Um artigo científico recém-publicado apresentou o inventário mais completo já feito sobre a biodiversidade marinha na costa norte do Brasil — incluindo a Foz do Amazonas — e reforçou o alerta sobre as ameaças que a região enfrenta devido à pressão das atividades humanas, especialmente a exploração de petróleo e gás.
O estudo Biodiversity hotspots and threatened species under human influence in the Amazon continental shelf revelou a presença de 3.286 espécies, sendo 67 ameaçadas segundo a lista nacional (MMA) e 77 na avaliação global da IUCN. Os autores destacam que esses números provavelmente subestimam a real gravidade da situação, já que a análise concentra-se nas espécies mais conhecidas.
O Instituto Internacional ARAYARA é citado na pesquisa como fonte que monitora as pressões humanas na região, com destaque para a exploração de petróleo e gás — tema central nas discussões sobre o polêmico Bloco 59, na Foz do Amazonas. Entre as referências, está o estudo técnico “Impactos do avanço do petróleo na pesca da costa Amazônica” (disponível aqui), que analisa os efeitos sinérgicos e cumulativos da expansão da indústria fóssil sobre a cadeia produtiva da pesca e as comunidades que dependem da pesca artesanal e comercial. Segundo a análise, liberar licenças de exploração petrolífera na região terá impacto direto sobre uma parcela significativa da riqueza biológica local.
“Os dados estratégicos deste estudo são fundamentais para embasar as discussões da COP30, em especial sobre a proteção de hotspots de biodiversidade e sobre como enfrentar a crise climática com foco nos oceanos — essenciais para mitigar o aquecimento global, mas cada vez mais pressionados pela exploração de combustíveis fósseis, ao passo que esses efeitos têm exigido mudanças nas matrizes energéticas atuais”, destaca a Oceanógrafa Kerlem Carvalho, Coordenadora de Oceano e Águas da ARAYARA.

A oceanógrafa Kerlem Carvalho, coordenadora de Oceano e Águas da ARAYARA, apresentou o estudo Impactos do avanço do petróleo na pesca da costa Amazônica ao coordenador do ICMBio/CEPNOR, Alex Klautau.
Contradições do governo brasileiro
Apesar de avanços anunciados na UNOC (Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos), que aconteceu em julho deste ano — como a meta de ampliar de 26% para 30% as áreas marinhas protegidas no Brasil até 2030 (30x30x30) e o lançamento das chamadas NDCs azuis —, o governo brasileiro foi criticado por não aderir ao compromisso global contra a poluição plástica marinha.
Durante o evento, a coordenadora de Advocacy da ARAYARA, Renata Prata, teve a
oportunidade de dialogar com o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, sobre o leilão de blocos na Foz do Amazonas que aconteceu em junho, denunciando a exclusão de comunidades pesqueiras dos processos de tomada de decisão. Arepresentante da ARAYARA, cobrou ainda coerência entre os compromissos ambientais assumidos e as políticas de exploração petrolífera defendidas pelo governo.
Produção de conhecimento
A oceanógrafa da ARAYARA reforça que é essencial produzir conhecimento e criar instrumentos que qualifiquem a gestão dos territórios, especialmente frente a atividades econômicas de alto custo ambiental como a indústria de petróleo e gás.
“Os ambientes submersos são tão valiosos para o clima quanto qualquer floresta em terra firme. As algas produzem grande parte do oxigênio que respiramos, e explorar petróleo nesses ecossistemas é quase como colocar fogo na Amazônia”, comparou Carvalho.
Para o diretor técnico da ARAYARA, Juliano Bueno, o estudo e as manifestações da organização evidenciam que a proteção da Foz do Amazonas vai muito além de uma pauta ambiental — é também uma questão climática e socioeconômica. Ele reforça que, em um ano de COP, o Brasil deveria assumir o protagonismo no debate sobre a transição energética e a urgência de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, e não o contrário.