muito tempo”, reflete Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, responsável pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).
James Marape, primeiro-ministro da Papua-Nova Guiné, é um dos líderes que endossaram a proposta do TFFF e em seu discurso reforçou o papel de soluções baseadas na natureza e o uso sustentável das florestas e dos oceanos, além de estratégias de combate de ilegalidade nesses ambientes. Marape aproveitou para apoiar a candidatura da Austrália para sediar a COP31, em novembro de 2026. “A Austrália é a maior nação com território de oceano”, mencionou.
John Wurdig, do Arayara, frisou mais uma abordagem que é pouco usual nesse tipo de negociação: as comunidades tradicionais. “A gente sabe que o Brasil apenas recebe a COP, mas, por estar aqui, na Amazônia, tem a chance de dar um tom nessas negociações para incluir esses temas das comunidades tradicionais nesta e em outras COPs”, aconselha. O príncipe William, do Reino Unido, corroborou: “Nesta COP, temos de ouvir a voz e a liderança dos povos locais e indígenas”.
Fonte: Amazoniavox
Foto: Reprodução / Marcio Nagano









