ARAYARA repudia manutenção de subsídios bilionários a térmicas a carvão até 2040 e alerta para impacto climático, econômico e regulatório
A sanção integral da Medida Provisória 1.304, convertida na Lei nº 15.269/2025, reacendeu o debate sobre coerência climática e políticas públicas para o setor elétrico no Brasil. Publicada em 24 de novembro, no primeiro dia útil após o encerramento da COP30, realizada em Belém, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém a contratação compulsória e a prorrogação de outorgas de usinas termelétricas a carvão mineral até 2040.
A medida foi recebida com forte crítica pelo Instituto Internacional ARAYARA, que havia enviado um ofício ao governo alertando para impactos ambientais, climáticos e financeiros da MP. Para a entidade, a sanção integral representa um retrocesso diante do compromisso público assumido pelo Brasil para liderar a transição energética global.
Alerta ignorado: entidade critica inconsistência com posições do MMA
No documento enviado em 12 de novembro ao presidente e a ministros estratégicos, entre eles Marina Silva (MMA) e Fernando Haddad (Fazenda), a ARAYARA solicitava veto parcial aos trechos do Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025 que tratam da contratação de reserva de capacidade de usinas a carvão.
A crítica da organização ganha ainda mais relevância porque diverge do posicionamento do próprio Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. O MMA havia solicitado o veto ao dispositivo que introduziu o art. 3º-D na Lei 10.848/2004, mecanismo que permite a prorrogação da contratação de térmicas a carvão até 2040.
Segundo o Ministério, o carvão é “a fonte de energia mais intensiva de carbono” e sua manutenção “contraria a Política Nacional de Mudança do Clima, a Política Nacional de Qualidade do Ar”. O MMA também alertou que a continuidade desses contratos compromete a meta brasileira de neutralidade climática em 2050, prevista no Plano Clima e em acordos internacionais.
Subsídios bilionários e impacto tarifário: estudos apontam custos crescentes
A ARAYARA divulgou estudos técnicos mostrando os impactos econômicos da medida para os consumidores de energia elétrica. A entidade destaca que a contratação de térmicas a carvão como reserva de capacidade continuará sendo financiada pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), ampliando os subsídios setoriais.
Entre os exemplos citados está o custo da UTE Candiota III, cuja contratação representaria R$ 1 bilhão por ano. Com a extensão dos contratos até 2040, a organização estima que os subsídios totais podem alcançar entre R$ 76 bilhões e R$ 107,7 bilhões, valores que seriam pagos por todos os consumidores, sem contabilizar os custos ambientais e de saúde associados ao carvão.
Ao contextualizar o impacto climático e financeiro da política, a diretora executiva da ARAYARA, Nicole Oliveira, afirma que a sanção prolonga artificialmente a viabilidade econômica de uma das fontes mais poluentes da matriz elétrica.
“A nova lei mantém a obrigação de contratação de energia de termelétricas a carvão como reserva de capacidade até 2040 e prorroga por 25 anos as outorgas dessas usinas, garantindo vida longa a uma das fontes mais poluentes da matriz elétrica brasileira. Um país que queima recursos públicos para manter o carvão vivo não pode, ao mesmo tempo, reivindicar liderança climática global”, destacou.
Decisão contraria compromissos assumidos na COP30, aponta ARAYARA
A sanção integral ocorre logo após o anúncio do apoio do Brasil a um “mapa do caminho” global para a transição energética e a redução do uso de combustíveis fósseis. Na avaliação da ARAYARA, a decisão desmonta o discurso defendido pelo país durante a COP30 e coloca em xeque a credibilidade brasileira no cenário internacional.
O ofício enviado ao governo pela organização já alertava que a manutenção do carvão “significaria um desalinhamento direto com essa trajetória de liderança climática, além de enfraquecer o discurso brasileiro às vésperas da COP30”.
A medida também contrasta com posições anteriores do próprio governo. Em janeiro, o Veto nº 3/2025 barrou dispositivos semelhantes, sob a justificativa de que a prorrogação das térmicas “contraria o interesse público por aumentar tarifas de energia, estimular o uso de fontes fósseis e se opor aos compromissos internacionais de descarbonização”.
Transição energética e governança: o que a lei representa para o setor elétrico
O prolongamento das térmicas a carvão até 2040 impacta diretamente a trajetória de transição energética brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo em participação de renováveis na matriz.
A decisão traz implicações importantes:
- Elevação estrutural da CDE, pressionando tarifas.
- Prolongamento de emissões em um setor que já poderia operar com fontes de menor impacto.
- Sinalização contraditória ao mercado, afetando investimentos em energia limpa.
- Desalinhamento regulatório com políticas climáticas nacionais e internacionais.
Analistas avaliam que a sanção pode gerar ruídos na governança do setor elétrico e criar dificuldades adicionais para o planejamento energético de médio e longo prazo.
Entidade convoca setor elétrico, sociedade civil e órgãos de controle
Em nota, a ARAYARA reforça que “não existe transição energética justa com carvão subsidiado até 2040” e cobra que o Congresso revise urgentemente o dispositivo. A organização pretende intensificar articulações com entidades socioambientais, agentes do setor e instituições de fiscalização para tentar reverter ou mitigar os efeitos da lei.
Fonte: Cenário Energia
Foto: Reprodução / Cenário Energia






