O relatório sobre o financiamento da expansão de combustíveis fósseis na América Latina e no Caribe foi apresentado nesta segunda-feira no Arayara Amazon Climate Hub, em Belém, durante a COP 30.
A pesquisa, desenvolvida em parceria entre a Urgewald, Instituto Internacional ARAYARA, FARN (Argentina), Amazon Watch (Peru) e Conexiones Climáticas (México), revela como bancos e investidores internacionais continuam a financiar a abertura de novas fronteiras de petróleo e gás na região, contrariando metas climáticas globais.
O evento reforçou a importância de transparência financeira, justiça climática e fortalecimento da sociedade civil, destacando a necessidade urgente de políticas públicas que protejam territórios, reconheçam direitos indígenas e priorizem a redução de emissões na região.
O estudo “The Money Trail Behind Fossil Fuel Expansion in Latin America & the Caribbean” (O Rastro do Dinheiro por Trás da Expansão de Combustíveis Fósseis na América Latina e Caribe) identifica 190 empresas de petróleo e gás de 42 países que seguem explorando novas reservas ou construindo infraestrutura fóssil. Segundo Heffa Schuecking, diretora da Urgewald e autora principal do relatório, a América Latina e o Caribe são um dos principais hotspots globais da expansão fóssil. Grandes empresas como Petrobras, ExxonMobil, YPF e Chevron estão determinadas a extrair o máximo possível de petróleo e gás antes que os prazos de neutralidade climática estabelecidos pelo Acordo de Paris entrem em vigor. Mesmo empresas estatais dependem fortemente de financiamento estrangeiro.
Por trás do fracasso em reduzir emissões há um rastro de dinheiro que leva às salas de reunião de instituições financeiras que ignoram a ciência e o bom senso para continuar financiando combustíveis fósseis. Quem financia, tem responsabilidade, e nosso trabalho é expor isso, acrescentou a diretora da Urgewald.
Nicole Oliveira, diretora executiva ARAYARA, destacou os riscos específicos para o Brasil e a Amazônia:
“ De acordo com o relatório, o Brasil responde por 45% de toda a nova expansão de petróleo e gás na região, com mais de 3 mil quilômetros de novos gasodutos. A autorização do Ibama para perfurar o bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, abriu a primeira frente de exploração na costa amazônica, ignorando alertas científicos e consulta prévia às comunidades indígenas e pesqueiras, em clara violação à Convenção 169 da OIT.
A Amazônia hoje abriga 2,7 milhões de indígenas, 14 mil km de manguezais e milhares de quilômetros do sistema recifal — hoje ameaçados por perfurações em áreas de corais. A Petrobras, responsável por 29% da expansão fóssil entre 2022 e 2024, segue avançando mesmo diante de pareceres técnicos contrários do próprio Ibama. Por isso, entramos com ação civil pública para barrar essa expansão: há emissões elevadas, ausência de consulta e estudos hidrológicos desatualizados que podem tornar qualquer vazamento catastrófico.”
Lorena Noemí Bravo, Werken do Território Xawvnko da Confederação Mapuche de Neuquén, denunciou os impactos do fracking em Vaca Muerta. Lorena revelou que a prática se instalou no território sem qualquer consulta, abrangendo três províncias, e toda a região está sendo devastada. Segundo a representante da Confederação Mapuche de Neuquém, essa exploração traz doenças, morte e contaminação ambiental para as comunidades, esclarecendo que a água que consomem já está contaminada com metais pesados.
Luis Canelos, presidente da Nacionalidade Kichwa da Amazônia Equatoriana (Pueblo Kichwa de Pastaza-Pakkiru), ressaltou os desafios frente ao avanço do extrativismo:
“Amanhecemos com a notícia de que o governo nacional convocou um referendo para alterar a Constituição, eliminando direitos coletivos, da natureza e o direito à consulta livre, prévia e informada. Vivemos 50 anos de exploração petroleira na Amazônia e agora exigimos a demarcação legal para proteger nossos territórios. Já conseguimos vitórias importantes: empresas que nunca consultaram nossas comunidades tiveram de atender às nossas exigências, e outras ações que burlavam regras foram revertidas nos tribunais graças à nossa unidade e resistência.”
Alisson Capelli, coordenador de Geotecnologias e Meio Ambiente da ARAYARA e um dos desenvolvedores do Monitor de Expansão de Combustíveis Fósseis, apresentou dados sobre o impacto das usinas térmicas e do financiamento internacional:
“O monitor mostra terras indígenas com direitos reconhecidos sendo sobrepostas por blocos de petróleo em produção ou estudo, e o impacto na vida das comunidades é enorme. No Brasil, a expansão projetada é de 11 bilhões de barris de óleo equivalente, e há 54 gigawatts de expansão de termelétricas propostas — 40 projetos, quatro deles na Amazônia. A Eneva planeja um cluster no coração da floresta.
92% desse financiamento fóssil vem do Norte Global, mostrando um novo imperialismo que destrói o meio ambiente e promove racismo ambiental. Bancos brasileiros, como Banco do Brasil e Caixa, financiam essa expansão enquanto promovem campanhas de transição energética na COP 30. É preciso questionar: quando realmente vai acontecer essa transição? A maior parte da matriz energética ainda depende de fósseis, e a Amazônia e seus povos pagam o preço disso.”
Foto: Oruê Brasileiro/ ARAYARA










