O Cerrado, conhecido como o berço das águas por alimentar oito das doze grandes bacias hidrográficas brasileiras, enfrenta uma nova e grave ameaça: a expansão acelerada da indústria fóssil sobre o bioma. Um levantamento inédito da Plataforma Monitor Energia, desenvolvido pelo Instituto Internacional Arayara, revela que estão em andamento obras de grande porte, como gasodutos e usinas termelétricas a gás natural, que podem causar impactos ambientais e sociais irreversíveis.
Projetos que ameaçam o bioma
Entre os empreendimentos identificados estão o Gasoduto Brasil Central (TGBC), com mais de 900 km de extensão, ligando São Carlos (SP) a Brasília (DF), e quatro grandes usinas termelétricas a gás: a UTE Brasília (1.470 MW), a apenas 35 km da Praça dos Três Poderes; a UTE Bonfinópolis (299 MW) e a UTE Centro-Oeste (1.250 MW), ambas em Bonfinópolis (GO); e a UTE Brasil Central (1.250 MW), em Abadiânia (GO). Somados, esses projetos devem ocupar mais de 2 mil hectares: o equivalente a 2 mil campos de futebol.
O relatório aponta múltiplos riscos: a implantação de gasodutos e usinas pressiona áreas de recarga de aquíferos, compromete a segurança hídrica de milhões de brasileiros e aumenta as emissões de gases de efeito estufa em plena crise climática. Além disso, as obras colocam em risco a sobrevivência de povos e comunidades tradicionais, que dependem diretamente do Cerrado para alimentação, renda e preservação cultural.
As ameaças incluem destruição de vegetação nativa, aumento da poluição atmosférica e sonora, deslocamento forçado de famílias, sobrecarga em áreas já pressionadas pelo agronegócio e mineração, e consequente perda de biodiversidade. O Cerrado, que já teve mais de 50% de sua vegetação original destruída, corre risco de acelerar o processo de degradação que compromete suas funções ecológicas, como a regulação do regime de chuvas em todo o país.
Transição energética é urgente
O gerente de transição energética do Instituto Internacional Arayara, John Wurdig, reforça que investimentos em megaprojetos fósseis contrariam os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais e comprometem as metas de transição energética.
“Estamos diante de um ponto crítico. O Cerrado já é um dos biomas mais ameaçados do Brasil e o avanço da indústria fóssil pode representar um colapso irreversível para suas águas, sua biodiversidade e seus povos. Precisamos inverter a lógica de expansão do gás e direcionar investimentos para energia limpa e sustentável”, afirma.
O Instituto Internacional Arayara tem atuado de forma contínua para monitorar e denunciar os riscos desses empreendimentos fósseis. Entre as medidas adotadas, destacam-se a solicitação urgente ao IBAMA para a realização de estudos cumulativos e sinérgicos das quatro usinas térmicas, considerando suas emissões de gases de efeito estufa, uso de recursos hídricos e impactos regionais. Além disso, a Arayara moveu ação civil pública que resultou na suspensão das outorgas de captação de água para a UTE Brasília, protegendo a Escola Classe Guariroba e garantindo a segurança das comunidades locais. Essas iniciativas reforçam a importância da participação da sociedade civil na fiscalização de projetos que ameaçam o Cerrado e seus ecossistemas.
Fonte: Energia Limpa
Foto: reprodução/ Energia Limpa/ Freepik