Deputada Célia Xakriabá propõe avanço no debate sobre a regulamentação de salvaguardas para povos indígenas no setor de energia
A transição energética brasileira, historicamente exaltada por seu potencial renovável, começa a ser questionada sob uma nova perspectiva: a violação de direitos dos povos indígenas em nome da sustentabilidade. No dia 8 de abril, a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública para debater os impactos do setor energético — de fontes fósseis às chamadas renováveis — sobre terras indígenas.
A iniciativa, proposta pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), reuniu representantes do Ministério dos Povos Indígenas, do Meio Ambiente, da Funai, organizações indígenas e ambientalistas. A audiência contou com a presença de nomes como Paulo Tupinikim (APOINME), Alcebias Saparã (COIAB), Dinamam Tuxá (APIB), Nicole Oliveira (Instituto Arayara) e Márcio Astrini (Observatório do Clima).
A discussão revelou um paradoxo inquietante: a busca por uma matriz energética limpa está, muitas vezes, sendo construída sobre práticas que geram novos conflitos socioambientais, ignorando salvaguardas básicas às comunidades indígenas e tradicionais.
Exploração de petróleo: o caso da Foz do Amazonas
Um dos temas centrais da audiência foi a tentativa da Petrobras de explorar petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas, fronteira entre desenvolvimento econômico e risco ambiental. Embora o Ibama tenha negado o licenciamento ambiental, alegando falta de garantias em caso de derramamento de óleo, o projeto continua em pauta — um exemplo simbólico dos dilemas da política energética nacional.
Célia Xakriabá relembrou que o combate às mudanças climáticas não é compatível com a expansão do uso de combustíveis fósseis, especialmente em regiões protegidas. A resistência indígena, nesse sentido, não é um entrave ao progresso, mas um chamado à coerência climática.
Hidrelétricas: o impacto que não desaparece
A parlamentar também alertou sobre os efeitos duradouros das grandes hidrelétricas, que continuam afetando territórios indígenas mesmo anos após sua construção. No Rio São Francisco, por exemplo, povos originários ainda sofrem com a perda de terras, alteração dos ciclos hídricos e desaparecimento de espécies.
Apesar de serem fontes renováveis, as hidrelétricas provocam deslocamento forçado, alteração no regime dos rios e impactos irreversíveis na cultura e na subsistência das comunidades locais.
Energias eólica e solar: promessas verdes, efeitos invisibilizados
Contrariando a imagem “limpa” que cerca as fontes eólica e solar, os depoimentos de lideranças indígenas apontaram que os impactos socioambientais também estão presentes nesses empreendimentos.
Entre os efeitos relatados por comunidades próximas às usinas estão:
- Aumento da temperatura média dos rios;
- Redução da fauna aquática e de insetos polinizadores;
- Problemas auditivos devido ao barulho constante das turbinas;
- Perda de território para criação de animais;
- Diminuição de nascentes e fontes hídricas;
- Violação de espaços sagrados e destruição cultural;
- Especulação fundiária e pressão urbana;
- Crescimento dos casos de depressão e ansiedade nas aldeias.
Esses efeitos desafiam a narrativa dominante de que as energias renováveis são, por definição, isentas de impactos negativos.
Mineração e lítio: o novo vilão da transição energética?
Outra preocupação crescente é o avanço da mineração de lítio, elemento essencial para baterias de carros elétricos e sistemas de armazenamento de energia. Célia Xakriabá ressaltou que a “corrida pelo lítio” está pressionando territórios indígenas, sem consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT.
Esse avanço ameaça transformar regiões protegidas em novas zonas de conflito ambiental e social, num modelo extrativista que pouco difere da lógica dos combustíveis fósseis.
Um chamado por salvaguardas e justiça climática
A deputada defendeu a regulamentação urgente de salvaguardas específicas para os povos indígenas em relação ao setor energético. A proposta é garantir que nenhum projeto avance sobre terras indígenas sem diálogo, proteção e repartição justa dos benefícios.
“A descarbonização não pode ser construída às custas da violação dos nossos direitos. Nós queremos e defendemos uma transição energética, mas ela precisa ser justa, coletiva e respeitosa com quem historicamente protegeu os biomas brasileiros”, afirmou.
Nesse sentido, os povos indígenas reivindicam o protagonismo nas decisões climáticas, com voz ativa na COP30, que ocorrerá em Belém (PA), em novembro de 2025.
Fonte: Cenário Energia
Foto: Reprodução – Antonio Stickel/Greenpeace